José Ibrahin: “Não adianta, vai chegar o momento em que teremos que ir para o confronto com o governo”

11 dez 2018 . 16:00

O metalúrgico José Ibrahin teve uma vida dedicada ao movimento sindical brasileiro. Ele foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, em 1967, com apenas vinte anos de idade e, ao liderar a audaciosa greve dos metalúrgicos de Osasco, em julho de 1968, protagonizou uma importante etapa da história do sindicalismo. Com isso Ibrahin tornou-se um dos principais inimigos da ditadura militar. Mas, apesar da perseguição política que sofria, nunca desistiu da luta pelos trabalhadores. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores, da Força Sindical e da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Nos últimos anos trabalhou na UGT. Ibrahin morreu no dia 2 de maio de 2013, aos 66 anos de idade. Sindicalista, político, coerente e revolucionário como poucos. Neste depoimento, concedido ao Centro de Memória Sindical em 2012, o metalúrgico fala sobre sua militância no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco até a perseguição politica e o exilio após a greve.

Depoimento José Ibrahim

Por Carolina Maria Ruy e Maíra Estrella

História

Eu tive a felicidade de viver em uma época de muita efervescência, de um nível muito intenso de atividades nos planos da política e do movimento sindical. Foram anos em que a resistência começou a se organizar.

Comecei a trabalhar na Cobrasma em 1961. Naquela época eu já era secundarista, e o movimento estudantil em Osasco sempre foi muito articulado e politizado. Nós éramos muitos, trabalhávamos nas fábricas durante o dia e estudávamos à noite. Essa era a nossa vida.

Eu tinha quatorze anos, que era a idade que podia trabalhar. Assim era todo mundo, deu a idade de trabalhar… quer estudar? Estuda à noite…

Na minha escola a maioria era filho de operário. Fazíamos política estudantil e política dentro da fábrica.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco sempre teve muita tradição de luta.

Eu acompanhei a fundação do Sindicato e sua emancipação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, em 1963, porque eu era vizinho do Sindicato, no mesmo bairro.

Meu pai era dono de um boteco. Ele foi operário e quando se aposentou montou um boteco. Muita gente que frequentava o Sindicato ia ao boteco do meu pai. Por isso eu conhecia as pessoas.

Em Osasco, nesse período, anos 1960, havia um Partido Comunista forte, um PTB forte, o antigo Partido Trabalhista Brasileiro, que era o partido do Jango, do Brizola, do Almino Affonso, esse pessoal, e uma corrente da Igreja Católica Progressista.

Eu circulava entre todas essas correntes. Participava de reuniões com o pessoal que era base sindical do Partidão, participava da Frente Nacional do Trabalho, o pessoal da Igreja.

Quando tinha assembleia no Sindicato eu, sendo metalúrgico, associado ao Sindicato, faltava à aula para participar da assembleia.

Quando inaugurou a nossa sede na Rua Erasmo Braga, o Luís Carlos Prestes compareceu, e ele estava na semiclandestinidade. O Partido Comunista não era legal, mas havia uma democracia, havia um governo progressista, que era o governo do Jango, que segurava um pouco a repressão. O Prestes foi, fez um discurso e foi embora. Eu conheci o Prestes naquela época, em 1962. Eu também comecei a ler muita coisa. Era animado pela efervescência da época. Só que aí veio o golpe militar.

Golpe Militar

Quando veio o golpe eu era sócio do Sindicato e militava dentro da fábrica. Fazia trabalho de sindicalizar, que é o que a gente faz quando é da base. Sindicalizar, agitar, conversar com o pessoal que tem que ir para o Sindicato, essas coisas assim. Aí houve o golpe e o que acontece? O primeiro líder estudantil preso foi o Heleno, que era presidente da UEO, União dos Estudantes de Osasco, e trabalhava comigo na Cobrasma.

E o nosso Sindicato foi o primeiro a sofrer intervenção, invasão e prisão das lideranças. O Papão (Conrado Del Papa, primeiro presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, entre 1963 e 1964) foi preso. Todo mundo foi preso em 1964. Logo quando teve o golpe, “pumba!”. Fecharam o Sindicato, as organizações estudantis, a UNE, a UEO de Osasco, tudo. Estava tudo preparado. Porque Osasco também tem outra característica: tem quartel, né? É uma zona militar. Então, eles agiram rápido e pegaram as pessoas.

Com as principais lideranças presas ou na clandestinidade os militares montaram uma interventoria no Sindicato. Quem sobrou fomos nós. Então nós assumimos a tarefa de recuperar o Sindicato e lutar contra a ditadura. Os militares passaram o pente fino nas fábricas atrás das lideranças. Por isso só ficou o pessoal da base, como eu, que fazia o trabalho de “formiguinha”. Eu comecei na Cobrasma com quatorze anos, então em 1964 eu tinha dezessete. Aí começamos nos preparar para retomar o Sindicato, que estava sob intervenção.

Henos Amorina

Sentados: Henos Amorina, Luís Inácio Lula da Silva e Jacó Bittar, Greve no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo,1979. Foto: Iugo Koyama.

Como primeiro interventor eles nomearam uma pessoa de São Paulo. Não me ocorre o nome dele porque eu fiz questão também de não gravar (risos) (2). Depois de um ano ele montou uma diretoria sucessora com pessoas das fábricas. Mas era uma diretoria totalmente de confiança deles e do general Gaia, da antiga DRT (Delegacia Regional do Trabalho) de São Paulo, que era o representante do coronel Jarbas Passarinho, Ministro do Trabalho. Aí surgiu o Henos Amorina, eleito presidente do Sindicato em 1965.

A Frente Nacional do Trabalho tentou influenciar, tanto é que conseguiu botar duas pessoas, nessa diretoria, né? Mas, quem mandava era o Henos Amorina, que era o presidente do Sindicato, e o Roberto Unger, que era o tesoureiro.

O Henos e o Robertão eram peões de fábrica. O Henos era da Brown Boveri e o Roberto da Cobrasma.

Eles eram oposição aos grupos de esquerda. Diziam que o Sindicato era dominado por comunistas! Eles eram mais à direita. Tanto o Henos quanto o Roberto tinham uma formação conservadora, mas não eram, vamos dizer assim, pelegos, safados, nada disso.

Por exemplo, um pouco mais adiante, quando eu era presidente da comissão de fábrica da Cobrasma e discutia com eles, eles falavam: “Não sei como você pensa essas coisas porque tem uma lei e a lei é essa, a lei diz isso, e a gente tem que respeitar…”.Pô, mas essa lei é contra nós, entendeu? Nós temos que lutar contra isso e tal…”, eu retrucava. Ou seja, eles eram conservadores, mas pelo menos tinham essa abertura.

Ele foi presidente várias vezes. Na primeira vez ficou de 1965 a 1967. Naquela época o Sindicato basicamente fazia assistencialismo. Nós chamávamos de “imobilista” porque não mobilizava e aceitava a tabelinha do governo com a alegação que era a lei. Só que a Lei 4.725 dizia para conter salário e a Lei 4.330 tornava a greve caso de segurança nacional. Então, quer dizer, eles não pensavam em combater essa legislação.

Tinha a tabelinha do governo, definida pelos ministros Roberto Campos, depois pelo Mário Simonsen e depois pelo Delfim Neto, que indicava que o aumento salarial seria tanto, porque a inflação foi tanto. Claro que eles sabiam que sempre havia muito mais.

O Sindicato trabalhava para arrecadar. E só havia o assistencialismo. A gente tinha advogado, médico. Mas não mobilizava. Só havia um pouquinho de agitação quando tinha renovação do acordo salarial. Porque aí o Sindicato tem de fazer assembleia. Isso é obrigatório, tem de aprovar pauta. E sempre era a pauta do Joaquinzão (3), que tinha sido interventor em Guarulhos e depois veio para São Paulo.

Isto porque a data-base é a mesma até hoje. Os metalúrgicos de São Paulo, de Osasco e de Guarulhos tem a mesma data-base.

Comissão de Fábrica

Os trabalhadores sentiram o golpe e perderam a confiança no Sindicato. Tanto que quando havia assembleias só ia o pessoal que estava interessado na colônia de férias, no dentista, no advogado, aqueles que mais usavam os serviços do Sindicato.

A gente sabia que, naquele contexto, o Sindicato não iria mobilizar. O pessoal que podia fazer isso não estava frequentando o Sindicato. Então tínhamos de fazer alguma coisa para mudar. Tínhamos que organizar nas fábricas.

Em algumas fábricas tinha o nosso pessoal, o chamado “Grupo de Esquerda de Osasco”, o pessoal do Partidão e o pessoal da Igreja. Nós sempre procurávamos compor com essas forças. E todo mundo concordava, porque havia repressão nas fábricas, não podíamos nos expor, e o trabalho era feito praticamente na clandestinidade.

O trabalho de arregimentar e propor estar dentro da organização fazia a cabeça das pessoas. Tinha de tomar muito cuidado. A maioria das nossas reuniões era na Igreja ou em associação de bairros, porque não dava para ser no Sindicato. Ao mesmo tempo sabíamos que ter representação nas fábricas seria fundamental para poder ganhar a eleição no Sindicato, quando houvesse condições de disputar.

Era uma combinação. E outra coisa, mais política, nós, desse Grupo de Esquerda, tínhamos a seguinte avaliação: se fizermos o que pensamos em fazer, retomar o Sindicato, retomar a mobilização, dar vida política a esse Sindicato, não tem jeito, vai chegar o momento em que nós teremos de ir para o confronto com o governo. Porque os milicos deitavam e rolavam. A ditadura militar tinha uma política arbitrária. Nós tínhamos que estar preparados. Falávamos abertamente, entre nós, que nossa organização era fundamental para um inevitável confronto político. Quanto tempo ia durar essa ditadura? Não sabíamos.

Quando teve a eleição de 1967 as comissões de fábrica da Cobrasma já estavam legalizadas.

Na Braseixos, como era a própria composição de sócios que mandava na empresa, tinha a comissão, mas eles não aceitaram reconhecê-la.

Na Lonaflex, que era uma fábrica de freios de capital italiano, eles resistiram muito, mas uns seis meses antes da greve de 1968 aceitaram reconhecer. Veio um cara da Itália, que era acionista, e disse que isso não era problema, poderia até ser bom. Ele pediu para conversar com o pessoal. Eu fui conversar com ele e expliquei – com intérprete, né? – os objetivos da comissão. Logicamente eu disse que era para tornar o ambiente mais saudável dentro da fábrica, resolver os problemas internos e coisas assim.

Na Brown Boveri as comissões de fábrica nunca foram reconhecidas. Com aqueles caras não havia muito diálogo. Tínhamos um tremendo de um grupo dentro daquela fábrica, mas que se reunia fora. Para ter negociação a diretoria do Sindicato, o presidente, é que tinha que pressionar. E muitas vezes eu fiz negociação via DRT: “Ah, não quer conversar aqui, então vamos fazer oficialmente na DRT”. O general Gaia não gostava muito, mas era obrigado a notificar a empresa que o Sindicato estava pedindo uma mesa redonda.

Eleição de 1967

Nessa época as Cipas já eram obrigatórias, e claro que a gente disputava a eleição. Então tínhamos os cipeiros e, depois, as comissões.

Como a diretoria do Henos venceu em 1965 o mandato era de dois anos, se não acontecesse nada de mais, haveria eleição em 1967 e nós teríamos esse tempo para nos preparar. Em 1965 foi chapa única porque não havia condição de ter chapa da oposição. Não deu nem tempo, porque a gente estava ainda sob o efeito do golpe e da intervenção. Mas em 1967…

Eu tinha certeza de que se conseguíssemos fazer a composição, seria quase perfeito. Ganharíamos a eleição. Estava certo de que se fosse assim só perderíamos se houvesse fraude.

Em nosso programa para as eleições falávamos de liberdade sindical, de livre negociação, luta contra o arrocho salarial. Falávamos claramente: “Isso aí é arrocho salarial! Temos que lutar contra isso! Temos que mudar essa legislação!”.

Nenhum outro sindicato falava isso na época. Só as oposições sindicais falavam. Não havia nenhum outro sindicato com essa coisa de combate. Mesmo os Sindicatos dos Bancários,  dos Gráficos, dos Têxteis, que tinham gente do Partidão no comando, seguiam a orientação de não provocar a ditadura. Porque eles achavam que isso era provocação.

Mas no final de 1967 muitos avançaram nesse sentido. De tanto a gente martelar chegou o momento em que sentou todo mundo à mesa, os maiores sindicatos, para montar o MIA, Movimento Intersindical Anti-Arrocho. Isso aí já foi no final de 1967. Eu já estava eleito.

E esse movimento terminou no Maio de 1968, com aquela confusão toda que fizemos aqui na Praça da Sé. Na verdade, em nossas conversas um dos objetivos era organizar esse 1º de Maio, depois nós iríamos ver como é que continuava. Mas aí virou aquela pancadaria total.

Voltando para a eleição, o pessoal da direção do Partidão me chamou para uma reunião em um escritório deles na Praça João Mendes. Eles queriam propor uma composição com o Henos, na qual ele daria dois cargos importantes para o pessoal do PCB e eu seria o secretário-geral do Sindicato. A tesouraria e acho que uma vice-presidência iria para o Partidão, e a Igreja ficaria de fora. Nesta reunião participou o Hércules Correa e o Tenorinho.

Eu falei que em princípio não aceitava, mas que me submeteria ao grupo, porque não trabalho sozinho. Meu pessoal, no entanto, achou que nós tínhamos total condições de ganhar a eleição sem essa composição.

Eu defendia rachar o Partidão, porque eu já sabia a posição de muitos companheiros, inclusive do Manoel Dias do Nascimento, que, na época, não tinha ainda rompido com o PC. Ganhar alguns companheiros e fazer composição com o pessoal da igreja.

Fora o Osvaldo Leal, que era mecânico de manutenção na Cobrasma e tinha quase cinquenta anos, era tudo gente muito nova. E tinha o… o Pedro Paraíba, que era da… da Lonaflex, que era gente ligada ao Partidão, né? Pedro Paraíba, não, Zé Paraíba. É… e que eu achava o seguinte, o Partidão aqui… entendeu? A não ser esses quadros, que são, né, que representam, que tem liderança e tal, fora disso o Partidão… né? Não nos interessa, né?

A estratégia do Partidão era se infiltrar nos sindicatos. Eles achavam que sozinhos nós perderíamos a eleição. Não acreditavam na representação que tínhamos dentro das fábricas.

E eu afirmava que teria o apoio da Cobrasma quase inteira, que era a maior fábrica e a que tinha mais sócios. E que o Neto, Manoel Dias do Nascimento, carregaria quase toda a Cimaf. A Braseixos ficaria por conta da Igreja, que tinha força lá dentro. A Brown Boveri e a Lonaflex ficariam divididas. O Henos era da Brown Boveri. Ali ele tinha o conhecimento. Era o cara que dirigia o Clube do Futebol, entendeu? Essas coisas assim… E havia as fábricas pequenas, cada uma com dez sócios, quinze sócios, vinte sócios, às quais não tínhamos acesso porque a gente trabalhava o dia todo.

O cálculo que eu e meus companheiros fazíamos mostrava que nós tínhamos possibilidade de ganhar a eleição sem precisar compor com a situação. Era a oportunidade de tirar aqueles caras e de entrar no Sindicato. Afinal, de que adianta compor, sendo que a cabeça está com os conservadores? Alguns caras como o João Joaquim e o Pedro Quintino, diziam que seria a união de São José com a foice e o martelo…(risos) Eles ajudaram muito em todo esse processo.

A hora era aquela. Fizemos então a chapa compondo fundamentalmente com o pessoal da Igreja, Frente Nacional do Trabalho. Era o pessoal da Ação Católica, da JOC, da CO, que são Católico-Operária, e alguns padres operários. Osasco tinha muito padre operário.

Assim nós ganhamos a eleição. Para ganhar no primeiro escrutínio, para ter maioria absoluta, faltaram sessenta votos. E aí eu falei: “Pronto, por causa de sessenta votos vai ter segundo turno!”. Mas na hora que terminou a apuração o Henos pediu a palavra e retirou sua candidatura. Abriu mão. Ele alegou que não adiantava ter segundo turno, porque esse quadro não ia mudar. Que o segundo turno só iria dar trabalho e gasto para o Sindicato.

E nós aceitamos a vitória. Não foi uma surpresa. A ansiedade que tínhamos era se eles iriam fraudar ou não. Mas estávamos preparados, não ia ser fácil. A não ser que eles fizessem alguma coisa que a gente não percebesse, mas de resto nós ficamos em cima, dia e noite.

E quando foram abertas as urnas da Cobrasma ganhamos de lavada, e se eles tivessem que fraudar, teriam que fraudar a Cobrasma. Eles tiveram mais votos, que nós na Brown Boveri, mas não tanto, foi algo em torno de 60% a 40%. Na Cobrasma nós tivemos 99%. Só a chefia não votou em nós.

Presidência do Sindicato

Ganhamos a eleição e procuramos reorganizar as coisas dentro do Sindicato. Tínhamos presença constante nas portas de fábricas. Em nossa primeira reunião como diretoria estabelecemos um rodízio para o desligamento da produção de modo que cada diretor ficaria um ano só no Sindicato e um ano na fábrica. Isso foi registrado em ata. Não é justo? Não tínhamos que ficar o tempo todo fora da fábrica. Eu ficaria o primeiro ano, depois voltaria para a fábrica. Só que não houve a oportunidade de fazer isso porque antes de completar um ano já fomos caçados.

Foi um momento de muita discussão e debate político lá em Osasco. A gente chegava a reunir duzentas, trezentas pessoas, que era o pessoal de militância das fábricas. O equivalente aos delegados sindicais de hoje.

Preparando a greve

Desde o início a minha opinião era que nós tínhamos de fazer a greve. Mas logo depois do ato que fizemos no dia 1º de Maio de 1968 o governo pressionou a diretoria do Sindicato para que eu fosse substituído sob a ameaça de nova intervenção. Claro que a minha diretoria não cedeu às pressões e assumiu uma postura de que se tivessem que nos caçar, caçariam todo mundo.

Um monte de gente nos ajudou. O Joaquinzão, que era do Sindicato de São Paulo, foi um deles. Ajudou a pressionar o governo a não fazer esse tipo de intervenção em Osasco. E eu mantive minha posição de que o momento da greve era aquele. Isto porque se não fizéssemos a greve o governo iria nos cassar de qualquer jeito, sem a gente ter feito nada. E o arrocho corria solto. Muito desemprego. Nosso pessoal estava todo pendurado. Os patrões já estavam começando a mandar todo mundo embora. Perseguição política. Botavam pessoas da polícia infiltradas dentro das fábricas para ver quem era quem.

Isto por causa da mobilização que nós fizemos no 1º de Maio. Eu estava sacando aquela situação e percebi que eles iam nos pegar de qualquer jeito. Então tínhamos que marcar posição. Na minha diretoria o pessoal dizia que tínhamos que acumular mais força, porque tinha custado muito para retomar o Sindicato. Mas eu não tinha a ilusão de que teríamos vida longa lá dentro.

Como eu perdi na diretoria, chamei uma plenária dos grupos de fábrica para defender a posição. O pessoal da Igreja e dois do antigo Partidão foram contra, mas a minha posição ganhou. Diretoria contra e a base a favor. E agora? Convocar uma assembleia geral para resolver isso? Porque a assembleia é soberana! Se a gente fizesse uma assembleia para decidir sobre a greve, no dia seguinte estaríamos cassados. Assim eu os provoquei. E a diretoria assumiu: se é para fazer, vamos fazer! E olha, todo o pessoal que era contra, quando nós decidimos isso ficaram na linha de frente para fazer greve! Não teve vacilo. Não teve nenhuma exceção. Todo mundo aderiu.

A greve de Contagem já tinha acontecido em abril daquele ano. Eles foram reprimidos, mas depois o governo fez acordo. Saiu um abono de 10%.

Organizamos a greve aí era só marcar a data. Marcamos para 16 de junho. Mas nem todas poderiam começar no primeiro dia para não assustar. Decidimos parar devagar para que em uma semana estivesse tudo parado e nós fôssemos para o Jaguaré e para outras bases de São Paulo. Essa era a ideia, parar o máximo de fábricas possível. Nos articulamos com todas as oposições sindicais. Fui para a Baixada Santista. Fui para Minas Gerais conversar com o pessoal que tinha feito a greve de Contagem. Fui para o Rio de Janeiro, onde conversei com o pessoal da Estiva e dos Metalúrgicos do Rio. Fizemos toda essa grande articulação e todo mundo dizia: “Bem, se vocês fizerem nós fazemos (a greve)”. Todo mundo prometeu aderir. Só que as coisas não saíram bem como planejamos.

A greve

No dia 16 de junho de 1968 ocupamos a Cobrasma e a Lonaflex, porque nas duas havia comissão de fábrica legalizada. E a ideia era no dia seguinte parar a Brown Boveri e a Braseixos. Isso aí funcionou bem, como nós organizamos. Só que pelos meus cálculos o governo não ia reprimir logo de cara. Eu pensei que eles iam buscar uma negociação.

Quando pararam a Cobrasma, logo de manhã, e a Lonaflex, na troca de turno das duas horas da tarde, o governo entrou em contato comigo. Eu disse que estávamos querendo negociar e que o Sindicato estava solidário com a greve. Não podíamos dizer que o Sindicato é que havia organizado a greve. Embora eles soubessem disso eu não podia declarar.

Então, como presidente, falei que o Sindicato estava solidário, que conhecíamos as reivindicações e que queríamos intermediar a negociação. O pessoal do Jarbas Passarinho disse que eles estavam enviando uma comissão para conversar e perguntou se aceitávamos a presença da Federação dos Metalúrgicos nesta conversa. Eu falei que sim, que poderia vir o Argeu, poderia vir quem quiser. Assim eu fui à Cobrasma, entrei em contato com o pessoal que estava na Lonaflex e disse que viria uma comissão do governo negociar.

Mas quando anoiteceu eles cercaram tudo! Cercaram o Sindicato e as empresas que estavam ocupadas. Isso tudo em um dia. Eles esperaram anoitecer e invadiram a Cobrasma e a Lonaflex.

Na Cobrasma eles prenderam umas seiscentas pessoas! Teve pau, teve confronto, gente ferida dos dois lados. Lá na Lonaflex, onde o Neto encabeçava o movimento, eles negociaram com o major que comandava a tropa de choque para todo mundo sair. Na Lonaflex saiu todo mundo organizado em bloco. Eles andaram mais de meia hora, depois cada um se dispersou para um lado.

Naquele momento não conseguimos nenhuma reivindicação. Não tinha mais diálogo. Mas a greve continuou. No dia seguinte parou a Brown Boveri e os trabalhadores foram para o Sindicato. Depois o pessoal da Braseixos foi também. Foram também mais três ou quatro fábricas menores, de porte médio. Todo mundo foi parando e iam para o Sindicato. Vários deputados de Brasília também foram para o nosso Sindicato. Foi uma repercussão fantástica. E essa situação durou mais de uma semana.

Brasil, Osasco, SP, 16/07/1968. Policiais com caminhão Brucutu, na frente da indústria Lonaflex, em Osasco, monitoram o portão da empresa onde metalúrgicos grevistas fazem protesto, mantendo colegas que não aderiram à greve trancados do lado de dentro da fábrica. Pasta: 46.600 – Crédito:ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Codigo imagem:109244

Na clandestinidade

Eu e boa parte da minha diretoria já estávamos na clandestinidade. A polícia já tinha invadido nossas casas. Então, a Igreja entrou. Eu tive de ir embora para São Paulo. A VPR tinha alugado um aparelho para eu e o Zequinha Barreto não sairmos de Osasco. Mas acontece que o Barreto foi preso dentro da Cobrasma e, como norma de segurança, se o cara estava preso eu também não poderia ir para o aparelho.

Lembro que, nessa de buscar para onde ir, teve um dia em que eu estava com o meu irmão, que era metalúrgico também, trabalhava na Ford, e falei: “Meu irmão, agora vou ter que ver o que fazer, mas primeiro preciso tomar uma cachaça para me acalmar (risos). Depois vejo o que vou fazer”. Por coincidência um jornalista conhecido meu, que já tinha me entrevistado e que era um cara de esquerda, me viu e perguntou: “O que você está fazendo aqui?”. Eu disse: “Rapaz, preciso sair daqui”. Ele estava com um daqueles fusquinhas, tipo baratinha, do Jornal da Tarde, e eu fui com ele. Passamos por uns três bloqueios do Exército, que estava em todas as saídas de Osasco. Eu fui abaixado no carro. Meu irmão queria ir comigo. Mas eu não permiti de jeito nenhum. Assegurei a ele que aquele jornalista me tiraria dali. E ele me levou para a casa dele, onde eu passei a noite. No dia seguinte sai atrás de alguns contatos da VPR e encontrei. Fiquei então por conta da VPR.

Mas, mesmo na clandestinidade, eu voltei várias vezes para o Sindicato de Osasco, para a porta de fábrica, para fazer discurso, falar para o pessoal que a luta continuava. Que nós tínhamos perdido o Sindicato, mas nós íamos retomá-lo.

O fato é que naquela data, 1968, fui caçado com toda a diretoria. Uma grande parte foi para a VPR. Fui preso em 1969 e, no mesmo ano, fui um dos quinze presos políticos trocados pelo embaixador americano (4). O Barreto foi assassinado junto com o Carlos Lamarca, lá na Bahia, em 1971.  O João Domingos, irmão do Roque Aparecido, também foi assassinado em tiroteio, em São Paulo. Gente nossa. O Roque foi preso, eu fui preso, o Spinoza foi preso.

Logo depois da greve nomearam um interventor federal para a Presidência do Sindicato. Depois voltaram o Henos Amorina e o Roberto Unger, aquele pessoal que nós tínhamos derrotado. Dez anos depois, quando eu voltei do exílio, o Henos alugou alguns ônibus para levar o pessoal de Osasco para me recepcionar. E ele ainda era presidente do Sindicato. Ele ficou vários mandatos até 1981, quando entrou o Antônio Toschi. Mas quando eu cheguei do exílio, em 1979, eles me esperaram no aeroporto.

Aquela greve foi um marco histórico. A nossa experiência, a organização pela base, a mobilização e a luta pelo direito de greve serviram de referência para toda a luta de resistência dos trabalhadores que veio depois. E isso veio à tona dez anos depois da greve, com as greves no ABC. Mas a semente estava lá.

Claro que, quando fizemos a greve em Osasco, já tínhamos a experiência de lutas anteriores. Isto vem de longe. Teve aquela histórica greve geral de 1917 em São Paulo. E aqueles sindicalistas também devem ter se baseado em algum exemplo. Não fomos nós quem começamos, não foi o ABC quem começou. Não foram os sindicalistas de 1917, porque já havia um acúmulo de lutas.

Mas eu sempre digo que Osasco serviu de referência, foi um marco, foi um grande exemplo. Tanto que, a partir daquela greve, todo mundo pixava nos muros: “Osasco é o exemplo”.

Notas

  • O sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher ocorreu em 7 de dezembro de 1970. Em troca da vida do embaixador suíço, a VPR exigiu do governo a libertação de setenta presos políticos. Como adendo, exigiam o congelamento geral dos preços por noventa dias e a liberação das roletas nas estações de trem do Rio de Janeiro. Na época, foi o mais alto preço cobrado pela libertação de um diplomata sequestrado.
  • O primeiro interventor foi Luiz Camargo.
  • Joaquim dos Santos Andrade, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo entre 1965 e 1987.
  • Em setembro de 1969 o embaixador americano Charles Burke Elbrick foi sequestrado por membros das organizações de extrema-esquerda Dissidência Comunista da Guanabara – com o nome de MR-8. Em troca eles pediram a libertação de quinze presos políticos. Este foi o primeiro de uma série de sequestros que a guerrilha promoveu como forma de negociar a libertação de líderes políticos de esquerda com a ditadura. O episódio é relatado no documentário Hércules 56 (Sílvio Da-Rin, 2007).

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