1º de Maio. Sua origem, seu significado, suas lutas – capítulos 5 e 6

30 maio 2017 . 16:29

Comício do dia 1º de Maio de 1924, no Rio de Janeiro. Acervo Asmob

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A data do Primeiro de Maio foi adotada para a comemoração do trabalho pelo Congresso Internacional de Paris no ano de 1889 e confirmada pelos congressos de Bruxelas e Zurique em 1891 e 1893. Festa exclusivamente popular, ela se destina a preparar o advento da mais nobre e fecunda das aspirações humanas: a reabilitação do proletariado para a exata distribuição de justiça, cuja fórmula suprema consiste em dar a cada um o que cada um merece.

Capítulo V

A decisão

Superados os anos que seguiram à derrota da Comuna de Paris, o proletariado em quase toda a Europa começa a reerguer-se criando vários partidos e desenvolvendo uma luta constante que chega até mesmo ao imenso Império czarista russo. Simultaneamente verifica-se uma superação do corporativismo nos velhos setores operários; há um progresso na cultura e na consciência dos trabalhadores. O movimento faz-se mais político e alternativo para o sistema burguês e o marxismo penetra em profundidade no corpo social, tornando-se a corrente mais representativa. Todo esse salto de qualidade exige nova forma de associação internacionalista. Engels será o motor que acionará um conjunto de forças que a torne possível (Marx já havia morrido em 1883).

No centenário do início da Revolução Francesa, em quatorze de julho de 1889, reúne-se em Paris um congresso operário de tendência marxista. Estão presentes trezentos e noventa e um delegados: duzentos e vinte e um franceses, oitenta e um alemães, vinte e dois ingleses, quatorze belgas, oito austríacos, seis russos, além de holandeses, dinamarqueses, suecos, noruegueses, suíços, poloneses, romenos, italianos, húngaros, espanhóis, portugueses, além de observadores norte-americanos, finlandeses e argentinos. Os delegados representam cerca de três milhões de trabalhadores. Esse congresso passa à história como o da fundação da Segunda Internacional.

Depois de uma semana de debates, o sábado, vinte de julho, é o último dia do congresso, e os delegados devem votar as resoluções conclusivas. À tarde, num calor terrível – com os participantes numa sala cheia, amontoados nos cantos para fugir do mormaço que se filtra pelos vidros do teto -, o belga Raymond Lavigne encaminha à mesa uma proposta. O presidente de turno, Émile Vanderveld, faz a leitura:

“Será organizada uma grande manifestação internacional com data fixa, da maneira que em todos os países e cidades, ao mesmo tempo, os trabalhadores imponham aos poderes públicos a redução legal da jornada de trabalho a oito horas e a aplicação das outras resoluções do Congresso Internacional de Paris.

Considerando que uma manifestação similar já havia sido marcada para o Primeiro de Maio de 1890, pela American Federation of Labor, no congresso de dezembro de 1888, o que se desenrolou a Saint Louis, tal data é adotada para a manifestação internacional.

Os trabalhadores das diversas nações deverão realizar manifestações nas condições que serão impostas pela situação especifica dos seus países”.

Essa proposta é aprovada por aclamação. A resolução deixa a cada país a escolha da melhor atitude a adotar em função da diversidade de condições em que atuem. Além disso, a deliberação prevê que o protesto deverá ser apenas para o ano de 1890, sem a pretensão de repetir esse evento nos anos futuros. Seguramente aqueles homens e mulheres ali reunidos não podem ainda imaginar o enorme desenvolvimento que terá esse projeto, aprovado junto com tantos outros.

A preparação não é coisa simples; às dúvidas da possibilidade de um combate assim vasto somam-se dificuldades objetivas: divisões existentes no movimento, situações extremamente diferentes, repressão etc. Entretanto todos os militantes socialistas e operários se dispõem, com o espírito de luta e sacrifício, a transformar o Primeiro de Maio de 1890 em algo digno de nota na história.
Nesse mesmo dia, sai mais uma edição do Manifesto Comunista em língua alemã, e no prefácio Engels escreve:

“Proletários de todo o mundo, uni-vos! Somente poucas vozes responderam quando, há mais f quarenta e um anos, lançamos pelo mundo esse grito, às vésperas da primeira revolução parisiense na qual o proletariado avançou com reivindicações próprias. Todavia, a 28 de setembro de 1864 os proletários da maior parte dos países da Europa ocidental se uniram na Associação Internacional dos Trabalhadores, de gloriosa memória. A Internacional, é verdade, não viveu mais que nove anos. Contudo a melhor prova de que a eterna união que ela lançou entre os proletários de todos os países está ainda viva e mais forte que nunca é a jornada de hoje. Nesse momento, enquanto escrevo essas linhas, o proletariado europeu e americano desfila suas forças, pela primeira vez mobilizadas como um só exército, com uma só bandeira e por um só objetivo imediato: a conquista da lei da jornada normal de trabalho de oito horas, já proclamada no congresso da Internacional em Genebra, em 1866, e depois, pela segunda vez, no congresso operário de Paris, em 1889. O espetáculo desse dia demonstrará claramente aos capitalistas e aos proprietários de terra de todos os países que os proletários de todos os países estão realmente unidos.

Se ao menos Marx estivesse comigo para ver este espetáculo com os seus próprios olhos! ”

Um importante acontecimento propicia grande ânimo aos militantes em todas as partes. No dia 20 de fevereiro de 1890, realizam-se eleições para o parlamento do Império alemão, e o Partido Social Democrático, filiado à Internacional, obteve surpreendente votação, colocando-se em primeiro lugar. Depois disso, todos os observadores concentraram-se para saber como seria o Primeiro de Maio em terras germânicas. Os sociais democratas, temerosos de provocações que pudessem dará armas ao governo, fizeram um apelo muito cauteloso: “O proletariado alemão celebrará o Primeiro de Maio! Esse objetivo será completamente atingido com reuniões operárias, com festas e manifestações nas quais as decisões serão tomadas com as massas, na linha do Congresso de Paris. Onde o Primeiro de Maio puder suspender o trabalho sem criar conflito, que o suspenda…”

Como vemos, a insistência é para que só se realizem atos que tenham amplo consenso e que as greves sejam efetuadas só se não houver conflito – de fato coisa praticamente impossível na realidade da Alemanha de então. Um outro fato a notar é a determinação de se fazer festas, ou seja, desde o início surge esse conceito de festejo ligado ao Primeiro de Maio e que tantas discussões trará posteriormente.

Por falar em festa, é necessário recordar outra coincidência. O Primeiro de Maio entre os antigos romanos era a solenidade das deusas Flora e Maia, ou seja, os folguedos das flores e cereais e o anúncio da primavera. Era um dia em que se suspendia até mesmo o trabalho dos escravos. Essa tradição de alegria e contato com a natureza que ressurge subsistiu em toda a Idade Média, principalmente entre os camponeses. Não podemos esquecer que a maior parte da classe operária que se formava tinha sua origem nos campos, e trazia dentro de si muitos dos costumes mais arraigados de seus antepassados. Talvez isso explique por que desde o início esse dia de luta esteve ligado ao conceito de festa do trabalho.

As forças da reação

A reação do empresariado e do governo alemão é áspera. Ameaçam despedir em massa aqueles que paralisarem a produção e fechar as fábricas por quinze dias, não pagando salários. Apesar dessas intimidações e de certa frieza do Partido Social Democrático, as manifestações e as greves são consideráveis em todo o país. Ocorrem poucos e localizados conflitos, entretanto são milhares os que perdem os empregos. Abre-se um longo período de lutas para a defesa dos que foram demitidos. O ataque da reação é enfim contido e o movimento político e sindical dos trabalhadores sai fortalecido.

Na Inglaterra, berço da revolução industrial, há muita divisão, e o perigo de fracasso da manifestação é grande. Numerosas organizações operárias estão controladas por tendências moderadas que visam evitar a todo custo qualquer radicalização. Para conseguir o maior número possível de participantes os setores combativos, liderados por Eleanor Marx e Edward Aveling, concordam em modificar a data do Primeiro de Maio, que cairá numa quinta-feira, para o domingo dia quatro.

Superados os inconvenientes, a concentração se realiza no Hyde Park de Londres – e será um sucesso. Vejamos como Engels comenta os acontecimentos em carta enviada no dia nove desse mesmo mês ao dirigente socialista alemão August Babel: “A concentração do dia 4 de Maio foi verdadeiramente gigantesca, e toda a imprensa burguesa foi obrigada a admitir. Eu estava na tribuna número quatro (um grande carro de transporte) e conseguia ver somente uma parte – um quinto ou um oitavo – da multidão, mas até onde meus olhos chegavam havia um mar de cabeças. Entre duzentas e cinquenta e trezentas mil pessoas, das quais três quartos eram trabalhadores”. Em outra missiva a Laura Marx, escreve: “Posso garantir que, ao descer daquele velho e pesado carro que servira de tribuna, pareceu-me que eu havia aumentado de tamanho, porque pela primeira vez depois de quarenta anos eu senti de novo a voz inimitável do proletariado inglês”.

O Primeiro de Maio foi comemorado em muitas outras nações. Na França, ocorreu sob estado de sítio e com terror, da parte da República, temerosa de que se instalasse uma nova Comuna. Nos vastos domínios do Império austro-húngaro, multiplicam-se as expressões dos trabalhadores, sobressaindo a marcha de Viena com cento e cinquenta mil participantes. Sem incidentes graves, verificam-se reuniões, assembleias, marchas e festas também na Suíça, na Bélgica, na Suécia, na Noruega, na Dinamarca e em Portugal. Ocorrem tensões muito fortes na Itália. No Império russo, a repressão consegue bloquear qualquer ato, com exceção de Varsóvia (que, àquela época, fazia parte do Estado russo). Na Espanha, a comemoração é feita por anarquistas e socialistas unidos. Há protestos reprimidos em Argel (Argélia) e Túnis (Tunísia), embora somente por europeus que lançam as bases do Primeiro de Maio em outro continente.

São apenas três os países da América Latina a aderir ao movimento. A Argentina, onde, com fortes divisões entre anarquistas e socialistas, se realizam várias assembleias. A capital do México, onde se desenvolve grande manifestação de mexicanos e imigrados europeus. E a mais importante, em Havana, capital de Cuba, que ainda era colônia espanhola. Depois de uma passeata que tem origem no Campo de Marte e se desloca até o centro da cidade, realiza-se um comício em que falam quinze oradores, a maioria de posição anarquista. Pedem as oito horas e criticam a discriminação sofrida pelo trabalhador negro.

Nos Estados Unidos, o movimento efetua várias atividades, mas com muita desunião, pois a maior parte dos sindicatos tem ainda caráter corporativo contrário ao socialismo. Assim sendo, os seguidores da Internacional realizam seus atos à parte. Isto enfraquece a data do Primeiro de Maio nos EUA, a qual praticamente não será mais comemorada pela maioria dos sindicatos que dão preferência a uma outra, a qual persiste até os dias de hoje. Trata-se do Labor Day (Dia do Trabalho), na primeira segunda-feira de setembro. É triste que um sindicalismo com tão alto espírito de sacrifício e luta não tenha seguido a maioria dos trabalhadores do planeta.

O Primeiro de Maio de 1890 tem o significado de enorme êxito do espírito internacionalista e de reforço da luta dos trabalhadores em todas as partes. Entusiasmados com o sucesso atingido, diversos partidos socialistas e vários sindicatos propõem que se repitam mais uma vez as manifestações do ano seguinte. O Partido Socialista Operário Espanhol, no encontro de agosto de 1890, resolve: “Em todos os Primeiros de Maio o partido organizará manifestações para reclamar dos poderes públicos a legislação protetora do trabalho, elaborada no congresso de Paris”.

Assim, em maio de 1891 o proletariado se exprime, aumentando ainda mais sua área de atuação, tanto em extensão, como em profundidade. Todavia nesse ano a burguesia e diversos governos serão muito mais duros, e ocorrerão numerosos choques em muitas cidades do mundo. O mais grave deles se dá em Foumiers, na França. Nessa região existe uma velha tradição: recolher no campo uma pequena árvore – nessa época toda florida -, que se chama mai fleuri (maio florido), leva-la para a praça principal e aí realizar, a seu redor, um baile. Os industriais naquele ano não permitem que as fábricas encerrem as atividades, e pedem ao exército que envie reforços. Quando começa a cerimônia, os oficiais dão ordem imediata de disparar. Na pequena praça, junto com as flores esmagadas e ensanguentadas, permanecem dez mortos, entre eles duas crianças. A emoção será enorme em todo o país.

Entretanto, de modo geral esse novo Primeiro de Maio de 1891 tem um caráter muito mais incisivo. E a novidade mais interessante é que na capital russa, São Petesburgo, ocorre uma manifestação, ainda pequena, mas importante porque abria uma brecha num Estado ditatorial.

Tais movimentos influenciam a Igreja Católica, até então fechada a qualquer novidade do mundo moderno e às questões do trabalho. No dia quinze de maio, o para Leão XIII publica a encíclica Rerum Novarum, que exercerá forte ascendência, por décadas, sobre a doutrina social da Igreja. Apesar de suas limitações e dos aspectos retrógrados, abre espaço para a criação de um movimento operário de matriz católica em alguns países.

O segundo congresso da Segunda Internacional reúne-se em Bruxelas, de 16 a 23 de setembro de 1891, e conta com a participação de trezentos e trinta e sete delegados de quinze nações. No balanço realizado sobre as atividades dos dois anos anteriores, destaca-se o vigor demonstrado pelas manifestações do Primeiro de Maio. E no final do encontro foi aprovada uma resolução histórica: tornar permanente o Primeiro de Maio como “festa dos trabalhadores de todos os países, durante a qual o proletariado deve manifestar os objetivos comuns de suas reivindicações, bem como a sua solidariedade”.

A decisão estava tomada. O atalho estava aberto, mas muito sangue ainda correria para transforma-la em larga avenida, por onde passariam e continuam a passar milhões de trabalhadores na luta por sua emancipação e a transformação da sociedade.

Capítulo VI

NO BRASIL

Quando o congresso socialista de Paris de 1889 decidiu sobre a manifestação internacional do Primeiro de Maio, o Brasil havia deixado de ser um país escravista há apenas um ano (1888) – o último país do mundo a pôr fim à vergonha da escravatura colonial.

O surgimento do Estado independente brasileiro, em 1882, praticamente não traz mudança substancial à estrutura social e econômica herdada do período da dominação portuguesa. Permanece a produção fundada na grande propriedade agrícola com a exploração do braço escravo. A partir de 1850, essa situação começa a se modificar lentamente. Com a lei de extinção do tráfico negreiro, liberta-se um bloco de capital que será empregado no desenvolvimento do café, produto com mercado em expansão na Europa de nos Estados Unidos.

A cultura do café é de tal ordem, que o melhor é empregar mão-de-obra europeia

O café é planta delicada que exige muita aplicação de dinheiro, não sendo, portanto, o rude trabalho cativo o mais indicado. Além do mais, o custo dos escravos aumentara, já que não houve novas levas e a mortalidade entre os negros era muito alta. Começa então a importação de mão-de-obra europeia. Em poucas décadas, milhões de portugueses, italianos, espanhóis, poloneses, alemães e outras nacionalidades imigrarão em substituição do escravo africano.

O cafezal tem fome de terra e se aprofunda pelo interior, afastando-se do litoral rumo ao oeste. Isso obriga à criação de uma rede de estradas de ferro para o transporte de café para os portos, visando à exportação. Esses portos devem ampliar as instalações para poder escoar a massa de milhões de sacos trazidos pelos vagões ferroviários.

O crescimento das cidades. Novos hábitos e padrões de consumo e comportamento. O aparecimento da classe operária

Os lucros originados desse comércio concentram-se principalmente nas mãos dos fazendeiros, dos quais muitos que antes habitavam as próprias terras passam a morar nas cidades, onde cultivam novas necessidades de consumo. Os núcleos urbanos crescem, abrem-se avenidas, instalam-se bondes, iluminação, sistemas de esgoto e tantos outros elementos indispensáveis à sociedade urbana. A consequência lógica é que o trabalho se diversifica. Se antes o eixo de tudo eram as fazendas, quase auto-suficientes, nessa nova fase o trabalhador do campo, imigrante ou ex-escravo, encontra novas possibilidades. Pode-se empenhar nas ferrovias, nos portos ou na construção civil. São indivíduos que devem comer e vestir. Torna-se urgente a ampliação das indústrias têxteis e de alimentos – e assim se dá o surgimento da classe operária.

A industrialização no Brasil

Façamos algumas observações sobre a origem da industrialização brasileira. Ela se inicia muito atrasada em relação aos polos mais avançados do mundo, um século depois da Inglaterra e pelo menos cinquenta anos após os Estados Unidos. Enquanto outros países haviam-se industrializado na época da livre concorrência e de forma mais ou menos isolada, o Brasil o fez na época do imperialismo, ou seja, no interior de um sistema mundial de capitalismo ao qual se integra de forma dependente, sofrendo forte condicionamento para atingir as fontes de capitais, mas com pouco controle sobre o seu mercado exterior. Além disso, não lhe ocorrera uma “revolução” na base econômica, a qual continua fundamentada na grande propriedade e na monocultura. Outro aspecto grave é que essa industrialização dá os seus primeiros passos enquanto ainda existe o regime escravista, que corrompe, degrada, inibe e desvaloriza o trabalho livre. Os patrões das fábricas muitas vezes são os donos ou ex-donos de escravos, e como tal se comportam com os trabalhadores de seus estabelecimentos.

É evidente que diante desse quadro não se pode falar seriamente em leis sociais durante o período colonial. Recordemos o decreto de 1850 que regulava as relações entre empregados e empregadores do comércio, e o decreto de 1879, para os trabalhadores livres do campo, que extinguia uma série de obrigações feudais e proibia os castigos físicos, multas ou prisões por cláusulas não cumpridas no contrato. Mesmo as poucas leis elaboradas caíram imediatamente no esquecimento e o arbítrio dos mais fortes era total. Isso não quer dizer que não houve conflitos, choques, greves e até mesmo insurreições, com algumas vitórias parciais que ajudaram a acabar com a escravidão e o Império.

No momento da proclamação da República (1889), a condição do trabalhador era muito simples. Não possuía direito nenhum. Não havia limites de horas de trabalho, aposentadoria, salário mínimo, estabilidade, seguro contra acidentes etc. Os embriões das organizações de resistência operária são mal vistos ou perseguidos. Na prática são permitidas apenas associações de assistência e caridade.

Dois positivistas progressistas

Dois juristas positivistas, Teixeira Mendes e Miguel Lemos, sensibilizados por essa situação, aproveitam o fato de haver vários ministros de tendência positivista no governo provisório republicano, enviam, através do ministro da Guerra, Benjamin Constant, anteprojeto de regulamentação das relações do trabalho que visava à “incorporação do proletariado na sociedade moderna”. O anteprojeto, dizem os elaboradores, havia sido apresentado para a consulta de cerca de quatrocentos operários. Propõe um salário de “substância” (que hoje poderíamos chamar de mínimo), aposentadoria, estabilidade depois de sete anos de trabalho, seguro contra acidentes, quinze dias de férias anuais, um dia de descanso por semana e limite de sete horas de trabalho por dia. O anteprojeto refere-se apenas às “oficinas públicas”, ou seja, àqueles trabalhadores dependentes do Estado, por se considerar limitação à liberdade impor ao patrão privado qualquer tipo de coerção reguladora do trabalho em suas empresas. Depois de muitos agradecimentos a Teixeira Mendes e Miguel Lemos da parte do governo, o anteprojeto desapareceu na poeira das estantes ministeriais.

Os únicos decretos sobre o assunto baixados pelo governo provisório são os que concediam quinze dias de férias aos funcionários do Ministério de Indústria e Agricultura e aposentadoria aos empregados (não aos operários) das ferrovias. Regulamenta-se também o trabalho do menor em 17 de janeiro de 1891. O decreto assinado pelo marechal Deodoro na “conveniência e na necessidade de regularizar o trabalho e as condições dos menores empregados em avultado número de fábricas da Capital Federal, a fim de evitar que, com prejuízo próprio e da prosperidade futura da Pátria, sejam sacrificadas milhares de crianças”. Essa lei tinha valor territorial limitado somente à Capital Federal. Vamos ver em resumo do que se tratava. Prevê-se que a admissão ao trabalho fabril seja exequível apenas aos doze anos completos, “salvo a título de aprendizado nas fábricas de tecido”, onde será permitida a presença de crianças com oito anos completos durante seis horas. Entre os doze e os quinze anos podia-se trabalhar “somente” nove horas diárias não consecutivas. A partir dessa última idade, não havia limite. Seguia-se uma série de normas para evitar o trabalho nocivo.

Pois bem, mesmo essa lei tão acanhada e restrita a uma só cidade permaneceu sem aplicação prática. Em compensação, outras duas leis, incluídas no Código Penal, tiveram ampla utilização:
“Artigo 205 – Seduzir ou aliciar operários e trabalhadores para deixar os estabelecimentos em que forem empregados sob promessa de recompensa ou ameaça de algum mal. Penas de prisão celular de um a três meses ou multa.

Artigo 206 – Causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho, para impor aos patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário. Pena de prisão celular de um a três meses. ”
Os ecos do movimento internacional pelas oito horas alcançaram lentamente as terras brasileiras – terreno adverso, pedregoso, difícil de germinar, tanto pela violência do sistema repressivo quanto pela debilidade da classe operária que ainda está nascendo, constituída principalmente por grupos de estrangeiros que pouco conheciam do país, dividida por nacionalidades e espalhada por algumas cidades afastadas umas das outras. Surgem os primeiros grupos de socialistas e anarquistas que, entretanto, encontram dificuldades insuperáveis para conseguir contato direto entre as massas trabalhadoras.

As notícias que hoje possuímos sobre os albores do Primeiro de Maio no Brasil são poucas e fragmentadas. Podemos associar, mesmo que de forma indireta, as demonstrações do Primeiro de Maio de 1890 no mundo a uma reunião realizada na cidade de São Paulo. No dia 15 de junho desse ano, um grupo de ativistas se encontra no salão do teatro São José, para tentar formar um partido operário. Elege-se uma comissão composta por Francisco Cascão, Miguel Ribeiro e Carlos Hermida, para elaborar um programa, cujo segundo ponto diz: “Promover a fixação de oito horas de trabalho”. Esse partido desaparece rapidamente, mas a data merece ser anotada como a primeira expressão do movimento dos trabalhadores para as oito horas.

No ano seguinte, circula em São Paulo o único número de um jornal, intitulado Primeiro de Maio, e em Pernambuco o deputado Teles Júnior apresenta um projeto reduzindo a oito horas a jornada de trabalho no Estado. O projeto é rejeitado.

Em 1892, em São Paulo, é editada uma outra folha, também número único, mas desta vez em italiano, denominada 1 de Maggio sob a responsabilidade de Achille de Santis, enquanto no Rio de Janeiro, em agosto desse ano, sob a presidência de Luís França e Silva, tenta-se novamente a criação de um partido operário que se torna conhecido como o congresso de fundação do Partido Socialista. Num longo programa apresentado, o artigo vinte e seis coloca a “fixação de oito horas para o dia normal de trabalho, com redução equitativa nas indústrias nocivas à saúde, e de cinco horas para o trabalho noturno”. Poucas semanas depois, essa tentativa também vem a falir.

Em uma reunião de socialistas e anarquistas em abril de 1894, em São Paulo, por eles pomposamente denominada Segunda Conferência dos Socialistas Brasileiros decidem aprovar as resoluções do Congresso de Paris de 1889, de comemorar o próximo Primeiro de Maio. Infelizmente nada puderam fazer naquele ano, porque a polícia interrompe a reunião, e os leva presos. Tudo indica que o dedo-duro foi o cônsul italiano. Esse fato não causou surpresa, pois muitos elementos de nacionalidade italiana haviam participado do encontro, e o governo italiano construíra uma grande rede de informantes para controlar seus concidadãos imigrados. Tais espiões contavam com o apoio entusiástico dos policiais locais. Os italianos permanecem no xadrez por oito meses; os brasileiros, apenas alguns dias.

Talvez seja necessário um outro esclarecimento. Enquanto na Europa eram muito nítidas as divisões entre as diversas correntes ideológicas que se digladiavam no interior do movimento operário, aqui no Brasil tudo era ainda muito confuso. Os militantes muitas vezes se auto intitulavam indiscriminadamente de anarquistas, libertários, socialistas ou comunistas.

Santos, pioneira na comemoração do Dia do Trabalho

A cidade que teve a primazia de realizar uma reunião comemorativa do Primeiro de Maio foi Santos, em 1895. Esse ato, presumivelmente em lugar fechado, dá-se por iniciativa do Centro Socialista fundado por Silvério Fontes, Sóter Araújo e Carlos Escobar, entre outros, e existente desde 1889. Silvério Fontes foi o primeiro socialista brasileiro de tendência marxista, segundo Astrogildo Pereira. Desse ato importante, nos restam apenas as indicações sumárias de Hermínio Linhares. Uma nova tentativa de fazer nascer um partido socialista é feita no Rio de Janeiro no mesmo ano. O ponto número vinte e um do programa reza: “É considerado feriado o dia Primeiro de Maio por ser festa do proletariado”. A pretensão dos objetivos era diretamente inversa à força desse agrupamento político, que também não consegue subsistir.

O Rio Grande do Sul também nos fornece indicações de que a ideia da comemoração do Dia do Trabalho estava-se espalhando, quando a União Operária promove a apresentação de um drama teatral, em 1887, intitulada O Primeiro de Maio. O teatro é muito usado como instrumento de educação política, pois a maior parte dos trabalhadores é analfabeta e, mesmo quando sabe ler, são oriundos de longa tradição apenas oral, tanto os brasileiros como os italianos e os ibéricos. Nos decênios do início do século XX, multiplicam-se os teatros operários e mesmo alguns artistas conhecidos (como Ítala Fausta, conforme depoimento do sindicalista Roberto Morena) tiveram as suas origens aí.

Um dos primeiros militantes anarquistas, Benjamin Mota, recorda nas suas memórias (Plebe, 31 de maio de 1919) a ocorrência de diversas conferências nas cidades de Santos, São Paulo, Jundiaí, Campinas e Ribeirão Preto, no dia Primeiro de Maio de 1898. Conta-nos também que, a 11 de novembro deste mesmo ano, ele, juntamente com Gigi Damiani, Zeferino Bartolo, Estêvão Estrella e outros fizeram um manifesto para pregar nas paredes de São Paulo tendo em vista honrar o aniversário de enforcamento dos mártires de Chicago, isto porque os anarquistas ficam muito hesitantes em tornar o Primeiro de Maio a data máxima dos trabalhadores, pois essa data havia sido escolhida num congresso socialista e em muitos países confundia-se com uma festa. Eles preferem então o 11 de novembro que relembra de forma direta os “assassinados legalmente”, todos anarquistas. Voltando ao manifesto de Benjamin Mota: a repressão arranca os cartazes dos muros e encarcera todos os que os assinaram. Depois de 1900, torna-se ainda mais difícil realizar atos públicos a 11 de novembro, pois o novo rei da Itália, Vittorio Emmanuele III, faz aniversário nesse dia e a polícia alega que uma agitação que coincida com essa data significa ofensa ao cônsul italiano.

O novo século mostra a cidade de Santos sempre na vanguarda, quando em 1900 um grupo de ativistas, Severino César Antunha, Alexandre Lascala, João Faria e outros, funda um círculo operário intitulado Sociedade Primeiro de Maio. No ano seguinte (1901), é criada em São José do Rio Pardo a associação operária Club Internacional Filhos do Trabalho, que lança um documento no Primeiro de Maio escrito por um personagem ilustre, que é nada menos que o autor de Os Sertões, Euclides da Cunha. Vejamos o que diz:

“A data do Primeiro de Maio foi adotada para a comemoração do trabalho pelo Congresso Internacional de Paris no ano de 1889 e confirmada pelos congressos de Bruxelas e Zurique em 1891 e 1893. Festa exclusivamente popular, ela se destina a preparar o advento da mais nobre e fecunda das aspirações humanas: a reabilitação do proletariado para a exata distribuição de justiça, cuja fórmula suprema consiste em dar a cada um o que cada um merece. Daí a abolição dos privilégios derivados quer da fortuna, quer da força.

Para esse fim, é mister promover a solidariedade entre todos os que formam a imensa maioria dos oprimidos, sobre quem pesam as grandes injustiças das instituições e preconceitos sociais da atualidade destinada a desaparecer para que reine a paz e a felicidade entre os povos civilizados.

Promovendo entre nós a comemoração de uma data tão notável, o Club Internacional Filhos do Trabalho procura a vulgarização dos princípios essenciais do programa socialista empenhando-se em difundi-lo entre todas as classes sociais. ”

Nesse mesmo ano, em outubro ocorre a greve dos trabalhadores nas pedreiras do Rio de Janeiro, que nos interessa particularmente porque o objetivo é a redução do horário de trabalho. Serão vitoriosos, passando de doze horas se jornada a dez. Já houvera outras greves em diversas categorias, quase sempre para aumentar os miseráveis salários. Porém esta concentrava-se na diminuição da jornada, sendo pioneira desse gênero no Brasil.

Adentrando o novo século, o combate por um tempo de trabalho diário mais humano torna-se tenaz. Muitas paredes saem vitoriosas, entretanto a grande rotatividade e disponibilidade de mão-de-obra e a fraqueza geral dos sindicatos possibilitam ao ávido empregador anular o que fora conquistado pelo trabalhador. E tempos depois, novamente, tem-se de voltar à luta para reivindicar a mesma coisa já obtida anos atrás. Isto será uma constante no conflito das relações de trabalho na história brasileira.

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