Transcrição da entrevista com Joaquim dos Santos Andrade no Roda Viva

14 set 2017 . 15:54

Rodolfo Gamberini (Roda Viva)  – Boa noite, está começando desse momento mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo, sendo transmitido simultaneamente pela Rádio Cultura AM, em São Paulo. Esta noite no centro está Joaquim dos Santos Andrade, o presidente da Central Geral dos Trabalhadores, a CGT. Para participar deste programa, estão aqui conosco Dácio Nitrini, jornalista da Folha de S. Paulo, Roberto Camargo, também da Folha de São Paulo, Rick Turner, do jornal inglês The Economist, Jorge Abdush, do jornal O Estado de S. Paulo, Júlio Lobos, consultor de empresas, Sônia Carvalho, do Jornal do Brasil, Melquíades Cunha Jr, da Revista Afinal e Jorge Escosteguy, da revista Isto É. Lembro aos telespectadores de São Paulo, que podem fazer qualquer pergunta pelo telefone. Joaquim, para começarmos a nossa conversa, gostaria de saber como é que o senhor está vendo essa onda de demissões que está se generalizando no estado de São Paulo, mas principalmente na indústria brasileira. Como é que o senhor vai lidar com esse dado?

Joaquim – Como se vai lidar, podemos até responder mais tarde. A causa dessas dispensas já não é surpresa, uma vez que iniciaram já no começo do ano. Quando as contas baixaram, a atividade comercial também e as dispensas começaram no comércio. Agora, as demissões se aprofundam. Espera-se que se aprofundem infelizmente mais, porque as medidas econômicas tomadas recentemente pelo governo, através do Plano Cruzado e Plano Bresser, tendem a aprofundar essa recessão, reduzindo salários. Está embutido neste decreto um dos arrochos salarias mais profundos que a História do Brasil vai registrar. A partir do momento que se empobrece o mercado interno e se reduz o poder de compra, as empresas já estão dispensando e outras dando férias coletivas. Essas dispensas ocorrerão mais profundamente a partir dos próximos 10 dias, com o retorno do pessoal que está em férias.

Rodolfo – Eu perguntei como é que o senhor vai lidar com esse dado, que é novo para o movimento sindical. Pensamos que com demissões é mais fácil fazer greve ou é mais difícil? O trabalhador fica com medo, por causa das demissões ou fica mais motivado…O que isso muda dentro do sindicalismo?

Joaquim – Há vários tipos de greve. Evidentemente, para ser deflagrada agora, é provável que aconteça na primeira quinzena de agosto. Será um dia nacional de protesto. A greve, entendo que é a suspensão da atividade produtiva, dentro de uma empresa, por entre dias, precedida por uma negociação. Como habitualmente, os Metalúrgicos de São Paulo, a categoria com quem mais lidei, durante vinte e dois anos. Após esgotadas as possibilidades, íamos a greve. Mas com reivindicações, quase sempre salariais, e por vezes englobando algumas por conta das condições e das relações de trabalho. Mas o que precede é sempre salarial. Agora não é o momento de se fazer greve por empresa, prolongada. Tenho até a impressão que se nós fizéssemos, por exemplo, numa empresa de fogões, a empresa estaria até dando presente para aquele que fizer uma greve de 12 dias. Elas estão com os parques abarrotados, uma vez que a sua produção não é totalmente absorvida pela exportação. As empresas automobilísticas de pudessem suprimir as férias coletivas para uma greve, aceitariam, porque elas estão com os parques abarrotados. E dentro do pacote impresso, tem um mecanismo, que foi a desvalorização da moeda, no sentido de facilitar as exportações. Então, existe toda a fórmula do Fundo Monetário Internacional. Vejamos: reduz e controla salários, receita do Fundo Monetário Internacional. Elimina subsídios, desvalorização da moeda, redução do consumo interno, também. Temos por aí que o Fundo veio ao Brasil não apenas para monitorar, mas para impor regras no jogo. Estão colocadas através do Plano Bresser, que levará o país à recessão, eu não tenho dúvida nenhuma. Não apenas o movimento sindical, mas empresários, micro empresários, que emprestou dinheiro com o Plano Cruzado 1 e agora é obrigado a vender ou a dar a sua empresa para o banco e esse não quer aceitar, quer um valor maior do que vale a empresa, em alguns casos. Vamos ter um início das concordatas preventivas e  falências, do quebra-quebra das empresas, a exemplo do que aconteceu com a recessão econômica que o fundo do poço em 1983.

Júlio Lobos Gostaria de retornar a pergunta anterior. Em Manaus, na semana passada, 50% dos trabalhadores do distrito industrial, foram conduzidos às férias coletivas. E os empregadores colocaram a seguinte proposta: nós poderemos mantê-los trabalhando desde que vocês aceitem reduzir a jornada de trabalho e também o salário. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus, respondeu que aquela proposta era indecorosa. Ele não disse qual seria a alternativa. O senhor está parecendo-me a entender que aquela proposta era indecorosa, então?

Joaquim – A proposta é indecorosa e inaceitável. Revela, acima de tudo, o descaso e o descaro com que alguns empresários veem a recessão econômica. Já tivemos períodos áureos de produção, como, por exemplo, o famoso milagre brasileiro, em 1974, quando Delfim Neto nos prometeu que o bolo deveria crescer para depois repartir. E nós não repartimos. Eu costumo parodiar o Lupicínio Rodrigues, um dos maiores sambistas brasileiros, que fez um samba dizendo que nós não merecemos as migalhas que caem da sua mesa. Nem as migalhas da partilha do bolo nós pegamos. Este era o momento de distribuir riquezas, lucros, desconcentrar renda. Nós tivemos, no ano passado, um período de alta produção e rentabilidade para as empresas. Quando elas tem lucro, não distribuem. Porque havíamos de nós trabalhadores aceitarmos a distribuição dos prejuízos?

Júlio Lobos – Mas esse líder sindical, que não é de uma central conhecida, provavelmente não está pensando necessariamente na greve geral como um mecanismo de luta, o que ele pode responder?

Joaquim – A primeira coisa que deve se ouvir é os trabalhadores. Reunir e discutir. Não aceito essa possibilidade, de decisão da greve da cúpula para a base. Ela tem que sair da base para a cúpula. E é exatamente o que a CGT faz nesse momento, realizando plenárias intersindicais em todos os estados da federação, para fazer essa consulta. Vamos realizar uma plenária nacional no próximo dia 20, em Brasília. Ocasião em que entrarão o resultado dessa pesquisa. Então vamos definir. Acho que os trabalhadores é quem devem decidir. Mas é uma situação difícil, aceitar a redução da jornada de trabalho, com a redução do seu salário, que já é pequeno e insignificante para viver. Essas mesmas empresas não distribuíram os lucros, quase sempre multinacionais, que não tem compromisso com a nação brasileira, já que os seus lucros estão programados no exterior. Aproveitam para transferir o risco do empreendimento para o empregado, ao invés de assumi-lo. Se nós vivemos num país capitalista, não se admite que se transpasse para os trabalhadores a responsabilidade e o risco do empreendimento, que é a lógica do mundo capitalista.

Jorge Escosteguy – Você falou agora que as bases estão se reunindo para decidir o que fazer, já mencionou como um dia nacional de protesto. Porque nestes últimos anos a classe trabalhadora não conseguiu fazer uma greve geral no Brasil? Desde 1983, houve uma divisão entre CUT e a atual CGT, quanto àquela greve do dia 29 de junho. A CUT chamava de greve geral e vocês de Dia Nacional de Protesto. Isso significa uma certa fraqueza das lideranças sindicais?  

Joaquim – Às vezes é precipitação na marcação do dia da greve de cima para baixo. Fizemos uma greve geral no dia 12 de dezembro de 1986, por repúdio ao pacote Cruzado 2, que foi o descongelamento. Foi um presente de grego dado a nós após as eleições de 15 de novembro. Houve alguns erros, que tanto CUT, quanto CGT, estejam interessados em corrigi-los. Errar é humano, insistir no erro é burrice…

Jorge Escosteguy – Que erro?

Joaquim – É um tempo material insuficiente para a consulta e decisão das bases. Estávamos praticamente em fim de novembro, quando marcamos a greve para o dia 12 de dezembro. A CGT havia se reunido e decidido que devia ser deflagrada na segunda quinzena de janeiro, que seriam passadas as festas natalinas. Esperávamos que tudo isso passasse para iniciar um processo de mobilização das massas a partir do dia 6 de janeiro. Entretanto, houve manifestações ruidosas e até violentas, no caso específico de Brasília. Os trabalhadores entenderam que se corresse assim poderiam ocorrer outras com mais violência. Então, resolveu-se antecipar a greve para o dia 12 de dezembro, antes do Natal. Entre esta decisão e a deflagração da greve tivemos um lapso muito exíguo, para essa consulta nacional. Os mecanismos de comunicação que as entidades nacionais têm, pelo menos é um pecado da CGT, não são espertos e rápidos, no sentido dessa consulta. Tinha que realizar plenárias, e não foram realizadas. Chegou-se à conclusão, de que decretamos a greve de cima para baixo. Em alguns estados do Norte e Nordeste, tivemos percentuais de paralização muito mais significativas do que em São Paulo e em outros centros urbanos. O Nordeste deu uma lição de organização. Estamos pretendendo corrigir esses defeitos. E, estamos consultando a base, para que no próximo dia 20, se manifeste. E se disserem que não querem a greve, não são os diretores da CGT que vão obrigar os trabalhadores a fazer. Temos um indicativo, a greve poderá dar a impressão de que é sem início e sem fim, com N dias paralisados. De forma que estamos definindo um dia de greve e protesto. Esse dia estamos indicando para a primeira quinzena de agosto. Se essa plenária decidir que vai haver greve, nós vamos procurar num Fórum Intersindical, no próximo dia 21 em Brasília, onde estarão as confederações e as três centrais, e, sim, marcar o dia da greve.

Sônia Carvalho – Essa nova greve, é contra o que? É contra o arrocho salarial, o Plano Bresser, o governo Sarney? A CUT quer incluir nessa greve a bandeira das Diretas-Já. A CGT encampa?

Joaquim – Na discussão que nós tivemos com as federações de São Paulo, uma reunião que precedeu a plenária que nós realizamos agora dia 1º, no Sindicato dos Eletricitários, nós houvemos por bem não colocar esse problema, porque não é consensual…

Sônia – Embora dentro da CGT haja quem defenda?

Joaquim – A CGT não definiu a sua postura em nível nacional pelas Diretas-Já. Pessoalmente eu tenho dado a minha opinião. Acho que eleições diretas já, não é bem assim. Precisamos pensar um pouco mais maduramente no que são as eleições diretas. Nós tivemos uma no dia 15 de novembro de 1986, e já estamos nos arrependendo de quem elegemos naquela ocasião.

Melquíades Cunha Jr – Você mencionou a pouco, sobre as eleições de 1986, e depois o governo veio com um presente de grego. Você votou em quem? Que partido?

Joaquim – Não apenas votei, trabalhei, fui às portas das fábricas, na campanha por Orestes Quércia.

 Melquíades – O senhor é do PMDB?

Joaquim – Sou do PMDB.

Melquíades – O senhor, como pemedebista, tem críticas duras a fazer ao seu partido?

Joaquim – Tenho, como qualquer cidadão filiado a qualquer partido. Uma das coisas que nós temos que cobrar, não apenas do PMDB, mas dos partidos políticos, é uma postura mais clara e transparente, com relação aos macro problemas que o Brasil atravessa.

Melquíades – E o senhor, nesse espectro que é o PMDB, diria qual corrente que se afina mais? Com essa chamada esquerda que esteve reunida esse fim de semana em Brasília?

Joaquim – Sempre detestamos os esquerdismos violentos, fruto quase sempre nos países que emergem de uma ditadura muito grande, caso específico de Portugal e Espanha. Isso nos leva a retrocessos. Diria que me filio na linha esquerda do meu partido, que quer transformar a nova Constituição em um instrumento progressista.

Melquíades – Quais os líderes dessa área que o senhor considera dignos do seu apoio?

Joaquim – Considero dentro do PMBD excelentes líderes. Como suplente do Mário Covas, o cito como uma bandeira nacional, um nome sobre o qual não paira nenhuma dúvida. Ficaria com aqueles que pretendem dar a nova Constituição uma fisionomia duradoura, e sobretudo avançada, inserindo de forma transparente os anseios da população brasileira. O partido tem que ser o porta voz dessas aspirações populares.

Rodolfo – A estabilidade, por exemplo, Joaquim? A redução da jornada de trabalho e a estabilidade?

Joaquim – Defendo até o último instante a estabilidade no emprego e a redução da jornada para 40 horas semanais. Não vejo porque tanta resistência à redução da jornada de trabalho. As categorias profissionais mais combativas já tem inserido na sua convenção coletiva a redução para 44 horas semanais. Precisamos fazer com que as regiões onde o movimento sindical não tem esse tipo de organização, que nós possamos nivelar, a jornada de trabalho, no sentido de criarmos oportunidades para que sejam alocados a locais de trabalho que integrem a força produtiva milhares de brasileiros que estão sem emprego.

Rodolfo – Eu gostaria que você respondesse por favor uma pergunta do ex-Ministro da Indústria e Comércio, Camilo Pena, que é sobre essa questão da estabilidade.

Camilo – Como é que o senhor encara a proposta de estabilidade no exercício de constituição que acabou de ser publicado pela Comissão de Sistematização?

Joaquim – Eu acho que sua excelência, o ex-Ministro Camilo Pena já viu hoje pela manhã, num debate no Hotel Sheraton Mofarrej, a nossa postura com relação a estabilidade. Aqueles que se negam a admitir a estabilidade, o fazem através de argumentos muito frágeis, de que a estabilidade inviabilizaria o progresso. Ora, não precisa ter a memória muito longa, a ponto de ignorar que a estabilidade é um instrumento de segurança dos trabalhadores, que existiu desde que eu me conheço por gente. Comecei a trabalhar em 1944, até 1967. Nesse período que nós brasileiros realizamos a grande revolução industrial, que aconteceu nesse país no pós-guerra.

Rodolfo – O senhor citou um argumento na sua opinião frágil. Um outro argumento é que a estabilidade aos três meses, como disse o Melquíades, é um projeto que está na Constituinte. Ele aceleraria um processo de demissões, ou os patrões prefeririam demitir os empregados antes dos três meses, para nunca deixar nenhum empregado estável, e fariam na rotatividade o ganho sobre o salário. Como é que você vê esse argumento? Esse é um argumento dos patrões?

Joaquim – A sua pergunta já nos dá razão, porque os empresários já admitem a rotatividade, e o fazem de forma muito descarada…

Rodolfo – Dizem até que justamente a estabilidade aos três meses aceleraria a rotatividade…

Joaquim – Acho que os custos de preparação para determinadas profissões e locais de trabalho, se tornaria inviável. Mas a mão de obra não qualificada, já está sofrendo uma rotatividade. A partir do momento que a recessão jogue na praça um percentual de trabalhadores, em termos de mão de obra ociosa, o empresário se encarrega da segunda parte, que é o a rotatividade. É mandar um torneiro que está desempregado vir para a fábrica me substituir. Eu ganho dezessete, ele vai trabalhar por treze.

Melquíades – Mas é interesse da empresa mandar embora um bom funcionário?

Joaquim – Manda.  Manda embora. Porque ela tem a possibilidade de no processo de seleção, quando a mão de obra se torna abundante, pegar outros excelentes profissionais, que também foram dispensados pela mesma razão.

Melquíades – Você já foi meu patrão, sabia?

Joaquim – Não me lembro aonde. (risos)

Melquíades – Pois é, eu já fui advogado do seu sindicato em 1976. Advogado trabalhista do seu sindicato. Lembro-me que naquela época estavam começando os processos do pessoal. Havia a lei que do Fundo de Garantia, então tinha um excesso muito grande de reclamações trabalhistas. O pessoal que estava a beira de adquirir estabilidade, estava sendo demitido. Você se lembra muito bem como foi aquela época…

Joaquim – Você diz nas empresas, não no sindicato?

Melquíades – Não, não. (risos) Mas eu queria falar francamente. Vamos pegar o exemplo da União Soviética. Lá, você sabe que existe um excesso de mão de obra, porque os empregados não têm incentivo e não são cobrados. Tem uma garantia de emprego. Está havendo até uma reformulação, o Gorbachov está querendo alterar, para fazer as empresas mais competitivas e produzirem mais. Você colocar a estabilidade para os empregados com três meses de trabalho, em que ele nem pode comprovar ainda a sua eficiência, e tampouco aprendeu o seu ofício, você não acha que poderia estar incentivando o mau trabalhador?

Jorge Abduch – Posso acrescentar alguma coisa? E em termos de trabalhos sazonais e não continuados, como é que você concilia estabilidade com esse tipo de atividade?   

Joaquim – Meu prezado amigo Jorge, os empresários brasileiros, durante o período de Ditadura Militar no Brasil, sempre tiveram um respaldo muito grande, porque o governo dirigia a economia, de forma incompetente. Hoje, se atira sobre o atual governo todas as mazelas que existem. Não acho isso justo. Não morro de amores pela Nova República. Mas acho profundamente injusto. Lembro-me, quando o Tancredo Neves se elegia Presidente da República pelo Colégio Eleitoral, eu via sorrisos em Brasília, largos de contentamento. E eu também me achava contente porque naquele momento superávamos o período de autoritarismo e entrávamos na transição democrática. Mas perguntava-me se aquela alegria não se poderia transformar, daí a uns dias, em desilusão. Porque o governo herdava um espólio maldito. Uma dívida externa impagável. Uma dívida interna enorme, que não foi feita por Tancredo ou por Sarney. Uma dívida social acumulada através de várias décadas. E sobretudo taxas de desemprego, quando do início do governo, muito altas. Esses problemas permanecem até hoje. Os empresários, durante o período de Ditadura, com todos os desmandos, forma privilegiados. O governo privilegiava o econômico em detrimento do social. Haja vista a concentração de renda que aconteceu neste país. Não apenas regionais. Em nenhum momento, principalmente o Delfim Neto, quando tivemos o Milagre Brasileiro, em 1983, contrastava com as maiores taxas de crescimento, as menores taxas de reajustamento salarial. Inclusive fajutadas, como nós dizemos na nossa gíria, com reduções propositais. Tanto assim que o Sindicato dos Metalúrgicos abriu um processo contra a União e ganhou. Não vamos receber nunca.

Melquíades – Você está colocando temas muito interessantes, mas vamos tentar ver se você responde aquela pergunta que eu e o Jorge colocamos, sobre a estabilidade.

Joaquim – A estabilidade levará por certo, e eu vou um pouco mais além. Na minha Convenção Coletiva de Trabalho, não seria ainda a estabilidade. Se não sair na Constituição, vamos inseri-la, nem que para isso nós tenhamos que fazer a maior greve da história.

Melquíades – Estabilidade com três meses?

Joaquim – É só termos oportunidade para isso. Não posso fazer greve contra o complexo automobilístico agora, com o parque lotado. Mas vamos aguardar o momento. O que eu me refiro é o seguinte: a estabilidade tem que ser uma conquista. Se não vier na Constituição, virá posteriormente.

Rodolfo – Uma pergunta do telespectador: você acabou de tocar no Ministro Delfim Neto. Numa outra você já tinha tocado no Bresser. Queria fazer uma pergunta do telespectador, Gentil Assis, de São Paulo. Qual é a diferença entre Delfim Neto e Bresser? Qual das duas políticas é melhor para o trabalhador?

Joaquim – Acabo de dizer que a política de Delfim Neto foi madrasta. Puniu os trabalhadores durante todos os períodos governamentais, com as taxas de reajustamento salarial sempre inferiores à inflação. Foi a Lei 6.708, a Lei 4.725, o Decreto 15/17, que durante muito tempo regeram a política salarial. Os reajustamentos salariais não eram pelo pico, eram pela média, o que significava dizer que tínhamos sempre arrocho salarial e os reajustes repunham apenas partes das perdas ocorridas. Veio agora o novo Plano Bresser, que também tem no seu bojo o arrocho. Então…

Rodolfo – Também com reajuste salarial pela média trimestral…

Joaquim – Não comparo do ponto de vista físico, mas do ponto de projeto em si, tem muito pouca diferença. O projeto do Bresser também prevê arrocho salarial e redução violenta do nosso poder de compra.

Roberto Camargo – Há uma outra diferença entre os dois ministros. O Ministro Bresser é do PMDB, seu partido. Como militante, como vê a atuação desse quadro, chamado Bresser Pereira…

Joaquim – Eu acho que não tenho o direito de fazê-lo, como membro do Partido, e sim como dirigente sindical. Sempre tive tanta questão de separar o problema sindical do partidário. Quando ingressei no PMDB, saindo do PTB, eu dizia que não levaria o sindicato para dentro do partido. Se tivéssemos militância mais assídua dentro do partido, talvez fizéssemos restrições maiores, a partir do momento que conheçamos coisas mais graves. Eu não considero partido e sindicato, as duas coisas. Considero, como dirigente sindical, como representante de uma corporação de trabalhadores, em nível nacional, que representa mais de 25 milhões de trabalhadores, eu não tenho o direito de poupar este ou aquele Ministro, apenas porque ele pertence a este ou aquele partido.

Sônia – Como dirigente sindical você vaiaria o governo Sarney nas ruas…

Joaquim – As manifestações populares, eu faria parte delas. A partir do momento que reflitam a insatisfação popular. O dirigente sindical é, acima de tudo, povo. Quando ele deixa de ser povo, deixa de ter legitimidade, nega a sua origem.

Sônia Você vaiaria…

Melquíades – Você não acha isso meio insensato…

Joaquim – Sempre fui criticado pelas esquerdas. Aqui os jornalistas que conhecem bem o teor dessas críticas. Por ser um elemento ponderado, e nunca ter tido a oportunidade de aconselhar trabalhadores a greves doidas, a movimentos tresloucados e insensatos ou impatrióticos. Entendo que quando fui presidente de um sindicato, o maior sindicato da América Latina, procurei estabelecer uma política baseando-me nas pequenas conquistas para ganhar a credibilidade da categoria. E as eleições últimas eu seria testemunha de que essa respeitabilidade existe exatamente porque sempre tivemos juízo, de que nunca misturamos partido com sindicato e nunca precisei de greve para fazer estrelato ou para virar manchete…

Jorge Escosteguy – Sobre o seu companheiro do PMDB Luís Carlos Bresser Pereira…

Joaquim – Eu não confundo sindicalismo…

Jorge – Isso nós sabemos. Nós queríamos saber a sua opinião sobre o Ministro da Fazenda…

Joaquim – Acho que o Ministro Bresser Pereira, quando o Ministro Funaro foi trocado, eu achei estranho. Porque ele tinha algumas dificuldades internas, como todos os Ministros terão.  Mas era um homem de coragem e brio, e enfrentava com determinação o monitoramento e a sanha dos bancos multinacionais, quer sejam privados ou do Fundo Monetário Internacional. A partir do momento que ele saiu, vi uma tolerância e uma facilidade muito grande. Os monitores do Fundo Monetário Internacional de pastinha na mão pelos corredores do Palácio. Vi por aí uma coisa que não nos agradava, porque se é alguma coisa que os brasileiros têm que resgatar é a sua soberania, e essa dependência externa, que inviabiliza a democracia. Esta democracia que tem falhas, omissões, distorções, mas apesar de todos estes defeitos, entendo que ela não é uma dádiva dos militares, é uma conquista da sociedade brasileira na rua. E como tal ela deve ser preservada. Parece-me que o Ministro Funaro tinha uma postura mais patriótica, com o Fundo Monetário Internacional e os nossos credores, do que teve o Bresser Pereira. Acho que em termos de plano, se nós tínhamos queixa dos anteriores estabelecidos para a política salarial, e veja bem, o Ministro Murilo Macedo, nós condenamos a Lei 6.708, porque ela estabelecia uma porção de coisas, nós víamos imperfeição nela, e acabamos defendendo afinal a semestralidade. Nós criticamos, quando do pacote, um patamar excessivo da escala móvel do salário, mas eu defendia o princípio da escala móvel de salário, da mesma forma que eu defendia o princípio do seguro-desemprego. Razão pela qual a inflação galopou, e até esse mecanismo, esse patamar que nós julgávamos elevado demais, acabou se transformando insuficiente.

Dácio – Joaquim, é louvável, em qualquer entidade sindical, ouvir as bases, mas as bases também se manifestam fora da organização, como o quebra-quebra do Rio de Janeiro, e neste fim de semana, em São Paulo, com três saques e uma quarta tentativa frustrada pela polícia. Hoje com uma tentativa por volta de meio-dia, e mais duas no final da tarde na Zona Sul, uma delas frustrada também pela polícia. A CGT não tem medo de ser atropelada pela explosão espontânea dos trabalhadores…

Joaquim – É bom estabelecermos alguns mecanismos para separar um pouco o que é assalto de banco e o que é povo manifestando a sua impaciência e o seu repúdio a esta ou aquela medida. Os saques sempre existiram, e isto compete à polícia. Não é a CGT que vai se transformar em soldado para impedir que haja assaltante de banco. Mas temos uma preocupação muito grande. Por essa razão, a partir do momento que soubemos dos descontentamentos que esse Plano provocaria, nos antecipamos a essas manifestações ruidosas e em alguns momentos violentas. Porque a CGT apoia toda e qualquer manifestação de repúdio. Só não endossa a violência. Nem machadinho, nem machadão, nem pedradas, nem incêndios.

Dácio – Há pouco, o senhor disse que o líder tem que estar muito identificado com a sua base. Indo para uma situação hipotética. O senhor, metalúrgico, desempregado, com fome, partiria para o saque…

Joaquim – Evidente que a necessidade leva o sujeito a uma situação traumática. Se nós retroagirmos, e ao invés de nos basearmos em hipótese e fatos, vamos ver que pais de família, homens trabalhadores, acabaram invadindo o Ibirapuera e derrubando a cerca do Palácio, transformando-se até em saltimbancos. É muito fácil julgar alguém, mas a melhor forma é se colocar no lugar. Um pai que chega em casa, depois de ter gastado meia sola de sapato andando a pé, procurando emprego, cinco meses consecutivos, vê os filhos clamarem por fome, o senhorio da sua casa joga-lo para fora como se ele fosse um marginal. Não há cristão que resista. Acho que deve haver liderança capaz de captar essas manifestações, para que se transformem em menos violentas, no sentido de administrar a possibilidade da panela de pressão explodir. A greve geral é uma forma de explosão, que o trabalhador extravasa todo o seu repudio a tudo isso…

Dácio- Em geral o trabalhador não leva arroz, não leva feijão para a casa dele…

Joaquim – Mas também, a recessão não está levando arroz e feijão para a casa de ninguém, está levando desemprego.

Rick Turner – Acharia interessante, para o telespectador mais jovem, que o senhor explicasse, numa visão mais histórica, o que o senhor fez em 1964 e em 1968, perante o Golpe Militar e o fechamento do regime de 1968…

Joaquim – Acho que o programa é bastante livre para que falemos, embora existem outras questões mais sérias e urgentes para tratarmos. Em 1964, após o Golpe Militar, houve intervenções no sindicato, e isto a sociedade brasileira está careca de saber. Houve intervenção no sindicato, e fomos eleitos presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, em 1965.

Rick – Foi um interventor?

Joaquim – Não, senhor. Fui eleito presidente do Sindicato porque havia uma junta governativa. Fui interventor do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos, em um período de quatro meses, depois do Golpe Militar. Existia uma opção, ou aceitaríamos militares como foi feito em inúmeros sindicatos, como no próprio Metalúrgicos de São Paulo, em que era um inspetor, um sujeito que não tinha nada a ver com trabalhadores. Ou então os trabalhadores iam assumir a responsabilidade de conduzir o seu sindicato até que nova eleição fosse produzida. E foi o que aconteceu em São Paulo, e fomos eleitos em 1965. E daí para cá, reeleitos pela vontade dos trabalhadores sucessivas vezes, sete me parece, culminando meu mandato que termina agora. Não me candidatei, apenas apoiei a chapa que ganhou as eleições e tomará posse agora no dia 30, já que no ano passado eu fui eleito, num Congresso de trabalhadores, presidente da CGT. Acho que em 1968 houve um episódio importante, em que caminhávamos rumo à resistência, fundamos o MIA em São Paulo, que era o Movimento Intersindical Anti-Arrocho, um órgão de contestação intersindical. Alguns companheiros foram presos, outros cassados, porque tínhamos um Ministro chamado Jarbas Gonçalves Passarinho, que era do Trabalho. E como o movimento sindical se chamava MIA, Movimento Intersindical Anti-Arrocho, quem “mia” é gato, obviamente, o Ministro, como “passarinho”, tinha medo do gato (risos). Razão pela qual houve o fechamento e uma explosão em 1º de Maio, aqui na Praça da Sé. Houve incêndio de palanques, uma tentativa da direita, de implosão do movimento sindical, quando a direita tentava fazer tudo isso e jogar a culpa na esquerda, a exemplo do que aconteceu recentemente no Rio-Centro.

Dácio- Então você é de esquerda?

Joaquim – Eu me considero de esquerda.

Rick – Eu gostaria de saber de um outro sindicalismo, baseado no ABC, que tem suas representações na CUT e do PT. Porque que essa outra voz, dentro do sindicalismo brasileiro cresceu de uns anos para cá, em oposição ao senhor?

Joaquim – Não tenho tanta certeza que tenha crescido tanto. Os episódios recentemente vistos em São Paulo, através da luta renhida pelos sindicatos, nos dão conta de que ganhamos as eleições em Osasco, Guarulhos e São Paulo, o que significa dizer que não há esse crescimento. Ninguém mais do que eu lamenta o fato de termos duas centrais. Não fui eu quem fez a primeira.

Rodolfo – Tem uma pergunta de telespectador: Eucles D’Helena, de São Caetano do Sul. Porque CGT e CUT, a Central Geral dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores são tão desunidas. O objetivo das mesmas não é o bem estar dos trabalhadores? Porque essa desunião?

Joaquim – Eu acabava de, na minha intervenção anterior, dizer o seguinte, nós fizemos um Congresso da Classe Operária, da Classe Trabalhadora, na Praia Grande, e se formou uma comissão pró CUT. Vejam bem, nós fazermos uma central sindical, a ideia talvez não tenha nascido em São Bernardo. A ideia de formar um partido de trabalhadores, também não nasceu em São Bernardo.

Júlio Lobos – Mas em São Bernardo nasceram ideias como a socialização dos meios de produção, a tomada do poder por parte da classe trabalhadora. Queria lhe fazer uma pergunta que realmente, me parece simplória, mas é muito importante. Por favor, me diga, quais são três diferenças ideológicas concretas entre a CUT e a CGT.

Joaquim – Se nós consultarmos as decisões de ambos os Congressos da CUT e da CGT, nós vamos ver que 90% dos resultados das decisões nesses Congressos são semelhantes. Mas há algumas questões de fundo. Nós defendemos a unicidade do movimento sindical. E a CUT defende o pluralismo sindical. Nossa postura tem sido de combate sistemático, de resistência sistemática, unificando os trabalhadores em torno de propostas viáveis, consequentes. Quer dizer, há questões que alguns tem mais pressa…

Júlio – A socialização dos meios de produção não é viável, consequente?

Joaquim – Eu acho que a socialização dos meios de produção não é uma invencionice que nasceu em São Bernardo. Está na cabeça de cada trabalhador. A viabilização dessa socialização deve ser feita através de mecanismos corretos e uma postura consequente, de uma luta que não pode ter apenas uma ação.

Júlio – Mas como pode se viabilizar uma coisa dessas numa sociedade que é capitalista, por mecanismos corretos, me parece que há um contrassenso nisso…

Joaquim – Acho que a socialização é para o futuro. Há um caminho muito longo a se seguir. Possivelmente, o fim desse caminho seja a socialização. Mas teremos que passar primeiro por outros patamares, por outras estações por onde o trem deve parar. Um deles, o primeiro, é a democratização do capital, para depois pensar em socialização do capital.

Júlio – E como é a democratização do capital? É participação nos lucros, é isso?

Joaquim – Veja bem, a participação nos lucros faz parte da nossa constituição. Veio uma Lei Regulamentadora 4330, e ao invés de regulamentar extingue o direito de greve, através da lei complementar, que regulamenta a matéria. Em compensação ninguém regulamentou a participação nos lucros. Até tenho receio, que se alguém tentasse neste confronto, da nossa participação nos lucros, íamos participar apenas dos prejuízos, da mesma forma que o processo de greve foi extinto, o nosso lucro seria extinto. Por isso que volto a dizer, para finalizar. Eleições diretas é muito bonito, mas não basta. O Brasil precisa de eleições livres, e elas não foram até agora.

Jorge Escosteguy – Eu queria falar um pouquinho, Joaquim, a pergunta que fez o Dácio sobre identidade na participação dos dirigentes sindicais com as bases, na consulta ás bases. Quero fazer uma pergunta sobre o afastamento das bases. Umas das coisas que se criticam é o seu afastamento das bases. Há quantos anos você não opera um torno numa fábrica metalúrgica, como não opera o Lula, como não opera o Jair Meneghelli. Você falou que há 22 anos você é dirigente sindical, ou seja, não dá expediente como metalúrgico. Você acha que isso não prejudica de certa forma a sua atividade como dirigente sindical?

Joaquim – Qual é a relação entre a minha máquina que eu deixei há 22 anos e a porta da fábrica que eu nunca deixei?

Jorge – A fábrica mudou em 22 anos, as pessoas estão lá dentro trabalhando…

Joaquim – Eu sei que se eu voltar para dentro da fábrica, a fábrica mudou, inclusive a máquina que eu trabalhava há 22 anos atrás vai estar superada e substituída por uma com uma tecnologia mais sofisticada. Isso não quer dizer que a nossa prática de porta da fábrica nos tirou do convívio com a massa, que ouvimos diariamente. Se estou na CGT, não posso ir a uma fábrica, resolver o problema, lá no interior de Minas Gerais, Recife ou Bahia. Isto é feito através dos sindicatos filiados aos quais nós damos assessoria, amparo e ajuda e estímulo.

Jorge – Veja em São Paulo, por exemplo. Tivemos um problema com o Aurélio Perez, que foi metalúrgico e seu adversário no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Ele perdeu qualquer vínculo sindical, perdeu o seu mandato como deputado federal e não pode voltar a trabalhar, a Caloi inclusive paga o seu salário todos os meses para que ele não apareça na fábrica…

Joaquim – Não sei até que ponto isso se constitui numa punição…

Jorge – Há quantos anos você não trabalha, não opera um torno numa fábrica metalúrgica?

Joaquim – Tem 22 anos, eu deixei exatamente a máquina em agosto de 1965.

Dácio – Joaquim, qual é o teu rendimento hoje?

Joaquim – O rendimento é o mesmo que eu recebia na empresa, atualizado pelos reajustamentos de lei, deve andar por volta de 28 mil Cruzados. O mesmo salário que recebem, ou um pouco mais que recebem os meus companheiros cuja rotatividade não os atingiu trabalhando na Arno S/A Indústria e Comércio.

Rodolfo – Eu tenho uma pergunta do Pedro Eberhardt, que é o presidente do Sindipeças, que toca exatamente a questão que o Escosteguy levantou, da sua relação com a fábrica hoje. Por favor, a pergunta é por aqueles monitores ali.

Pedro – Você acredita, que este ano de 1987, as relações empregado empregadores melhoraram, ou elas continuam deterioradas como estavam há três anos atrás?

Joaquim – Dr. Pedro, o que determina o relacionamento capital e trabalho, e o calor desse entrevero, que não sou tão sonhador a ponto de pensar que empresários e trabalhadores vão andar de mãos dadas o resto da vida. O que se tem procurado fazer é, em determinados momentos, conduzir essa luta de classes e torna-la menos selvagem. Acredito que com o aprofundamento da crise econômica, da recessão, das dispensas, da tentativa de empresas negociarem a redução da jornada de trabalho com a redução de salário, tenho a impressão de que esse relacionamento é, infelizmente, bastante agressivo. Como trabalhadores, entendemos que se nós, durante os períodos áureos de produção e de altas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, não tivermos uma contrapartida, não é justo que se transfira, nas horas de crise, a responsabilidade para os nossos ombros. Não estamos dispostos, pelo menos como dirigente sindical, tenho aconselhado os meus companheiros de sindicatos a não aceitarem a redução da jornada de trabalho com redução de salário, porque isso, para mim, significa uma iniquidade. Quem não participa dos lucros, não tem obrigação de participar dos prejuízos.

Fim da primeira parte

Parte dois

Rodolfo – Vou fazer uma pergunta só de vários telespectadores, a que mais apareceu de telespectador.  Paulo, de Bauru, em São Paulo:  Joaquim, sou um trabalhador. Ao invés de você incentivar a greve, porque não incentiva os trabalhadores a trabalharem e tirarem o país da crise (sou a favor de aumentar a jornada de trabalho e não diminuí-la, só assim tiraremos o país da recessão)? (risos) Vocês estão dando risada, mas é a pergunta que mais aparece. Pergunta do senhor Antônio Roberto Jacob, da Freguesia do Ó: ao invés de levantar tantas greves e pedir salário maior, porque não aumentar o número de horas trabalhadas por semana, 60 horas semanais, com essa jornada nós sairíamos da crise, você não acha? Pergunta do senhor José Domingos Delfielo, do Aeroporto: se a melhor forma de protesto dos trabalhadores não seria justamente o trabalho? Não seria o povo aumentar o seu trabalho, para depois reivindicar? Quer dizer, é uma preocupação real, pelo menos do telespectador do Roda Viva.

Joaquim – Acho que hoje o telefone já não é mais um luxo, mas o trabalhador assalariado não tem telefone em casa, nem essa facilidade para fazer essas perguntas. Mas eu respondo. Acho que, se não houvesse gosto, como diz o português, ninguém consumia o amarelo. Há gosto para tudo. Se nós temos empresários que tem uma mentalidade escravagista, é possível que tenham nascido alguns com vocação de escravo. Mas a jornada de trabalho, para quem enfrenta uma laminação, por exemplo, duvido que alguns desses trabalhem numa laminação, ou num setor de produção, de autopeças, porque se trabalhassem efetivamente nesses serviços, ou em um jato de areia, se eles teriam vontade de trabalhar 60 horas semanais (risos). Não acho que teriam, não. Para quem tem vida mansa, para quem tem emprego fácil e é dono de indústria, ou é interessado nela, acho que pode haver alguém que esteja disposto a trabalhar mais do que isso. Eu, pelo menos trabalho.

Júlio Lobos – Eu queria resgatar a seriedade das perguntas dos telespectadores. Na realidade, a questão emocional desse assunto, há uma inconsistência, entre reduzir jornada de trabalho e distribuir lucros, e tirar o país da recessão econômica. Eles pensam, como que vamos fazer, nós trabalhamos menos e vamos ganhar mais, eu gostaria que o senhor reagisse a isso.

Joaquim – Não me lembro de ter dito que as perguntas feitas carecessem de seriedade, ou responsabilidade. Disse que elas tinham origem num sofisma meramente escravagista, e não numa realidade. Mas acho que os trabalhadores tem realmente pensado nisso. Se nós reportarmos a história, porque é que nós não somos capazes de fazer o que fez a Alemanha, por exemplo, após guerra? A guerra acabou com as cidades industriais da Alemanha, e o povo alemão se propôs a reconstruir o país. Trabalhavam de graça, para reconstruir. O movimento sindical alemão tem hoje muitas garantias, regalias adquiridas nesta fase de reconstrução. Mas os trabalhadores tem aqui uma história diferente. Os brasileiros sempre trabalharam nesta grandeza. Conseguiram e levaram o Brasil a esta condição magnífica de oitava potência capitalista do mundo ocidental. Quer dizer, qual foi o retorno? Nós temos dois terços da população brasileira que ganham menos que três salários mínimos. Temos quarenta milhões de brasileiros que vivem em condições infra humanas, em palafitas, favelas e debaixo de viadutos. Que estímulo teria o povo de trabalhar mais duas horas para concentrar renda, na mão de uma minoria abastada? Por isso que o povo brasileiro não é vagabundo. É trabalhador e tem que ter atividade. Acontece que ele não confia nos mecanismos construídos pelo governo e nem nas piadas que o seu empresário procura o trabalhador agora nesta época, para reduzir a jornada de trabalho, com redução de salário. Há empresários que têm os seus trabalhadores a seu lado, e conheço algumas empresas, onde até o piquete não conseguiu parar a empresa. Eu não vou citar nomes, mas deixa para lá.

Roberto Camargo – O senhor disse que se afastou da produção, mas continua presente na porta da fábrica. Neste contato o senhor mantém um relacionamento com trabalhadores empregados. E o desempregado? Qual o contato que o dirigente sindical tem com ele? Ou perde esse contato para a ação de outros tipos de organização como partidos políticos, igrejas?

Joaquim – Depende da característica do desempregado. O filiado a entidade procura no dia seguinte, não só para calcular se os seus direitos vão ser rigorosamente pagos dentro da lei, como também até procurando ajuda do sindicato no sentido de uma recolocação. Esse contato permanente existe. Hoje conversava com companheiros do sindicato, que faziam os cálculos dos seus direitos, já desempregados. É evidente que um grande contingente desespera-se com o desemprego, que assusta qualquer pai de família, e sai desesperado na busca de outro, até mesmo antes de ser pago pela empresa os direitos trabalhistas decorrentes da rescisão contratual. É evidente que é difícil, e o movimento sindical não tem uma bola de cristal para saber onde estariam os desempregados a partir da perda do emprego. Mas aqueles que comparecem ao sindicato, que são associados da entidade. Ou se perderam o emprego e não comparecem nós temos o recibo, uma mala direta com as residências para que possamos traze-los para o sindicato, para que nos contem o que está ocorrendo dentro da empresa, que tipo de medidas o sindicato poderia colocar em prática para impedir que outros dos seus colegas sejam dispensados. Mas é evidente que a administração de uma força desempregada é muito difícil. Nós temos exemplos, de abril de 1986, que nos dão conta de como é difícil administrar a massa desempregada, que não tem nada a perder, que já perdeu o que mais queria, que era o seu emprego.

Roberto – Mas aí o que que entra em substituição ao sindicato, é o partido político?

Joaquim – Podem ser organizações, o próprio sindicato, no sentido da busca do seguro desemprego. É um paliativo, já que é uma miséria. Os sindicatos tem colocado em prática tudo o que podem, no sentido de continuar representando, orientando, defendendo aquele trabalhador, quando ele mais precisa de defesa, que é exatamente no momento em que perde o seu emprego. O sindicato tem consciência da sua importância neste momento difícil na vida daquele trabalhador.

Jorge Abdush  – Voltando ao fato de você ser filiado ao PMDB. Como é que você analisa o desempenho do também PMDB, Ministro Almir Pazzianoto, cuja indicação você apoiou, e especialmente agora quando o governo tem um projeto para modificar a estrutura sindical, permitindo a criação de vários sindicatos e acabando com o Imposto Sindical?

Joaquim – Não costumo dividir o governo para analisa-lo isoladamente. Analiso como um todo. E o Almir Pazzianoto é uma peça do governo, e acho que a performance do atual governo está bastante ruim. O Ministro do Trabalho deveria nos procurar a ajudar a corrigir algumas distorções contidas no Plano Cruzado. Como, a inflação de junho, que não foi devidamente contabilizada. O Ministro do Trabalho, num primeiro momento entendia que essa inflação de junho era devida, segundo o próprio governo, por volta de 27%. Agora, o engraçado é que o Ministro Bresser Pereira, ao assinar o pacote do Decreto-Lei, disse para a imprensa e para quem quisesse ouvir que acabou com o gatilho salarial, porque a escala móvel do salário, como queiram chama-lo, não repunha todas as perdas ocasionadas pela inflação. Até aí eu concordo em gênero e número. Ocorre que, posteriormente, o mecanismo por ele adotado acaba trazendo um prejuízo dez vezes maior do que os ocasionados pelo chamado resíduo, que não era incorporado e que ele vai pagar somente daqui a três meses, e vai paga-la em parcelas. Acho que o Ministro do Trabalho não pode ser examinado isoladamente, mas como parte do governo, tem uma responsabilidade naquilo que está sendo feito agora contra os trabalhadores.

Almir Pazzianoto (Ministro do Trabalho) – Meu prezado Joaquim dos Santos Andrade, agora que o senhor deixa a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, sucedido que será pelo nosso amigo Luís Antônio, e após mais de vinte anos de presidência, período dentro do qual o senhor viveu e observou tantas transformações econômicas e políticas no nosso país, qual o balanço que o senhor nos daria da sua atuação à frente desse sindicato, como um dos líderes mais conhecidos, não apenas do Brasil, mas de toda a América Latina?

Joaquim – Senhor Ministro, nós estivemos vinte e dois anos à testa dos destinos do maior sindicato da América Latina. Compete aos trabalhadores fazer essa avaliação. Evidente que não fui infalível, devo ter cometido muitos erros e equívocos, como qualquer criatura humana comete erros e equívocos. Mas sempre devotei muita seriedade, toda a minha modesta capacidade de administrar, no sentido de doar ao sindicato tudo que tinha de melhor, dediquei à categoria metalúrgica. Acho que não foram por causa dos meus acertos. Talvez tenha sido mais pela minha dedicação, humildade, que a categoria metalúrgica me ouve ainda hoje. Tenho impressão que somos fator decisivo na eleição de Luís Antônio de Medeiros Neto, o nosso sucessor. Mas acho que, respondendo a sua pergunta, a categoria profissional que teria o direito, e tem todos os “F” e “R”, sem humildades desnecessárias, de examinar e julgar. Não tenho medo da história. Acho que essa sim vai fazer justiça a quem hoje está no sindicato, que trabalhou com humildade, mas com tenacidade, na defesa do patrimônio moral e político que representa hoje o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Sônia Carvalho – Joaquim, especialmente dentro da CGT há uma corrente que começa a articular a candidatura de Almir Pazzianoto para a prefeitura de São Paulo. Na próxima sexta-feira, inclusive, haveria uma homenagem no Clube Esperia, que seria o lançamento oficial dessa candidatura. Você apoia o nome do Ministro à Prefeitura de São Paulo?

Joaquim – Não estou a par de nenhum movimento nesse sentido, mesmo porque nem sequer fui convidado. Se há, não fui convidado. Acho que, como membro do PMDB, devo apoiar o nome que sair da Convenção. O partido tem excelentes nomes, entre eles, o Ministro do Trabalho. Mas não podemos levar em conta preferências pessoais. Devemos ter um nome, que tenha contato com as massas, carisma, competência para administrar São Paulo, e tira-la dessa situação caótica que vivemos hoje, pela péssima escolha que fizemos ao eleger o atual prefeito. Mas, esta tarefa compete ao partido através da sua Convenção Municipal. A partir do momento que Almir Pazzianoto saia candidato, nós estamos dispostos a apoia-lo tanto quanto for possível.

Rodolfo – Queria fazer uma pergunta de telespectador, o nome é Sival, de Presidente Prudente, está assistindo o Roda Viva. Ele quer que o senhor explique a ele o que é “peleguismo”? (risos)

Joaquim – Esta denominação não é nova, já antecede a revolução de 1964. A burguesia, antes, dizia que no sindicato só havia pelegos. E o que era pelego? Eram aqueles que faziam o jogo da União Soviética. Eram pelegos vermelhos. Segundo Caldas Nalleti, que é um dicionarista excelente, pelego é aquela manta, que pode ter origem animal ou vegetal, que amacia os atritos entre cavalgador e cavalgadura.

Rodolfo – E o peleguismo?

Joaquim – O peleguismo é a prática desse amaciamento da correlação de forças da luta de classes. Durante 22 anos de presidir o sindicato, nunca cavalguei ninguém. E muito menos me deixei cavalgar. Mesmo pelos poderosos, das ditaduras militares várias que passaram por este país. Mas é evidente que ainda resta esse resíduo de chamar de pelego, porque a classe média, hoje, está travestida de proletariado. E é muito comum essa classe, a burguesia, proletarizada que foi pelo sistema econômico vigente, utilizar costumeiramente essa adjetivação. Quer dizer, tem origem na burguesia, e vai ter fim dentro da própria.

Melquíades – A propósito de uma questão que o Jorge levantou: peleguismo, no sindicalismo brasileiro, tem uma explicação lógica, que você deve concordar, que é a organização sindical que foi imposta desde a época do Getúlio, baseada na Carta del Lavoro, do fascismo italiano, em que os sindicatos ficam atrelados ao Estado. Pois bem, hoje o governo mandou um projeto de lei para o Congresso, reformulando toda a organização sindical. E é espantoso que as lideranças sindicais, como você, o pessoal da CUT toda estejam combatendo e criticando esse projeto. Não é uma incongruência profunda? Porque é exatamente para acabar com o peleguismo, desatrelar o sindicato do Estado, um dos objetivos desse projeto. Você falou que a CUT é a favor do pluralismo, e que você é a favor da unicidade sindical. Eu já acho que não é bem assim, a CUT, no meu ponto de vista não é a favor do pluralismo, ao contrário, ela é favorável a que haja uma unidade sindical, tanto que o nome é Central Única dos Trabalhadores. Então eu gostaria de saber porque essa incongruência, porque não me parece que está havendo aí uma aberração… Não pelo novo projeto, mas pela Convenção 87 da OIT, da Organização Internacional do Trabalho, que também as lideranças sindicais são contra. Porque são contra…

Joaquim – Qual é a aberração aí, o nosso ponto de vista ou a ida ao Congresso Nacional, aí está a aberração de um projeto. Nós vivemos uma legislação sindical corporativista, que atrela o movimento sindical ao governo. Só que este paternalismo muda em determinadas ocasiões. Vira curatela em determinados momentos, que aconteceram durante os períodos pós-revolucionários. O movimento sindical não quer isso, mas há muito tempo reclama. Mas, vejam bem, o Projeto de Lei que foi enviado para o Congresso Nacional, além do pluralismo sindical tido no seu bojo. Os sindicatos por empresas podem ser constituídos, uma empresa com mais de quarenta empregados, eles se reúnem e fazem um sindicato. Então nós vamos ter um sindicato colorido, de todos os matizes. O sindicalismo do patrão, o do partido “y”, do padre, todo mundo vai ter um sindicato por sua conta. Esse é o enfraquecimento. É o princípio de destruir e dividir para governar, para enfraquecer o movimento sindical. Porque o movimento sindical, apesar das suas debilidades, frustrações, e de sua divisão, entre CUT e CGT, representa uma força política muito grande. E esta força política está pretendendo ser destruída.

MelquíadesQuais são os sindicatos fortes que tem no país… são pouquíssimos…

Rodolfo – Quais sindicatos sobrevivem no Brasil sem a Contribuição Obrigatória…

Joaquim – Eu acho que nós… se me permita primeiro responder, concluir…

Rodolfo – Permito, claro.

Joaquim – Nós temos hoje, no Congresso Nacional, uma discussão ferrenha, séria, dos constituintes mais progressistas contra os conservadores. É por isso que digo, não basta haver eleições diretas, tínhamos que ter eleições livres. A liberdade na eleições depende muito de acabar com a injunção do poder econômico. Se não acabar, pelo menos reduzir. Mas estamos nesse confronto dentro do Congresso Nacional, há um conflito muito grande de interesses. Já foi aprovado na subcomissão e na comissão, a greve. O projeto do Ministro era continuar proibindo, mormente nas atividades essenciais. Discordamos tranquilamente da proibição em atividades essenciais. Defendemos a sindicalização do funcionário público, decisão dos nossos Congressos e também a CUT. A liberdade de organização sindical dos funcionários públicos federais, estaduais, de todos os níveis. Parece que esse anteprojeto veio exatamente em um momento para tentar desviar a atenção do movimento sindical para os prejuízos ocasionados pelo Plano Cruzado Bresser. Se temos a possibilidade de elaborar uma Constituição mais ampla, depois vamos preencher os espaços através da lei complementar que pode regulamentar a atividade sindical. Ou se já temos greve assegurada na Comissão e nas Subcomissões, porque proibir através de um projeto…Então, das duas, uma, ou está se pretendendo desviar a atenção do movimento sindical para um projeto inoportuno, ou tentar estabelecer os parâmetros para os conservadores dentro da Constituição.

Rodolfo – Responda a minha pergunta, por favor. Quais são os sindicatos que o senhor conhece que sobreviveriam sem a Contribuição Sindical Obrigatória…

Joaquim – Se nós acabarmos com a Contribuição Sindical hoje, posso, para ser bonzinho, dizer que 75% dos sindicatos paralisará suas atividades.

Rodolfo – Desapareceriam, não teriam dinheiro para tocar a máquina…

Joaquim – Como não tem hoje, os sindicatos do Norte e Nordeste, com dificuldades de pagar suas contribuições a CGT, que andam por volta de 10% do salário mínimo…

Melquíades – Mas será também que eles são organizações grandes, que exijam, por exemplo um número grande de funcionários…

Joaquim – Sindicatos que sequer tem um dos seus diretores desligados da produção, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Em a vida não é, com todos os prejuízos da vida no asfalto,  muito diferente da vida do colhedor de cana, dos trabalhadores do agreste pernambucano…

Dácio – Há uma questão crucial para o trabalhador, que é a questão da Previdência e da assistência médica. O senhor defende que o sindicalismo continue, como por exemplo os sindicatos do estado de São Paulo, que tem uma infraestrutura muito grande de atendimento médico, inclusive há alguns anos atrás a houve até um movimento dos médicos, reivindicando melhores salários?

Joaquim – Está entre nós um ilustre médico chamado Cid Carvalhaes, faz parte dos dirigentes sindicais que nós convidamos para vir para esse debate, e que, há quarenta minutos atrás, discutíamos exatamente o problema da medicina em São Paulo. Da necessidade de nós termos capacidade de atendimento de toda a população. Porque hoje, também concordo que os sindicatos devem acabar com o assistencialismo, mas a partir do momento que nós tenhamos possibilidade de atendimento total da população, rápido, e isto não ocorre. Então os sindicatos…

Dácio – Qual a proposta da CGT para uma alteração do sistema de atendimento do INAMPS, por exemplo?

Joaquim – Nós defendemos o fim dos convênios com a medicina privada. Faço isso com muita clareza, tranquilidade, no sentido de que as verbas da Previdência sejam empregados na construção de instrumentos próprios dela, sua descentralização no sentido de que atenda toda a periferia. Para que tenha capacidade de atendimento de toda a população, tornando desnecessário os convênios com a medicina privada. Mas eu diria, para encerrar, que não é do sindicato. Se nós hoje acabarmos com o Imposto Sindical, 75% dos sindicatos poderão fechar ou atravessar sérias dificuldades. Defendemos a extinção gradativa do movimento sindical, para que os trabalhadores possam, através das suas assembleias, aprovar contribuições, e a partir dessas contribuições temos o custeio das atividade sindical. Mas também é necessário que haja uma modificação na legislação, porque hoje os empresários tem nas mãos aquilo que nós chamamos de efeito suspensivo, que o nome é recurso extraordinário, que impedem que as contribuições democrática e livremente aprovadas pelos trabalhadores cheguem aos cofres dos sindicatos, como aconteceu no ABC e no interior durante dois anos consecutivos. Enquanto os empresários tiverem nas mãos esses mecanismos, apostar na extinção do Imposto Sindical é entregar o sindicalismo nas mãos da FIESP. O sindicalismo só é forte, combativo e independente a partir do momento que tenha contribuições que lhe permitam isso.

Jorge Escosteguy – Você criticou o sindicato por empresas. Falou que se for extinto o Imposto Sindical, 75% dos sindicatos fechariam suas portas. Pergunto o que significavam exatamente as bandeiras, tanto da CUT, quanto da CGT, durante muitos anos, reclamando por liberdade e autonomia sindical. Pergunto pelo seguinte: quem conversa com o Ministro Almir Pazzianoto, sobre essa nova lei, que finalmente foi apresentada ao Congresso, ele se queixou muito de que encaminhou algumas questões levantadas pelos sindicalistas, exatamente ligadas a autonomia e liberdade sindical, e de repente começou a sofrer pressões para que essas questões não fossem encaminhadas, fossem proteladas, deixadas para a Constituinte.  E, pelo que me deu a entender, essas reclamações não eram exatamente da CUT, mas mais ligadas a CGT.

Joaquim – A CGT defende a unicidade do movimento sindical. Temos um advogado, estudioso da matéria em São Paulo, Dr José Carlos da Silva, o Arouca, que fez um estudo de um número incontável de categorias profissionais, e as decisões dos seus Congressos, Seminários, e Conferências. Ao final de dezenas de Congressos que fiz dos Metalúrgicos, porque a única categoria que continuou os fazendo ordinariamente durante o período de Ditadura, foi a Metalúrgica. Nós éramos naquela outra oportunidade, secretário nacional dos Metalúrgicos…

Rodolfo – Sempre a liberdade da categoria sindical…

Joaquim – Ia lá: “Liberdade e Autonomia Sindical”, respeitada a unicidade sindical. Podemos trazer para os estudiosos dessa matéria, dezenas e dezenas de decisões, de resoluções finais desses Congressos de trabalhadores, em que está inserido com muita clareza, liberdade e autonomia, respeitada a unidade sindical. Agora, a que autonomia nós nos referimos?

Jorge Escosteguy – A liberdade.

Joaquim – A liberdade? A liberdade do sindicato guardar o seu dinheiro do modo que lhe aprouver…

Jorge Escosteguy – Isso é autonomia, não é liberdade…

Joaquim – No Banco do Brasil, ou na Caixa Econômica, chama-se autonomia? Tudo bem, chama-se. A liberdade de administrar suas finanças sem prestar contas ao Ministério do Trabalho. De fazer greve, sem que o Ministro do Trabalho intervisse no sindicato, caçando diretorias democraticamente eleitas pelos trabalhadores. Isso nós tivemos centenas de exemplos em todo o Brasil durante o período de ditadura. Então era essa a liberdade que o movimento sindical se referia.

Jorge Escosteguy – E a liberdade do trabalhador escolher o seu sindicato?

Joaquim – O trabalhador pode escolher o seu sindicato a partir do momento que ele tem um sindicato no qual ele pode atuar e melhora-lo.

Jorge Escosteguy- Tudo bem, o argumento que se utiliza é o seguinte, o trabalhador não tem o direito de escolher o seu sindicato, é só um sindicato ao qual ele deve se filiar, ou então ele não é sindicalizado.

Joaquim – Eu acho que ele tem o direito de escolher o seu sindicato e participar dele.

Jorge Escosteguy – Veja bem, eu sou jornalista, se eu não me filiar ao Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, eu não posso me filiar a nenhum outro sindicato dos jornalistas.

Joaquim – Você deveria ter razões para não se filiar…

Melquíades – Além disso, veja, Joaquim, a base do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, é chamado Sindicato dos Metalúrgicos, mas não se chama só Sindicato dos Metalúrgicos. Os trabalhadores são de metalúrgicas, mecânicas e material elétrico. Então, veja, quantos filiados, quantos trabalhadores, nessa categoria ampla, para ficar em apenas um sindicato, teriam que ter um poder fantástico, e está provado que esse poder não existe. Porque uma ordem de greve, adotada pelo sindicato, não é obedecida por todos, em todos os setores.

Joaquim – O poder do sindicato é pequeno? O senhor acredita que se ele fosse transformado em 320 sindicatos a coisa seria maior?

Melquíades – Tenho a impressão que é muita burocracia. Burocratiza muito, se você tem organizações menores, acho que o poder de luta delas até aumente. Aliás, até a propósito, estava dizendo que esse projeto, vou citar aqui uma declaração do Ministro do Trabalho, o senhor acha que o projeto dele é para dividir a classe trabalhadora, então ele responde os meus argumentos com esta declaração: “Até agora quem tinha o poder de dividir era o governo, pois somente a ele cabia o papel de autorizar novos sindicatos. A nova lei passa esse papel aos trabalhadores, que decidirão sobre sua união ou sua divisão”. Isso não é mais democrático? Os próprios trabalhadores definirem, como foi levantado antes pelo Jorge?

 Joaquim – Veja bem, esse negócio de liberdade é um conceito quase subjetivo, se nós analisarmos o estágio de democratização de um país. Como por exemplo: o Chile é signatário da Convenção 87, está mergulhado na mais assassina Ditadura. O Uruguai e a Argentina são e estiveram mergulhados em ditaduras que, graças a Deus, o povo resgatou a liberdade de eleger os seus mandantes. Agora o que o movimento sindical quer, se nós tirarmos o Imposto Sindical e permitimos o sindicato por empresa, vamos ter sindicato pelego que não acaba mais, muito mais do que agora. A partir do momento que o empresário ver uma fraqueza no seu sindicato, ele dá uma de paternalista e…

Melquíades – Mas, Joaquim, qualquer problema que tem uma empresa, quem vai decidir lá são os empregados, eles estão sentindo diretamente…

Joaquim – O mecanismo para a solução dos problemas dos empregados não é um sindicato por empresa. É uma comissão de fábrica, que os empresários se negam a conceder.

Jorge Abdush – Os países europeus também tem vários sindicatos por categoria, não obstante isso, o movimento sindical europeu é forte.

Joaquim – Acho que tem nos Estados Unidos e tem na Alemanha…

Melquíades – Mas o sindicato por categoria é o que está aqui

Jorge Abdush – Mais de um sindicato por categoria…

Joaquim – Vocês acham que o sindicalismo americano é pujante?

Rodolfo – Joaquim, nós já falamos bastante sobre autonomia sindical, acho que podíamos dar uma virada no assunto. O Severo Gomes, o senador, aliás, e segundo ex-Ministro da Indústria e Comércio, por favor.

Severo Gomes (Senador – PMDB) – Meu caro Joaquinzão, em todas as vezes em que você e outros líderes dos trabalhadores começaram a discutir o chamado “pacto social”, colocavam sempre uma questão preliminar: a suspensão do pagamento da dívida externa. Gostaria que você explicasse para todos nós porque que os trabalhadores colocam a questão da suspensão do pagamento da dívida externa e um tratamento diferente a negociação como um ponto de partida em qualquer pacto interno?

Joaquim – Ilustre Senador, a nação brasileira atravessa novamente uma crise. A negociação da dívida leva o Brasil a contrair mais empréstimos, o que significa dizer que a nossa dívida vai aumentar. A bola de neve vai aumentar, para pagar serviços. A dívida externa não é externa, é uma dívida eterna, porque é impagável. E a exportação das nossas riquezas para países industrializados tem sido a tal ponto que tem inviabilizado a possibilidade do nosso crescimento. O pagamento da dívida externa e o seu serviço nos termos dos interesses do Fundo Monetário Internacional e do Banco de Paris põe em cheque a própria democracia. Inviabiliza essa, tal o volume das exportações de capital que fazemos para países industrializados. O Brasil, um pais importador de capitais, transformou-se recentemente em exportador de capitais. Está na hora de o governo brasileiro e do Brasil resgatar a soberania e suspender o pagamento da dívida. Porque? O Brasil já é inadimplente com relação ao principal, e eu acho que temos que dar um tempo. Não digo que esqueçamos um compromisso, mas a dívida externa paga nos atuais termos é inviável. Não se pode paga-la e redirecionar a economia brasileira. A nossa proposta, Senador Severo Gomes, tem sido no sentido de que o Brasil suspenda, por 8 anos, ou o necessário, ao pagamento da dívida.   Congelar esse serviço e redirecionar essa exportação brutal de dólares para o estrangeiro para dentro do território nacional, redirecionando a economia brasileira, fortalecendo o setor produtivo. Posteriormente, com o excedente das nossas exportações, possamos pensar em voltar a pagar a dívida externa. Atualmente, sua excelência, o Tancredo Neves disse em praça pública inúmeras vezes, e esse compromisso o presidente Sarney reassumiu, em tom bastante solene, de que a dívida externa não poderia continuar sendo paga com o sacrifício dos brasileiros. Está na hora de nós cobrarmos do presidente da república. A dívida está sendo paga, principalmente agora, com pesadas perdas salariais e um imenso sacrifício da sociedade brasileira, principalmente no campo social, da agricultura, do lazer, da saúde e da educação. Enfim, 40 milhões de brasileiros vivem em condições abaixo dos padrões humanos de vida. Entendemos que só podemos voltar a paga-la depois de aumentar consideravelmente a nossa produção. Não há possibilidade do aumento dessa sem a criação de uma política agrícola competente, com fundos e sérios investimentos, que só se tornarão possíveis e viáveis quando nós suspendermos o pagamento da dívida externa e seu serviço.

Jorge Abdush – Esses investimentos não poderiam também ser feitos com capital multinacional, que você criticou aqui no começo do programa, mas que você também reconhece que paga melhores salários que a própria empresa nacional?

Joaquim – As empresas multinacionais que operam no Brasil, trabalham com uma mão-de-obra extremamente barata, embora possam até pagar salários superiores ao que paga o empresário brasileiro. A nossa média salarial é das mais baixas do mundo. Quando existem mini ou maxi desvalorizações, os nossos salários passam a ser mais inferiores em relação aos padrões salariais do mundo inteiro. Haja visto que hoje o nosso salário mínimo está por volta de 40 dólares, é o mais baixo pago em toda a história do salário mínimo. Acho que o governo tem a ver com isso, não existem empresas em São Paulo que paguem o salário mínimo. Mesmo porque as corporações profissionais mais combativas, mais dinâmicas tem estabelecido na sua convenção coletiva de trabalho pisos salariais. Mas a verdade é que o salário em algumas regiões do Norte de Nordeste, é o salário mínimo.

Rick Turner – O senhor mencionou o perigo que representaria o fim da Contribuição Sindical, na medida que ele significaria também o fim do custeio da atividade sindical. Agora, o custeio da atividade empresarial é o lucro. Se nós pegamos a indústria automobilística, por exemplo, a Volkswagen. Duas vezes nessa década conseguiu terminar o ano com lucro. No ano passado, ela teve 146 milhões de dólares de prejuízo. Enfim, depois do Plano Cruzado e outras coisas. Discordo quando o senhor diz que foi um ano de grande rentabilidade. Pode ter sido um ano de vendas, mas as margens diminuíram em muitos setores. Quando uma auto latina chega e reivindica uma diminuição dos impostos, do IPI, para conseguir melhorar suas vendas e o Bresser recusa. Porque ele está tendo que financiar o déficit público criado pelo seu partido. A auto latina está também na mesma situação, da mesma forma que o sindicato perde o custeio da sua atividade, ela tem que tomar algumas opções. A opção que ela tomou foi 4 mil desempregados, na sexta-feira antes dessa última. Ou seja, o que que o senhor propõe, no caso se o senhor tivesse que exercer o papel dele quando ele está tendo os seus lucros significativamente ameaçados, até anulados pelo governo, o que sobra para ele fazer?

Roberto Camargo – Outra em complemento, o que o senhor pensa da presença do Estado na economia hoje, o tamanho do Estado na economia?

Joaquim – Gostaria de responder a pergunta do ilustre jornalista primeiro, depois respondo a sua. Não sei se tem alguém aqui, neste plenário, em casa, o telespectador que nos honra com a sua preciosa atenção, que acredite que a Volkswagen feche no vermelho. Eu não acredito. E acredito que o telespectador seja unânime nessa opinião também. As multinacionais tem os seus preços, os seus lucros estabelecidos nas suas matrizes de origem. Se o preço por unidade, o lucro foi menor, com o congelamento. As empresas se serviram de todos os mecanismos lícitos e ilícitos para burla-lo. Em segundo lugar, aumentou-se a produção, e se exportou tanto quanto pode exportar. A absorção do mercado interno, embora tenha sido maior em 1986 por conta do Plano Cruzado, que aumentou o poder de compra, não significativamente, mas aumentou, reempregou milhares de criaturas que estavam fora dos seus postos de trabalho. Mas não foi o suficiente para absorver toda a produção do complexo automobilístico. E os navios continuaram exportando, para a Arábia, não sei para onde, o fato é que as empresas automobilísticas exportam. Agora, admitir que Ford, Volkswagen, que as empresas multinacionais fechem no vermelho, é mais fácil eu acreditar a passagem de um elefante para o fundo de uma agulha. Respondendo a sua pergunta, acho que o todo o governo intervêm mais ou menos na economia, no seu país. Aqui já se falou da abertura do Gorbatchov. Gostaria de lembrar que li nos jornais. Estive na União Soviética estudando o problema, não li os jornais, eu fui lá, e realmente está com um programa de abertura, descentralizando as decisões. Descentralizando o poder. Porque toda Ditadura, seja ela de esquerda ou de direita, tem um momento que ela cansa, e ela tem que descentralizar o poder. O Gorbatchov está fazendo, timidamente, ainda, mas já está criando a pequena empresa, a empresa familiar, quer dizer, criando a iniciativa privada. Redistribuindo o controle das empresas através do voto direto, a eleição dos gerentes das empresas, e algumas outras medidas, já postas em prática pela China, também, principalmente no setor de produção de alimentos, mas essa democratização é normal…

Roberto – Eu só gostaria de fazer um parênteses para não perdermos o fio da meada, principalmente. Vou fazer aquela pergunta em seguida sobre a indústria automobilística. Por exemplo, a carga tributária incidente no Brasil sobre o automóvel, e o que me levou a perguntar sobre a presença do Estado na economia, o senhor a considera elevada, como reclamam os dirigentes do setor, ou não?

Joaquim – Continuando, houve sempre intervenção do governo na economia. Volto a repetir que o fez de forma incompetente, e acredito que tenham causado sérios prejuízos. Mas a sede de industrialização nesse país levou a um descompasso nos setores produtivos, em que se priorizou o setor de transformação, a indústria, em detrimento da agropecuária e da lavoura que ficou abandonado. Daí a imigração violenta da população do Norte de Nordeste, a ponto de transformar São Paulo na segunda capital com maior número de nordestinos. Em busca de um mísero salário mínimo, disputando nas portas das fábricas, em consequência do descaso das políticas agrárias. Acho que a tributação, e quando falamos em democratização, acabamos com uma parte da ditadura, que é a formal dos militares. Mas as outras ditaduras ainda permanecem. Uma delas é a fiscal, a da posse da terra. Não se democratizou e tampouco se amenizou o desastre que significa essa luta desigual do roceiro com a enxada nas costas lutando contra milícias paramilitares fortemente armadas e bem preparadas pela UDR. Mas acho que a ditadura tributária, nós não acabamos. E já propus inúmeras vezes que o trabalhador e a própria empresa automobilística, a ANFAVEA o fizesse. Que trouxesse a público o preço do carro hoje, quanto vai de matéria-prima, mão-de-obra, insumos, de ICM, para demonstrar claramente que, ao invés de se demitir trabalhadores, se não era preferível negociar com o governo. Mas preferiram uma coisa mais fácil, a dispensa dos trabalhadores.

Jorge Escosteguy – Você, como militante do PMDB, vai dar no mínimo a sua opinião sobre o próprio PMBD e o governo, cuja maioria é desse partido, que vai fazer uma convenção no próximo dia 18. Eu gostaria que você me respondesse: você é a favor do mandato de que tamanho do presidente José Sarney, e se você está de acordo com essas últimas medidas do governo, entre elas a aproximação e possivelmente um acordo com o Fundo Monetário Internacional.

Joaquim – Sempre fui contrário a submissão do Brasil ao Fundo Monetário Internacional e as suas receitas. Acho que, no próximo dia 18 e 19, vamos ter uma convenção do PMDB, espero estar e participar dela, no sentido de alertar, conseguir levar a nossa postura de dirigente sindical. Agora, se nossa voz vai ser ouvida ou não, é um problema de posterior análise, mas vamos levar a nossa proposta. No sentido de que o PMDB busque e localize os grandes problemas, detrás de uma discussão muito profunda com as bases, acerca de qual é a sua postura. Com relação a dívida externa, a reforma agrária. Estamos elaborando uma Constituição, e sempre disse que ela deverá determinar o tempo do mandato do presidente. Não cabe ao presidente da república dizer se ele quer ficar, ou não cinco anos. A minha opinião é de que o mandato deva ser de 4 anos.

Rodolfo – Muito obrigado, Joaquim, nós vamos terminando o Roda Viva por aqui.

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