45 anos do Comício da Central do Brasil

30 abr 2012 . 11:30

No Comício pelas Reformas de Base, de março de 1964, o presidente João Goulart comprometeu-se em efetuar reformas que democratizariam amplos setores da sociedade. As elites dominantes, sentindo-se ameaçadas, reagiram com manifestações conservadoras que culminaram com o golpe militar. O custo para o Brasil foram décadas de atraso social e dependência econômica

Episódio dramático da história brasileira, o golpe militar de 1964 acaba de completar 45 anos. Um de seus estopins foi o famoso Comício da Central do Brasil, ou Comício pelas Reformas de Base, realizado em 13 de março de 1964 pelo presidente João Goulart, no Rio de Janeiro.

Naquela época o mundo era dominado pela Guerra Fria que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, opunha pólos ideologicamente distintos: o capitalismo estadunidense e o socialismo soviético. A ameaça socialista, que assombrava as elites dominantes, foi reforçada pela Revolução Cubana de 1959.

O impacto dessa bipolaridade também foi forte no Brasil. Ao mesmo tempo em que havia um ambiente de renovação e de mobilização na política, na cultura e na economia, as elites brasileiras – para garantir seus privilégios – abraçaram a posição norte americana, numa forte reação conservadora à ameaça representada pelos trabalhadores.

Neste contexto, o governo de João Goulart (1961 a 1964), que atinava com avanços democráticos, enfrentou ameaças golpistas desde seu início. Um dos motivos desta tensão se dava pelo fato de que em seu governo o movimento sindical foi extremamente ativo e as greves assumiam, além das reivindicações salariais, um caráter político ao pressionar pelas reformas de base.

As lideranças mais expressivas do movimento sindical brasileiro, organizadas principalmente no Comando Geral dos Trabalhadores (o CGT), tiveram papel relevante na organização do comício pelas reformas, ocorrido em 13 de março de 1964, na Central do Brasil, Rio de Janeiro.

Nele, o presidente Goulart comprometeu-se, perante o povo e as forças progressistas do país, com as chamadas reformas de base, um programa que envolvia as reformas agrária, bancária, tributária, fiscal e administrativa.

O comício reuniu cerca de 150 mil pessoas. Dos quinze oradores que precederam o presidente da República, o mais aplaudido foi o deputado federal Leonel Brizola (PTB-RJ), que pregou a convocação de uma Assembléia Constituinte e a “criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos, oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares”.

O projeto de Goulart era democrático. Ele prometeu medidas inéditas no país, entre elas desapropriações de terras à margem de rodovias federais e ferrovias; a estatização de refinarias de petróleo; uma reforma educacional, contra o analfabetismo; o controle da remessa de lucros de multinacionais para o exterior; imposto de renda proporcional; direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e cabos; a elegibilidade para todos os eleitores.

O presidente também defendeu o monopólio estatal do petróleo e a Petrobrás. Reivindicou a revisão da Constituição (a de 1946) que, segundo ele, legitimava uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana. Foi ainda mais longe quando defendeu, numa clara afronta aos setores conservadores, a liberdade e a justiça social, e denunciou a existência de “forças poderosas (…) que poderiam vir a ser responsáveis pelo derramamento de sangue ao pretenderem levantar obstáculos à (…) emancipação”.

No dia seguinte, Jango assinou o decreto tabelando o preço de aluguéis e imóveis em todo o território nacional e desapropriando imóveis desocupados por utilidade social.

A repercussão do comício, e das medidas, foi imediata. Houve manifestações oposicionistas em São Paulo e Belo Horizonte. A União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD), liderando os partidos da direita, queriam o impeachment de Goulart.

Enquanto isso entidades envolvidas com a conspiração golpista, e financiadas pelo empresariado e pelo imperialismo, articulavam as “Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade”, mobilizando setores das classes médias e da burguesia, sob a bandeira do anticomunismo, da defesa da propriedade e da religião católica. A primeira delas ocorreu em São Paulo, em 19 de março, ocasião em que foi distribuído um Manifesto ao povo do Brasil, contra Goulart. Tais manifestações criaram um clima favorável ao iminente golpe militar.

João Goulart não era o comunista pintado pelos golpistas. Longe disso, foi um presidente moderado e democrático. Mesmo assim, o golpe de 1º de abril de 1964 teve o apoio de importantes segmentos conservadores, que viam seus interesses ameaçados por qualquer passo que beneficiasse os trabalhadores.

Nos vinte anos seguintes àquele 13 de março de 1964 imperou no Brasil uma política que atendia aos interesses da elite e do imperialismo norte-americano, o oposto do que foi reivindicado por João Goulart.

Os militares rasgaram a Constituição, afastaram o presidente e, no poder, decretaram atos institucionais para espionar, intimidar, repreender, torturar e aniquilar toda oposição e todo oposicionista democrata, patriota, socialista ou comunista. A imprensa foi amordaçada e, logo de cara, as lideranças sindicais foram presas, cassadas e postas na ilegalidade, decepando a cabeça da luta dos trabalhadores.

O país ficou subordinado aos interesses do imperialismo, particularmente o estadunidense, e os anseios democráticos, patrióticos e desenvolvimentistas, comprometidos com o povo, expressos no Comício Pelas Reformas de Base, só voltaram a ser retomados com a eleição de Lula para a presidência da República, em 2002.

Carolina Maria Ruy
Jornalista e pesquisadora

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