Entrevista com Nilton Souza da Silva (Neco)

11 abr 2016 . 12:10

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Nilton Souza da Silva (Neco)

Comerciário, presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre, (Sindec), secretário de Relações Internacionais da Força Sindical e representante dos trabalhadores brasileiros no Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Leia aqui a entrevista em inglês

Entrevista realizada em 25 de março de 2011

Organizações sindicais internacionais

Em 1991, além da Ciosl (Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres), que pregava “sindicalismo democrático e independente”, havia a FSM (Federação Sindical Mundial), de esquerda, alinhada ao bloco socialista, e CMT a (Confederação Mundial do Trabalho), próxima à democracia-cristã e ao Vaticano. No Brasil, a CUT, a Força e a CGT, que eram as centrais existentes nos anos 1990, sempre foram filiadas à Ciosl, que tinha a linha de um sindicalismo sócio-político.
Cada uma dessas “centrais mundiais” tinha um braço regional no continente americano: a Orit (Organização Regional Interamericana de Trabalhadores) era ligada à Ciosl; o Cpustal (Congresso Permanente de Unidade Sindical dos Trabalhadores da América Latina e do Caribe) se alinhava com a FSM; e a Clat (Central Latino-Americana de Trabalhadores) era próxima à CMT.
A Orit virou CSA (Confederação Sindical de Trabalhadores das Américas), e a Ciosl virou CSI (1). Hoje, enquanto CUT, Força e UGT estão na CSI, a CTB e a CGTB são da FSM.

Relações internacionais

Hoje a Força Sindical mantém relações com praticamente todos os países na América. Temos uma boa relação com a CGT da Argentina. No México, na Venezuela e nos Estados Unidos também temos boas relações há bastante tempo. Além de México, Costa Rica, Colômbia, Chile e Peru.
Estamos chegando agora à África, que é uma região importante em função dos países de língua portuguesa, mas onde não tínhamos nenhum relacionamento. Atuamos em uma organização chamada Comunidade Sindical dos Países de Língua Portuguesa (CSPLP), da qual sou vice-presidente. Portugal também faz parte, mas damos uma ênfase à África em função das dificuldades que eles têm. Tirando a África do Sul, que tem dinheiro, o resto está na pobreza absoluta. O Senegal tem doze milhões de habitantes, mas só trezentos mil formalizados. Por aí dá para ter uma ideia. O movimento sindical africano está capengando, tentando sobreviver.
Saindo da América e da África, a Força tem relações tradicionais na Europa. Temos uma importante relação com a UIL italiana (Unione Italiana del Lavoro), com organizações sindicais da Espanha, de Portugal e da França.
São relações que temos em função da experiência que os europeus vêm nos passar e também em função das multinacionais européias aqui instaladas.
Estamos iniciando, já há algum tempo, uma relação com a China. Não podemos desprezar a China, que se tornou a segunda economia do Mundo. Já fomos uma vez lá. Agora, em abril (de 2011), vamos de novo para tentar aprofundar nossa cooperação sindical (1). Nossas conversas com eles são no sentido de levar a nossa experiência com relação às condições de trabalho, ao respeito à legislação trabalhista, à OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Os dirigentes sindicais chineses fazem parte do Partido, como em Cuba. Nossa ideia, respeitando todas as características culturais do país, é aprofundar um pouco a discussão sobre as condições de trabalho, a relação patrão-empregado. Estamos conhecendo um pouco mais a China. Na primeira visita, estivemos com as maiores categorias. Foi há três ou quatro anos, em 2007 ou 2008. Fomos lá para conhecer. Quem nos recebeu foi o secretário de Relações Internacionais não de uma central, mas do Partido. E abrimos para ele que estávamos lá para conhecer a verdadeira China. Não queríamos saber o que era dito na imprensa, mas sim conhecer, ir às fábricas, ver como se realizava o trabalho, as condições de segurança, os direitos. Só depois de falar com o secretário do Partido tivemos a reunião com a Federação Sindical.
Essa pressão que estamos fazendo como movimento sindical tem melhorado as condições lá. Claro que você tem de ter em perspectiva que são 1,3 bilhão de pessoas, e dar comida para esse povo todo não é nada fácil. E tem a cultura chinesa, que é mais pacífica, bem diferente da nossa.
Além dessas visitas, dessas relações bilaterais que fazemos para consolidar o trabalho da Força Sindical em nível internacional, participamos também de seminários internacionais, como convidados, por sermos filiados à CSI e à CSA.

1º de Maio

A central sindical Croc (Confederación Revolucionaria de Obreros y Campesinos), do México, está copiando nossa experiência da festa do Dia do Trabalhador. Nos dois últimos anos (2009 e 2010) eles realizaram um 1º de Maio como o nosso, mais massivo e popular.
Esta troca aconteceu de forma simples. Em uma conversa nós perguntamos a eles se queriam continuar com um 1º de Maio de discursos para a militância, com meia dúzia de pessoas, ou se gostariam de realizar um evento para os trabalhadores, com shows de grandes artistas e sorteios de prêmios, no qual eles pudessem levar a família, em um dia de lazer mas também político.

O Brasil

Hoje, por ser um País forte em nível internacional, com uma economia em desenvolvimento, o Brasil não é mais visto, no exterior, como coitadinho, nem como um País em que o povo não tem dinheiro e onde o movimento sindical é fraco. Não! Nosso movimento sindical tem dinheiro e é forte. O País cresceu, também é forte e até empresta dinheiro para o FMI (Fundo Monetário Internacional). Quando se imaginaria uma coisa dessas? Sou da época em que íamos para as ruas para gritar “Fora daqui… o FMI!”.
Como o Brasil cresceu, as multinacionais brasileiras também cresceram, e não só a Petrobras. Há um leque de grandes empresas nossas que invadiram outros países. Pegue o ramo de alimentação, de carne bovina, em que somos os primeiros no Mundo. E a construção civil, então! Somos superfortes, com grandes empresas brasileiras na área, como a Odebrecht, em Angola. São as nossas multinacionais.
Soubemos sobreviver em meio a um ambiente de crise econômica e passamos rapidamente por ela. Hoje sabemos que o melhor modelo sindical para superar a crise é o do Brasil. A unidade do movimento sindical provocou isso. Não adiantava a CUT, a Força, a CGTB ou a CTB tentarem enfrentar a crise sozinhas. O que adianta é, nestes casos, nos unirmos para discutir propostas com os governos, como foi com a recuperação do salário mínimo. Mesmo com crise econômica, pudemos aumentar o salário mínimo, o que significou “distribuição de renda”.
O empréstimo consignado, que foi decisão do governo Lula, com fundamental participação das centrais sindicais, é outra coisa fundamental no Brasil, pois facilitou o acesso do trabalhador ao crédito. Além disso, também a campanha pela política de enfrentamento dos juros, empreendida pelas centrais, em especial pela Força Sindical.
Não é à toa que, quando viajamos para fora do Brasil o pessoal mostra admiração pelo fato de o Brasil ter tirado oito milhões de pessoas do nível da pobreza e elevado trinta milhões à classe C. Isto demonstra o quê? Nossas políticas assertivas, a distribuição de renda por meio do salário mínimo, do Bolsa-Família.

Fórum Social Mundial

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Nas primeiras edições do Fórum Social Mundial participamos como convidados, em debates pontuais. A partir de 2005 começamos a investir fortemente no Fórum, com nossas próprias atividades, as chamadas atividades “autogestionadas”. Passamos a jogar muito peso, a enviar grandes delegações, com cem, 150 pessoas quando o Fórum é no Brasil, e quinze, vinte pessoas, quando é fora. Temos apostado neste grande evento como um disseminador de ideias.
No último Fórum unificado, em Belém (2009), participamos com 120 dirigentes sindicais. Fizemos oficinas conjuntas com outras centrais, na Tenda do Mundo do Trabalho, e oficinas próprias. Em Dakar, em 2011, que foi uma edição descentralizada, também participamos com atividades próprias. Agora estamos planejando atividades para 2013, em Porto Alegre, em uma edição descentralizada também.
Em relação ao slogan “Um Outro Mundo é Possível”, defendemos que já construímos esse outro Mundo, e que temos de mudar o foco. No Mundo do Trabalho, por exemplo, precisamos compreender que nem toda reivindicação é universal. A redução da jornada para 40 horas semanais, que está tão em voga no Brasil, é uma reivindicação nacional, vinculada a certas contingências e circunstâncias locais, como o estágio de industrialização e de desenvolvimento do País.

Pautas universais

Em nível internacional destacam-se três temas importantíssimos. Um deles é o Trabalho Decente, que conseguimos trabalhar em nível mundial porque é uma orientação da OIT. É uma questão que estamos levando para a esfera internacional e que, no Brasil, está bem adiantado. Somos, inclusive, um “País-Piloto” na OIT para a aplicação da Agenda Mundial do Trabalho Decente.
A OIT deu um prazo (até 2015) para que os signatários dessa Convenção implementem em seus países a Agenda do Trabalho Decente.
Estamos trabalhando há mais de quatro anos, em uma comissão nacional, visando buscar os indicadores para medir se aplicamos essa agenda.
Em 2012, e isto já está aprovado, vamos realizar um Congresso Nacional da aplicação da agenda do trabalho decente.
Outro tema que também conseguimos colocar em nível internacional, no movimento sindical, é a questão da solidariedade efetiva. Houve terremoto no Japão (2)? Escrevemos uma cartinha de solidariedade. Mas só isto não adianta. Também incentivamos a solidariedade efetiva. É preciso enviar coisas concretas, materiais, uma ajuda financeira. Temos de ver como contribuir para que essa solidariedade seja realmente efetiva.
O terceiro tema universal é a unidade do movimento sindical. Temos trabalhado este tema, buscando consolidar espaço no Mercosul, que se constituiu com uma influência europeia. Na Europa os trabalhadores têm uma entidade, a Confederação Europeia de Sindicatos, que trata só das questões dos trabalhadores. No Mercosul estamos consolidando isto. Em 2013, provavelmente, haverá eleições próprias em cada região – hoje o Parlasul é ocupado pelos deputados da legislatura de cada país. O trabalhador tem o direito de eleger quem vai representá-lo, e nós vamos participar disso.

A unidade sindical orgânica e a unidade de ação

Há um debate internacional acerca de duas posições diferentes sobre as centrais sindicais: a unidade sindical orgânica e a unidade de ação.
Alguns defendem que a unidade só pode acontecer no âmbito da esfera orgânica, dentro de uma mesma entidade. Nós, da Força Sindical, estamos naquele campo que crê que a unidade não precisa ser orgânica, mas pode ser uma unidade de ação. Esta tese nos influenciou muito. E isto se tornou uma realidade que o Brasil está tentando exportar. Tentamos levar a atual experiência brasileira, que tem seis centrais sindicais com uma agenda comum, como exemplo para o resto do Mundo, principalmente para os países em que o movimento está muito fracionado, com quase quinze centrais.
Creio que desde 2004 (3) começou a ganhar força, no movimento sindical brasileiro, a tendência favorável à unidade de ação. A fusão orgânica que houve foi a da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) com a SDS (Social Democracia Sindical) e com a CAT (Central Autônoma de Trabalhadores), que formaram a UGT, em 2007, embaladas nessa fusão orgânica das entidades internacionais.
Não é fácil administrar e manter a unidade quando se juntam grupos diferentes, como o pessoal ligado à Igreja, o pessoal ligado à esquerda e o pessoal social-democrata. O grupo hegemônico sempre tenta prevalecer.
Haverá, em 2012, o Congresso da CSA, no qual colocaremos em debate a grande experiência dessa unidade orgânica internacional. Isto porque a unidade na formação da CSI e da CSA se dá também por acordos de transição. Em 2012, esses acordos serão rediscutidos para garantir uma nova representatividade, que pode não corresponder ao que foi costurado há anos.
A discussão não é mais sobe fusão. Já fundiu. O grande embate que vamos travar é sobre quem tem realmente representatividade para estar no comando. Já tem gente defendendo que, do primeiro para o segundo mandato, temos de, mais ou menos, manter as coisas como estão. Vamos ver se essa unidade de várias tendências vai ou não se consolidar. Vai ser um bom debate!

Notas da redação
(1) Entre 19 e 28 de abril de 2011, uma comitiva de 12 sindicalistas da Força Sindical visitou a China, a convite da Federação Nacional dos Sindicatos da China (FNSCh), participando de encontros sindicais nas cidades de Yinchuan, Shangai e Pequim, e do Fórum Internacional sobre Globalização Econômica e Sindicatos, “Transformando o padrão de crescimento econômico, trabalho decente e seguridade social”, em Pequim.
(2) Foi um terremoto com magnitude de 8,9 graus na escala Richter, que assolou a costa nordeste do Japão no dia 11 de março, e gerou um tsunami de dez metros, que arrastou cidades litorâneas próximas ao epicentro. Foi o maior tremor já registrado na história do país em 140 anos (desde que se iniciou o monitoramento dos dados).
(3) Em 2004 foi realizada a Marcha Nacional do Salário Mínimo, em Brasília, marcando o início das Marchas da Classe Trabalhadora, das quais participaram todas as centrais sindicais, selando a ação unitária. A 6ª Marcha, que foi a última, foi realizada em novembro de 2009.

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