Depoimento de Newton Candido

19 set 2017 . 15:18

Newton Candido foi diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Caetano e assessor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Realizado em 15/04/1989 por Carmen Lúcia Evangelho

C –Vamos começar. Queria começar com data e local de nascimento.

Newton – Essa pergunta me foi feita uma vez lá em Curitiba, estava no presídio. Falei que sou um paulista “quatrocentão”. O pessoal até estranhou essa expressão, da oligarquia aqui de São Paulo, Carvalho Pinto e outros. Mas também sou por uma razão muito simples. Se esse pessoal se diz paulista quatrocentão da burguesia, eu era das classes dominadas. Meus pais, meus avós, meus bisavós eram todos camponeses. Ajudaram a construir a economia cafeeira de São Paulo, porque também vivi em fazendas, a terceira geração anterior a mim. O pessoal da minha família tem branco português, negro africano e sangue de índio. Nasci numa fazenda de café perto de Bauru, um vilarejo chamado Tibiriçá, no dia 23 de setembro de 1936.

C – Seu pai fazia o que, Newton…

Newton – Meu pai na época que nasci trabalhava em fazenda. Nessa época, não mais diretamente na plantação e colheita. Trabalhava nas máquinas de beneficiamento de café. Além disso, logo após a crise de 1929, começou a aprender a profissão de carpinteiro, de uma maneira sui generis. Ele usou para sobreviver, fazendo até caixão de defunto. Na fazenda onde morava, a miséria era tão forte, que quase diariamente ele tinha que fazer um caixão. Principalmente para criança que morria de fome.

C – Vocês eram muitos, você era filho único…

Newton – Só sobrou eu e um irmão que mora em Franco da Rocha. Tive três irmãs, que morreram também nessa época.

C – E foram criados só vocês dois, então…

Newton – Sobrou eu e esse irmão.

C – Você tem algum fato na infância que tenha te marcado muito…

Newton – Primeiro foi o fim da 2ª Guerra Mundial. Nessa época meu pai já tinha deixado de ser camponês, para ser ferroviário. Acabou se aposentando e acompanhei um pouco esse processo. Morava numa propriedade da Estrada de Ferro Sorocabana, numa cidade chamada Itatinga. Sábado e domingo, à noite, saíamos para fazer compras. Meu pai era frequentador assíduo de cinema e eu o acompanhava. Lembro-me que nós, logo após o cinema, um dia, entramos em um bar e estava passando o Repórter Esso, na época um noticiário extraordinário. Noticiava a entrada das tropas soviéticas em Berlim. Numa cidade pequena, onde a classe dominante era pequenos comerciantes, alguns de origem italiana, estavam todos torcendo para a vitória do Hitler. Quando houve essa notícia, sentimos aquele desespero. Na hora senti algo diferente na cidade, no comportamento das pessoas. Outros acontecimentos ainda se deram nessa época. Fiz o primário em Itatinga. O curso secundário, na Escola Industrial de Botucatu, em 1948. Foi pela primeira vez na vida que vi uma greve, dos ferroviários da Sorocabana. Os maquinistas principalmente, para evitar de serem obrigados a pôr os trens as máquinas em movimento, saiam de casa. Vinha a polícia para levar o pessoal para o serviço, chegavam e não encontravam ninguém. Tinham ido para a casa de vizinhos, fugido para o meio do mato, tinham ido pescar. Criou-se um clima na cidade de tensão, principalmente próximo à estação. Acompanhei como garoto, para mim era uma festa aquilo.

C – Você lembra de alguma característica maior dessa greve, a não ser o pessoal saindo de casa para não ir trabalhar… Você lembra alguma reinvindicação, se foi vitoriosa, se teve outras consequências…

Newton – Ela não foi vitoriosa. As consequências ficaram marcadas. Um grupo foi expulso da estrada de ferro, como grevista e dirigente da greve. Homens que ajudaram a minha formação de operário, como cidadão político. Depois passei a ter contato com esses demitidos. Convivi com eles vários anos ajudando nas lutas que eles levavam a efeito na cidade.

C – Você falou dessa greve de 1948 e do dia que as tropas soviéticas entraram em Berlim. Você lembra de alguma coisa do processo de redemocratização, legalidade do PCB, eleição de constituinte…

Newton – Meu pai entrou para o partido em 1934, Partido Comunista Brasileiro ou Partido Comunista do Brasil, como era chamado na época. Foi feita uma gravação, onde ele conta esse processo. Quando houve o levante de 1935, da Aliança Nacional Libertadora, ele estava na fazenda. Havia preparação na região Bauru, para participar, se bem que foi frustrado. Ele perdeu o contato com o pessoal. Só retomamos no período de 1945, já em Itatinga. Encontramos lá um pernambucano, que era sapateiro e mantinha contato com os comunistas aqui de Botucatu. Passamos a rearticular a nossa participação. Meu pai participava, eu era garoto. Quando ele ia fazer a distribuição dos boletins, me levava. Não tinha quem o ajudasse. Nas eleições, pela primeira houve um comício dos comunistas, convocado para apresentar os candidatos. Um era o Vítor Mantorelli, um jornalista aqui de São Paulo. O convite foi feito para a praça central da cidade, que tinha um coreto, bem no meio da praça. Foi montado o palanque e o povão veio para o comício. A grande massa da população da cidade, devia ter umas seis mil pessoas. O mais próximo que ficaram, uns cinquenta metros de distância, de medo.  O padre fez uma pregação, existia fascistas na cidade. A população veio para o comício, mas com medo. Precisou que os oradores, à medida que iam falando atraiam o pessoal. A partir de um determinado momento, se aproximaram, mas demorou certo tempo. Foi o que também fez contato. Então, do ponto de vista político, posso dizer que já nasci nessa vida. À medida que nós fomos crescendo, meu pai foi nos colocando em contato com essa nova vida, esse novo pensamento, procurando orientar-nos nesse caminho.

C – Você começou a trabalhar com que idade…

Newton – Já a partir de 1950, eu estava na escola técnica.

C – Você fez escola técnica de que…

Newton – Industrial, marcenaria e desenho técnico, lá em Botucatu. Trabalhava nas férias ou à noite, fazia uns servicinhos. Efetivamente, comecei a trabalhar assim que terminei a escola, em dezembro de 1953. Já em janeiro, estava aqui em São Paulo na fábrica.

C – Que fábrica…

Newton – Em São Caetano do Sul, uma marcenaria.

C – Você lembra o nome…

Newton – Era uma fabriqueta pequena. Foi até o dono que foi buscar-nos. Trabalhei uma temporada e fui despedido, porque briguei com ele. Numa época que havia falta de luz. Em outra, tinha que entrar as quatro horas da manhã para trabalhar até as seis. Faltava luz, ficava parado até as dez. Reiniciava o trabalho porque vinha energia elétrica. Trabalhei lá uns cinco meses. Depois, fui trabalhar em uma fábrica de móveis no Bom Retiro, Móveis Pastores, até a minha ida para o exército, em 1955. Servi lá perto de São José dos Campos, em Caçapava. Fiquei preso lá até mais ou menos novembro de 1955, quando a direita tentou evitar a posse de Juscelino Kubistchek. Quando o exército tomou a frente aqui em São Paulo, nós viemos. Ficamos estacionados ali na avenida Tiradentes. O Jânio apoiava o Golpe, na época. A tentativa que houve, quando o marechal Lott botou para quebrar.

C – Que não tinha deixado o Juscelino assumir…

Newton – Não, nessa época, em novembro de 1955, ainda não tinha havido eleição. Sei que foi o Lott. Depois, saí do exército e voltei nessa mesma fábrica. Fui despedido e entrei em uma de móveis em São Caetano do Sul, se chamava Villo, no começo de 1957.

C – Você tinha alguma militância sindical ou partidária…

Newton – Em função dessas mudanças, a minha militância nesse período era muito fraca, mas mantinha contato com o pessoal. Já na minha ida para São Caetano, nessa fábrica Villo, foi por sentido político. Um período que estava se criando lá o Sindicato da Construção Civil. Participei e ajudei o pessoal, desde a fundação da associação, até a transformação em Sindicato. Meu registro na época era um número bem baixo, devia ser quatrocentos. Fui eleito logo como Conselho da Federação. Na primeira diretoria fui eleito para a Federação, reeleito várias vezes. Até que, em 1964, ajudamos a fundação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano.  Eles passaram não só a contar com a ajuda do local para se reunir, inclusive com a máquina, que era pequena, mas que foi utilizada pelos metalúrgicos para fundar o sindicato deles. Na sequência ajudamos também a fundar o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Foi para todo o ABC. Os Metalúrgicos de Santo André, São Caetano, o nosso sindicato e outros contribuíram, ajudaram com dinheiro, para a fundação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, por volta de 1960.

C – Você estava na militância via PCB.

Newton – PCB e Sindicato. Uma época de grande movimentação no Movimento Operário, a partir de 1956. Começou a surgir o Pacto de Unidade, aqui em São Paulo, em Santos e no Rio. Começou a crescer a presença no processo político do país. Vários congressos, várias movimentações, greves, greve geral. Algumas vitórias, outras um fracasso. O que possibilitou irmos avançando e crescendo a tal ponto, que chegou em 1961 nós conseguimos derrotar a pelegada e abrir o caminho para criar a CGT.

C – Você participou desse processo…

Newton – Participei de todo esse processo, em São Caetano. A primeira tarefa que nos foi dada, a criação do resultado positivo da criação do Pacto Sindical em São Paulo, que era dirigido por Pacto de Unidade de Ação. Na presidência era um bancário. Fundamos no ABC, Pacto de Unidade Sindical da Borda do Campo. Participavam todos os sindicatos, de São Caetano, Santo André e São Bernardo do Campo.

C – Você lembra de alguma liderança desse pacto…

Newton – Tinha o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, que era aquele velhinho que morreu.

C – Guinle.

Newton – Não, não era o presidente, era outro, um cara espetacular. O Guinle participava também, era da diretoria dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, de Santo André. Eu lembro do Guinle, Orison Saraiva de Castro, que foi um dos fundadores e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Pedro Daniel de Souza, que hoje está aposentado em São Caetano, presidente do Sindicato da Construção Civil. Angelo Segatti, dos Metalúrgicos de São Caetano. E outros mais, inclusive do Sindicato dos Ceramistas, de Mauá, Sindicato do Petróleo de Capuava. Foi com esse pessoal que formamos o Conselho Sindical da Borda do Campo.

C – É a primeira vez que eu estou escutando falar do Pacto de Unidade da Borda do Campo. O de Santos é falado, de São Paulo é falado, mas do ABC é a primeira vez. Se você lembrar dessas lideranças é até importante para nós buscarmos essa história.

Newton – É uma história bastante rica. Em São Caetano, tínhamos o Sindicato da Construção Civil, o Sindicato dos Metalúrgicos, que foi fundado logo depois, o Sindicato dos Têxteis, fundado em 1954. Os três sindicatos eram base da Construção Civil, Têxteis e Metalúrgicos de Santo André. Assim que se tornaram independentes de São Caetano, iniciamos lá um programa de rádio sindical. Acho que foi a primeira experiência, não me lembro de outra nessa época. Informativo do sindicato através do rádio. Chamava-se “A Voz do Trabalhador”.

C – Conta um pouco essa experiência.

Newton – Primeiro essa tarefa veio para mim. Era o diretor do sindicato que tinha mais tempo. Fazia esse programa, três vezes por semana, segunda, quarta e sexta. Uma parte noticiava, no jornal Última Hora, o noticiário do estado e da região. Pegávamos de cada sindicato, por telefone. O programa era dividido. Tinha uma parte editorial e outra de informativo local, estadual, nacional e até internacional, conforme a notícia que interessava. Aproveitávamos os dirigentes sindicais aqui de São Paulo, o Tenorinho, por exemplo, presidente da Federação da Alimentação ia sempre. Outros que apareciam por aqui, levavámos para entrevistar, bater papo. Adquirimos uma certa audiência, de tal forma que quando foi a greve geral, a primeira em São Paulo que juntou várias. A segunda de grande porte, porque em 1953 houve uma, a chamada greve de 1953, mas em dezembro de1963.

C – 1963… Porque teve a greve de 1959…

Newton – Sim, mas já em 1963, essa foi a maior. Foi para valer mesmo. Juntou metalúrgicos, têxteis. Foi dirigida já não por cada categoria em particular, mas pela CGT. A direção da CGT se deslocou do Rio e veio para São Paulo, e dirigiu a greve. A violência do governo foi grande. Na época o governador era o Adhemar de Barros, o pai do Ademarzinho do PDT. Foi violenta a repressão, principalmente em São Caetano. Não sei o que aconteceu com Santo André, que não houve paralização. Um pouco menos em São Bernardo. Conseguiram concentrar um grande policiamento em São Caetano do Sul. A polícia fez barbaridade. Cercou as sedes sindicais, não podia nem entrar nem sair trabalhador. Chegou a tal ponto que não tinha quem orientasse. O rádio passou a ser o nosso meio de ligação com os trabalhadores em greve. Quando a polícia percebeu isso, quis fechar. Já era tarde, numa fase final de greve, ela não conseguiu impedir. Mas foi violenta. Invadiam as sedes do sindicato, uma barbaridade. Apesar de o governo ser Jango, que era democrata em nível nacional. Mas aqui em São Paulo, o Adhemar era um governo de direita violento, bárbaro mesmo.

C – Você lembra a reivindicação dessa greve…

Newton – Era aumento de salário.

C – Era uma greve econômica, não política…

Newton – Não. Era econômica. Uma série de reivindicações, tinha uns doze itens comuns a todas as categorias. Quem dirigiu foi a CGT, o presidente, que se deslocou do Rio para São Paulo.

C – Quem era…

Newton – Era o Riani. Toda a direção da CGT veio para São Paulo, por causa da greve. A dos chamados setecentos mil trabalhadores. E foi para valer.

C – Uma das críticas que se faz a CGT, é que não tinha vinculação com as bases, que era de cúpula. Como era isso na realidade, no seu ponto de vista…

Newton – Isso não é verdade. Se examinarmos hoje, como foi surgir a CUT e a CGT atuais, elas surgiram de cima para baixo. Ao passo que a CGT dos anos sessenta foi o contrário. Ela começou pelo Pacto de Unidade de São Paulo, em 1954. Resultado da greve de 1953, que levou com que os dirigentes sindicais da época se sentassem numa mesa e vissem que aquela forma de ação dava resultado. Surgiu o Pacto, na sequencia o Fórum Sindical de Debates de Santos.

C – Mais tarde.

Newton – Sim, mais tarde. Mas surgiu o Fórum Sindical de Santos, o PUA no Rio, e foram surgindo pactos.

C – O PUI aqui em São Paulo…

Newton – Os pactos sindicais surgiram aqui em São Paulo, depois em Santos, no Rio, ABC, no Paraná e assim por diante, em quase todos os estados. O surgimento da CGT na vida política brasileira, depois de uma série de lutas. Greves que se desenvolveram nesse período, de 1956 a 1958. Jânio Quadros era governador em São Paulo, mandou metralhar o povo na Praça da Sé. Ninguém fala nisso. A greve dos trabalhadores da CMTC. Na época havia bonde, não queriam permitir que esse aumento fosse dado à custa de passagens. Houve uma grande concentração pública na Praça da Sé. O Jânio Quadros mandou a polícia metralhar a população. A greve da paridade dos funcionários públicos civis e militares. Dizer que não tinha base. Chegou no Golpe de 1964, a CGT decretou greve por telefone ou rádio. Em uma certa parte do país onde havia maior organização, a massa acatou a decisão. Em São Caetano, paralisou uma série de fábricas, no dia 1º de abril de 1964. Paralisou as ferrovias, Santos parou. Esse pessoal não leva em conta que nessa época o que tinha força no movimento sindical, do ponto de vista de quantidade e de organização, era o setor do transporte ferroviário e marítimo. As fábricas metalúrgicas, que hoje são a base do movimento operário, não tinham essa força, estavam começando a nascer.

C – Uma das críticas é que era de cúpula e ligada sobretudo ao governo federal. Que seriam greves com o apoio do governo federal.

Newton – Pode ser até que tenha havido, que em determinado momento coincidisse com os interesses do governo. Ao mesmo tempo tínhamos que lutar pelas reivindicações específicas da classe operária, aumento de salário, jornada de trabalho, aumento de férias, conseguimos mudanças profundas nesse período, o abono de Natal, o 13º salário, que todo mundo tira proveito hoje, conquistado nessa época. Eram reivindicações econômicas do interesse do trabalhador. Férias de 30 dias, essas coisas. Surgia o problema de aposentadoria, uma série de reivindicações, foram conquistadas. Havia coincidência entre o governo e nós. Por exemplo, queríamos mudar a situação de miséria de nosso povo, conseguir a libertação econômica do país em relação a dominação imperialista. Era necessário realizar reformas de base, agrária, bancária, tributária, de ensino, essas coisas todas. Lutávamos por isso e o governo de João Goulart dava apoio. Tinha também como representante da burguesia nacional. Porque não nós não íamos aceitar isso. Porque o governo não podia utilizar isso em função da sua política. Isso é normal, tanto é que que aquelas mesmas palavras de ordem, propostas que o governo João Goulart defendia e que também lutávamos por elas, continuam na ordem do dia até hoje. E numa situação pior. Estamos com a dívida externa, dependência ao capital estrangeiro, a reforma agrária está cada vez pior. O problema da terra não foi resolvido, a alimentação do nosso povo, matéria prima para a indústria. Assim como a mortandade de dirigentes sindicais e camponeses, que continua no Brasil de uma maneira mais violenta hoje, talvez que em 1963. Acho que isso tem que ser levado em conta. Havia uma confluência de interesses entre o movimento operário e o governo da época. Não era o governo que interessava a burguesia dominante no país, não interessava ao latifúndio. Tanto é que em 1964 deram o Golpe e acabaram com esse. Se fosse serviçal do imperialismo, era claro que nós podíamos hoje criticar, dizer que era reacionário. Ao contrário, esse governo existiu porque nós defendemos, criamos as condições para a existência do governo João Goulart. Com a renúncia do Jânio, a tendência que predominava nas forças reacionárias no Brasil, a burguesia brasileira junto com o imperialismo, com o latifúndio, com a reação que existia nas forças armadas, era uma junta militar para governar o Brasil. Foi o Movimento Operário que impediu, que em primeiro lugar saiu com a palavra de ordem, de que com a renúncia do Jânio quem devia assumir era o vice-presidente. Foi a classe operária que impediu que se fizesse a manobra em poder, inclusive com a participação de Tancredo Neves, para colocar lá uma junta militar.

C – Você disse que foi o Movimento Operário que saiu com a palavra de ordem. Você lembra de algum fato, de alguma manifestação, de algum ato, alguma coisa que pudesse exemplificar o que você está dizendo…

Newton – O Jânio renunciou no dia 25.

C – Dia 24 de agosto…

Newton – 24 ou 25, eu não lembro…Não, 24 de agosto foi a morte do Getúlio. 25 de agosto a renúncia do Jânio. Estávamos nessa semana, fazendo uma campanha na porta de fábrica em São Caetano, convidando os metalúrgicos.

C – Mas você estava pelo Sindicato da Construção Civil.

Newton – Sim, mas quando surgiu esse processo, quando surgia algo em uma categoria, ia todo mundo. Estávamos em São Caetano, preparando a festa de inauguração da sede. Soltamos boletins na porta de fábrica, dali a pouco acontece. Uma série de dirigentes sindicais, eu me lembro agora o nome do presidente do Sindicato de Santo André, uma figura importante nessa época, Marcos Andreotti. O Guinle nessa época, em relação ao Marcos, era alguns degraus abaixo. Mas uma série de dirigentes sindicais tinham sido presos. O Jânio renuncia, vem a repressão, os militares. A primeira coisa que fazem é prender os dirigentes do ABC. Levaram para Quitaúna, Marcos Andreotti, o Guinle foi junto, e outros. Em São Caetano conseguimos escapar. Chegaram até a ameaçar um fuzilamento geral, todos esses dirigentes, encostaram em um paredão. Assim, nesse nível. Em São Caetano, estávamos preocupados com a festa programada para o sábado seguinte, a inauguração da sede dos Metalúrgicos de São Caetano. A polícia disse que não podia fazer porque o clima não permitia. Foi aquela briga, uma discussão. Até elemento de corrupção, entraram de dar dinheiro para os policiais, da época do DOPS, eles tinham uma sede em São Caetano, para permitir a realização da festa. Foi feita, e essas questões que estou dando para você aqui. A palavra de ordem de posse do vice-presidente, foi tudo colocado lá para a massa. Os caras que tinha sido presos, nessa altura já libertados e vieram. O Marcos Andreotti denunciou o que tinha acontecido, foi nesse clima. Houve ameaça de paralização de alguns setores, em que havia mais organização. O pessoal já estava se preparando para paralisar em caso de não respeitar. Acontece nesse período também um fato importante que notamos, sentimos falta hoje. A organização do movimento estudantil. Havia, depois do Movimento Sindical nos anos sessenta, na medida que começava a ganhar corpo na vida social-política do Brasil, o movimento estudantil também crescia na mesma proporção e havia entrelaçamento. Havia apoio, quando precisavam de ajuda.

C – Isso atrapalhava ou ajudava…

Newton – Ajudava.

C – Eu lembro de um ato em São Bernardo, em 1980, em que o Lula diz: “Nós aqui não precisamos de estudante na porta de fábrica”, você se lembra disso…

Newton – Eu acho que ali o Lula estava certo, porque estudante ia para porta de fábrica. As propostas, palavras de ordem e orientação deles, que eram válidas. Poderia até ser para o Movimento Sindical, mas cada um dentro do seu limite.

C – E como era esse apoio mútuo nesse período…

Newton – Por exemplo, os estudantes, em 1963, realizaram lá em Santo André, um Congresso da UNE. Demos ajuda, tudo aquilo, para conseguir local, a recepção a delegações, para alojamento, essas coisas todas nós dávamos. Eles também, quando precisávamos, faziam o mesmo.

C – Era um apoio formal…

Newton – Sim. Não íamos interferir na realização do Congresso, dar a nossa orientação, nossa participação, ir lá com propostas. Nem ele vinham para o que nós fazíamos, interferir. Mas aquilo que pedíamos, aquilo que o Movimento Sindical pedia para o Movimento Estudantil eles davam. Eu tenho uma revista aqui em casa, uma Veja, que saiu em 1978, em que tem uma foto, antiga, de um comício feito por Arraes em Santo André. Na mesma estão os dirigentes sindicais, eu, o Tenorinho.

C – 1978…

Newton – Não, o comício foi feito antes do Golpe de 1964. A foto saiu na revista de 1978. Estamos eu, o Tenorinho, pelo Movimento Sindical, no palanque, o Arraes. E o pessoal da UNE, inclusive o José Serra. Mas isso acontece, o movimento avança, vai para frente ou para trás.

C – Esse comício para que era…

Newton – Na época era para as reformas. Mas já estávamos sentindo.

C – Vocês esperavam o Golpe…

Newton – Esperávamos, mas não naquela época.

C – Como é que o PCB no Movimento Sindical avaliava isso…

Newton – Essa, o Prestes deu no aniversário dele, no dia 3 de janeiro de 1964. Tinha um programa na TV Tupi, muito assistido em São Paulo, de entrevistas. Ele dizia: “…se a reação botar a cabeça de fora, nós…”. Achava que estávamos com toda a força. Tínhamos essa visão. Esperávamos haver tentativa de golpe, mas que ia se dar por agosto. Achávamos que até lá, nesse período, conseguimos estabelecer uma organização no Movimento Operário para resistir, Operário e Camponês. Tínhamos uma programação até o 1º de Maio, com comícios. A nossa ideia ia ser realizado em São Paulo, aquele monstro mesmo. De tal maneira que a reação se antecipou a esse.

C – E esse comício ia ser aqui em São Paulo…

Newton – Ia. De tal maneira que, se nós fizéssemos, se eles deixassem chegarmos ao comício do 1º de Maio, esse golpe não ia se dar como se deu.

C – Onde você estava no dia 31 de março…

Newton – Eu estava em São Caetano. Quando a CGT decretou greve, uma série de fábricas foram paradas.

C – Quando você recebeu a notícia do golpe, quando foi a sua reação…

Newton – Quando, já no dia 31, nos reunimos. Um fato curioso, sempre houve crises, várias anteriores a essa. Sabíamos que inclusive com o que aconteceu no dia 25, com a renúncia do Jânio, a reação veio e pegou uma série de pessoas. Começamos a tomar precauções. Uma parcela da diretoria do Sindicato, dos militantes e dos dirigentes comunistas, ficavam abertos, e outra parcela iam para o recuo. Nesse rodízio, coincidiu que, quando surgiu a crise do 31 de março, eu fui para o recuo. O resto do pessoal, José Pedro Pinto, estava no sindicato, esse cara acho que valia a pena você ouvi-lo.

C – Quem…

Newton – José Pedro Pinto, trabalha com o Flores. Era secretário- geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano. Éramos os dois mais visados, pelo menos pela polícia daquela época. Ele ficou no trabalho aberto e fui para o recuo. Fui para a casa de um amigo nosso. Quando cheguei, fui muito bem recebido, agora nós vamos dar um cacete nesses milicos todos, vamos para o poder. À medida que o tempo foi passando, o comportamento do pessoal da casa foi mudando. De uma alegria de quem via que o processo ia nos dar a vitória, para uma situação em que seríamos derrotados. O comportamento das pessoas, na medida que as notícias iam chegando, que estava a derrota no Rio, o Jango foge para Brasília, chegou à tarde era marido e mulher brigando, os filhos se lamentando, gente chutando panela. De tal maneira que tive que abandonar meu esconderijo e sair, senão o pessoal na família ia se matar. Quando falei que ia embora, foi um alívio geral.

C – O que você fez…

Newton – Nessa altura, o José Pedro Pinto tinha sido preso. O Sindicato tinha sofrido intervenção, a sede do partido tinha sido invadida. Fui tratar de pegar a minha família. Morávamos num cortiço, em São Caetano. Inclusive, o secretário-geral do Sindicato morava num cortiço mesmo. Até um fato curioso para a história, que me emociono quando toco nesse assunto.

C – Já tinha filhos…

Newton – Todos pequenininhos. Cheguei à noite, falei com minha mulher. Pega o que puder e vamos cair fora daqui. Ela estava até meio, não está nada certo, não é para cair fora. Dito e feito. Foi só sairmos e a polícia baixou para prender-nos. Só que já tínhamos caído fora. Os outros companheiros, alguns tinham casa própria, tinham conseguido. O José Pedro Pinto, os que ficaram lá, não deu outra, na mesma noite foram presos. Eu escapei porque tinha fugido, larguei a casa, ficaram os móveis. Fogão, essas coisas. Mas era porcaria. Morava num quarto e cozinha no fundo. Eles ficaram lá uma semana, na expectativa de que eu voltasse. Pressionando a vizinhança, vocês tem que dar conta desse cara. Se não quem vai ser preso vão ser vocês. Nós viremos com a tropa de choque e damos um cacete em todo mundo. Curioso que no cortiço, dois quartos e cozinha, um quarto e cozinha, um banheiro, um ou dois banheiros coletivos, tanque, tanque coletivo, poço, não havia água encanada, era um poço no meio do que nem taba de índio. Dava briga de mulher constantemente, por causa de banheiro sujo, porque alguém largava roupa no tanque e não deixava a outra usar, por causa de criança. Eu sei que era pau, era difícil nego chegar em casa e a mulher não ficar “…é que a fulana não sei o que tem”. Mas, nessa situação, depois precisei tirar mais coisas de lá, tinha livros, que tenho até hoje guardados comigo, revistas, máquina de costura, fogão. Quem tirou para mim foi a vizinha. Todas aquelas brigas desapareceram. Numa noite pegaram todas aquelas coisas e passaram por cima do muro por um outro cortiço. Desse outro, levaram de carroça para outro mais longe, uns trezentos metros. Fui com uma Kombi e levei para minha, que passei a viver na clandestinidade. Até um fato curioso, isso. O pessoal que brigava por causa de um tanque, um banheiro sujo, na hora o aperto a solidariedade superou tudo.

C – Você ficou quanto tempo clandestino…

Newton – Onze anos, de 1964 a 1975.

C – E o que fez nessa época…

Newton – Nesse período eu trabalhava na organização do Partido Comunista.

C – Aqui em São Paulo…

Newton – Sim. Eu trabalhava em aparelho do Comitê Estadual. Um trabalho de apoio a executiva, ao secretariado. Depois, fui trabalhar no Comitê Central. Também comecei em aparelhos aqui. A primeira reunião do Comitê Central, depois de 1964, foi na minha casa. Foi feita em maio de 1965, todo aquele processo de luta.

C – Lá em Santo Amaro…

Newton – Exato. A primeira que foi feita, num aparelho na Granja Julieta. Saí de um cortiço para morar numa mansão.

C – Nesse período, como era a atuação do Movimento Sindical… Os Sindicatos estavam sob intervenção, a maioria das lideranças estavam presas, com seus próprios direitos políticos cassadas, como é que era a atuação do movimento sindical…

Newton – Era na base. Tem até uma expressão do Chamorro, que dizia, “nós, agora, vamos, depois do golpe, estávamos com o time principal, já em campo, bem vestido, camisa, calção, calçado, chuteira, meia, tudo bonitinho. Agora, estamos com o terceiro time, entramos em campo sem chuteira, sem meia, só o calção, tudo lambuzado, camisa rasgada, esse é o que estamos trabalhando”. E o pessoal que ainda sobrou nas fábricas, alguns foram contatados, entraram nas intervenções, às vezes por descuido da reação. Logo na sequência, começou a luta pela suspenção das intervenções, realização de eleições. Cresceu, começamos a colocar gente nas fábricas.

C – Como era esse trabalho…

Newton – Era muito difícil. Ao mesmo tempo as diretorias que iam se formando, mesmo nas pelegas, tinham necessidade de apresentar algum trabalho. O Joaquinzão era interventor, em Guarulhos, mas estava no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Começa a surgir pressão de baixo para cima nas fábricas, que necessitavam de salário. Questões de uma série de reivindicações e começamos a aprender trabalhar com isso. Em 1968, conseguimos programar um 1º de Maio Unificado em São Paulo. A esquerdinha foi lá e acabou com a nossa festa. Está lembrado desse 1º de Maio de 1968…

C – Que botaram fogo no palanque…

Newton – Derrubaram, pedra na cabeça do governador. Estávamos programando aquilo para ver se já saiamos dali, com aquelas reivindicações que estavam na ordem do dia, fortalecidos. Mas a esquerdinha, entra o problema do conflito entre política e moralismo. Esse falso moralismo de esquerda. Onde se viu fazer uma festa de 1º de Maio com o governador do estado. Era o que era possível naquele momento. O que nos interessava não era o fato do governador ter ido, mas sua presença nos garantia organizar aquele ato, abria espaço para colocarmos as reivindicações que estavam em pauta na época.

C – Quais eram…

Newton – Nem lembro. Só sei que estava aumento de salário, a luta do Fundo de Garantia, o retorno a lei de estabilidade. Uma série de outras reivindicações. Tinha uma pauta até grande. Conseguimos trazer o Joaquinzão, já abria as portas para nós. Aquilo que conseguimos, em 1981, se não fosse esse falso moralismo da esquerdinha, talvez tivéssemos entrado para o sindicato já bem antes, em 1972. Talvez o sindicalismo não ficasse na mão do Joaquinzão até o período que ficou. Não só o de São Paulo, mas outros, também. A luta contra a ditadura não passasse por um período tão longo e tão dolorido para nós. Esse esquerdismo, esse falso moralismo estúpido, ajudou o prolongamento do peleguismo. Ajudou também a manutenção de vinte anos de ditadura no país. Sem dizer que a ditadura manteve esse período pela sua força. Não foi só pela sua força, foi pela nossa fraqueza. Em 1970 e nas eleições para prefeito, em 1972, esses esquerdistas lançavam a palavra de ordem do voto em branco, já estava começando a surgir a possibilidade de começarmos a derrotar a ditadura. No Paraná, já em 1972, conseguíamos eleger prefeito de oposição. Londrina, Maringá, uma série de cidades importantes, essa palavra de ordem não pegou. Fomos para o pau mesmo, conseguíamos colocar a oposição no poder. A repressão, em 1975, foi violenta, com a morte do Herzog, desse pessoal todo. Consequência da vitória que tivemos em 1974. Enfrentando a reação, de um lado e esse falso moralismo, de outro. No processo de luta que travamos nesse período de ditadura, tínhamos que enfrentar a reação, de um lado e essa esquerda de outro lado. Atrapalhava muito, dificultava. Uma política que levava a inércia.

C – São Paulo, 15 de abril de 1989, depoimento de Newton Cândido.

Newton – Esse pessoal estava contra a ditadura, mas não estava a fim de jogar a vida na luta armada. Tinha disposição de lutar por outros caminhos. Esse esquerdismo impedia que isso acontecesse. Toda vez que tivemos possibilidade de barrar esse esquerdismo, tínhamos vitória. 1974 foi espetacular. Não foi maior ainda porque essa esquerdinha atrapalhou um pouco.

C – Você ficou o tempo inteiro só no trabalho partidário…

Newton – Fiquei só no trabalho partidário. Nesse período, acompanhei o movimento sindical, em função do trabalho partidário. Estive uns tempos lá no Rio, na seção de organização do Comitê Central. Viajava pelos outros estados. São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande. Até que, a partir de 1974, comecei quase a viver diretamente nesses estados. Com aquele acontecimento que se deu no Rio, o chamado agente Carlos, não sei se você está lembrado daquele caso, minha situação ficou insustentável lá. Saí de São Paulo em 1965, fui morar no Rio. As prisões e as denúncias que surgiram na época, me colocaram numa situação difícil. Tive que cair fora daqui para o Rio. Surge o agente Carlos, tive que vir embora para São Paulo. Cheguei aqui em 1972. Fiquei ligado a seção de organização do Comitê Central.

C – Como é que é essa história do agente Carlos…Lembro-me que li no jornal, que foi denunciado o David Capristano, pai.

Newton – Denunciou todos. Esse cara era de Minas Gerais. Um cara do ponto de vista profissional capacitado, formado em jornalismo, economia. Era velho militante do partido. Veio para o Rio e, pelas capacidades profissionais, foi trabalhar na Câmara do Comércio Brasil Estados Unidos.

C – Ele era ligado ao partido desde então.

Newton – Sim. Em função disso, viajava a América Latina toda. O partido passou a utilizá-lo, inclusive em viagem diplomática. Levava documentos, essas coisas. A CIA descobre a sua utilidade, vai para cima e aperta. Passa a exigir dele.

C – Quando ele denunciou, me lembro bem ele dizia que era motorista do Prestes.

Newton – Ele era. Passou a fazer jogo duplo. Ao mesmo tempo que nos informava, passou a informar a CIA. Na véspera, antes de sair aquela denúncia no “Jornal do Brasil”, o partido já estava começando a tomar medidas para cortar as asinhas dele. Tomou aquela atitude quando sentiu que tinha sido descoberto pelo partido. Foi descoberto através de sua mulher. Apesar de ganhar um bom salário, ele passou a fazer gastos que acima do que podia. Entrou em atrito com a esposa. Acho que deixou a mulher porque tinha amante. Ela falou, está havendo qualquer coisa errada com fulano. Ele não para mais em casa, comprou dois apartamentos pagando à vista. O partido começou a tomar medida, mas muito devagar. Não havia certeza, era desconfiança apenas. Mas era um cara de confiança, de conversar com o Prestes na ilegalidade, assim como nós estamos conversando aqui. Um homem do Giocondo Dias. Nessa época, eu é que era motorista do Giocondo Dias, desse pessoal. Eu vivia para cima e para baixo e esse cara de vez em quando junto comigo. Ele não sabia onde eu morava, não sabia meu nome, não sabia nada a meu respeito. Tanto é que quando saiu a denúncia no “Jorna do Brasil”, a polícia não sabia de nada. Foram só começar a fazer as prisões, a invasão das casas, dos endereços que ele denunciou, na terça-feira. A polícia ainda estava feito besta lá no Rio. Pegaram o jornal, todo aquele aparelho de segurança, aquilo de informação. Publicavam informações sobre aparelhos do partido, endereços. Começou a invasão nas casas, não prendia mais porque o pessoal já tinha se preparado. Criou um problema para mim, tinha que me mandar, vir para São Paulo. Aqui, fiquei uma temporada. Fazia essas viagens, mas logo no fim de 1973, comecei a ficar direto lá no estado. Primeiro no Paraná, trabalhava junto com o pessoal do porto de Paranaguá. Tinha eleição no sindicato, ganhamos. Foi acabar de ganhar, a repressão em cima, prisão de todo mundo. Tive que fugir de lá. Fui para Criciúma, Santa Catarina. Lá tinha uma boa organização do pessoal. No Paraná, chegou até a posse. Mas, em Criciúma, acabou a eleição, deu o resultado. A polícia pá, foge todo mundo. Volto para o Paraná, mas lá em Londrina. Fiquei lá direto de janeiro de 1975 até a prisão. Vamos para o PMDB. Já no processo das eleições do Paraná, em 1974, faz-se uma reunião do diretório em Curitiba. Tiram uma resolução de que não era difícil, não tem candidato, não sei o que. Não ia ter nem candidato a senador. Ninguém dos prováveis candidatos aceitou, porque achavam que não tinham condições de se eleger. Fazemos um reboliço e convocamos uma reunião no diretório em Londrina, a mesma lengalenga. Um companheiro nosso, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de lá, ah, tá bom vocês não tem candidato a senador. Ficou assim, tal. Mas será que vão permitir que o Paraná tenha como candidato a senador um cara desse. Por desencargo de consciência, pegam um outro cidadão, que era diretor do Sindicato dos Bancários, o Chaves. Lançam-no ele como candidato, um cara desconhecido, em Londrina e todo o estado do Paraná.

C – Ele era de Londrina…

Newton – Sim, o Chaves. Lançamo-lo como candidato a senador. Vamos compor a chapa para deputado federal. Permitia ter dezessete deputados federais pelo Paraná, conseguimos reunir dezesseis. Chegam as eleições ganham, todos. Se eu fosse candidato do Paraná, chegasse na hora da eleição só e colocasse meu nome lá, eu teria sido eleito. Quércia eleito aqui em São Paulo, esse Chaves, no Paraná, Brossard, no Rio Grande do Sul, estourou. A reação ficou desesperada. Acabaram as eleições, começamos a reorganizar, através do MDB, aquele trabalho de partido. Vem 1975 e prisão, cacetada.

C – A queda do Marco Antônio.

Newton – A queda dele aqui em São Paulo. O pessoal do Rio, que tinha os endereços do pessoal da secretaria de organização baixa no Paraná. A polícia vai lá e faz um estrago, prende desde Londrina até Paranaguá. Ainda dou sorte, nos momentos de prisão estou viajando entre Curitiba e Londrina. Chego de manhã, vou para a casa onde ficava, descanso um pouco. Vou procurar meus companheiros, para informar o que tinha feito em Curitiba. Chego na casa de um, a mulher dele diz, é bom você cair fora, que a polícia já esteve aqui a tua procura, meu marido está preso. Vou com um pacotão de “Voz Operária”. Ainda fiquei lá uns quinze dias tentando organizar a solidariedade. Conseguimos furar na época a imprensa, dar notícias da prisão dos companheiros. Não tem mais campo, de jeito nenhum.  Vou para São Paulo, para minha casa. Chego doente, cansado, não leio o “Estadão” de domingo, só vou ler na terça- feira. Vejo a notinha que fulano tinha sido preso em São Paulo. Penso, amanhã arrumo minhas coisas aqui e caio no mundo, na ilusão de que tinha tempo para essas coisas. Saí de manhã, arrumei tudo. Quando volto para casa para almoçar e conversar com o pessoal, chega a polícia e acaba com a festa, leva todo mundo preso.

C – Você estava falando que foi preso na hora do almoço em casa. Que tipo de apoio o PCB dava nessas condições ao militante, que estava ao seu serviço e que estava caindo… que tipo de apoio concreto…

Newton – Nessa altura do campeonato, essas prisões que se deram no Brasil, aqui em São Paulo, no Paraná e Santa Catarina, não foram prisões consequências de quedas locais. Foram produto das quedas que aconteceram no Comitê Central, principalmente da seção de organização. Além das pessoas que foram presas, foi preso junto documentação. Pegaram o pessoal do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, e eu junto. Lembro-me que do ponto de vista partidário, já estava desarticulado. A direção nem estava no Brasil, não tinha ninguém no Brasil. Os que estavam, um ou outro que ficou no Brasil, enrustidos. Não tinham condições de fazer nada. A solidariedade que existiu foi de outras entidades. A Igreja, que surgiu na época da Anistia Internacional, a família, o povão.

C – Partidária mesmo…

Newton – Eu só tomei contato com o partido novamente, fora da cadeia, já em 1979, aqui em São Paulo.

C – Todo o tempo que você passou na cadeia, você não teve nenhum contato com o partido…

Newton – Só tomei contato direto com alguém que disse vim aqui, sou do partido, para conversar contigo, em 1979.

C – Quando você saiu da cadeia…

Newton – Saí em agosto de 1979.

C – Durante os quatro anos que ficou preso, você não teve nenhum contato com ninguém do partido…

Newton – Não.

C – Não tinha ninguém do PCB preso junto com você…

Newton – Não.

C – Você foi preso onde…

Newton – Eu fiquei uma temporada aqui no Hipódromo. Depois em Curitiba, no quartel da polícia militar, em Santa Catarina. Depois, estive no Barro Branco, o último lugar que fiquei.

C – E não tinha ninguém do PCB preso…

Newton – Eu fui preso no dia 8 de outubro. Só fui entrar em contato com pessoas, outros presos, já livre do DOI-CODI, quando morreu o Manoel Fiel Filho, em 17 de janeiro. Estava enrustido dentro do DOPS aqui de São Paulo, no dia em que ele morreu. Parece-me que foi em um domingo. Levaram-me para o Hipódromo, entrei em contato com o Sérgião, que eu nem conhecia.

C – Mas essa do PCB…

Newton – O Sérgião estava lá. O David já tinha sido liberado. Milton Cândido da Graça, que hoje é diretor do jornal Globo Agora. Tinha um cara do Rio, que me conhecia de quando fui do partido, um cara que trabalhava com o Giocondo Dias, estava preso também.

C – E não havia por parte desse pessoal do PCB nenhum tipo de aglutinação interna na cadeia…

Newton – Na cadeia se reunia, discutia. Depois que fui posto em liberdade, o Sérgião, por exemplo, perdi o contato com ele.

C – Mas o pessoal que saia não dava nenhum tipo de solidariedade ao pessoal que tinha ficado lá dentro…

Newton – A coisa vinha, mas de maneira pessoal. Quem passou a ter maior relação comigo foi o pessoal do ITA, lá de São José dos Campos, os estudantes, que perderam a matrícula e foram para Campinas e entraram na universidade. Eles passaram a dar mais ajuda para minha família, que era quem estava mais precisando de fato. Se dava através de órgãos oficiais, da Igreja, da Anistia. Passei mais tempo em Curitiba. O pessoal da Anistia passou a dar ajuda. Tinha um pessoal bom, do Canal 4 de televisão. Estavam sempre lá, os advogados. A minha melhor relação era com os advogados, pagos pela Anistia. Não era pelo partido, se bem que alguns deles tinham relação, na época.

C – Mas, via partido, mesmo, nada.

Newton – Nada, como organização, não. Estava tudo esfacelado. Você, hoje, lendo um jornal, vê os acontecimentos e sente a presença dessa ou daquela organização. Você não sentia a presença do partido. Já em 1979, o Goldman foi lá. Depois que conversou com todo, falou, você que é o Newton Cândido, o pessoal mandou lembranças. Eu até fiquei mais animado.

C – Então tem alguém…

Newton – Já tem gente organizando por aí.

C – Você sai da prisão em 1979…

Newton – Sim. Já na prisão, começa a surgir o que fazer quando sair.

C – Você foi condenado…

Newton – Fiquei condenado oito anos. De São Paulo, fui absolvido. A morte do Herzog, do Manoel Fiel Filho. Eu estava naquele processo com o Marco Antônio Rocha, não sei porque razão, entrei nesse processo.

C – Marco Antônio Coelho.

Newton – Não, Marco Antônio Rocha, aquele da TV. Estava a filha daquele arquiteto. Entrei, me botaram nesse processo, nem sei porque razão. De todos aqueles processos, o único que estava preso era eu. O resto já estava livre. No dia do meu julgamento, todos ficaram felizes da vida. Todo mundo voltou para sua casa e o besta aqui para a cadeia. Fui o único a ficar. Tinha três processos, o de São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Em São Paulo, fui absolvido. Santa Catarina, condenado a quatro anos e Paraná oito anos. Cumpri quarto e fiquei devendo mais quatro, ainda.

C – Você saiu com a Lei da Anistia.

Newton – Sim. Na cadeia, tinha um pessoal da esquerda que estava lá e não queria aceitar a Anistia, foi uma briga. Quando eu cheguei em São Paulo, não tinha relação com eles. Fomos para o Hipódromo, éramos maioria. No Paraná, era só o nosso pessoal. No fim foi liberado, só ficou eu e um companheiro, e os presos comuns. Fizemos um escarcéu, nas eleições em 1978, quando teve uma eleição para deputados e senadores. Foi eleito o Richa. Foi uma farra. Um dia, entrou na cadeia um do PDS, ou ARENA ainda.

C – E dentro da cadeia começa a discussão do que fazer quando sair.

Newton – Sim, quando chego aqui em São Paulo, embalado com isso da Anistia. Lá só dava nós. Chego aqui, o único do partidão era eu, os outros já tinham sido postos em liberdade. Cheguei e fui cumprimentar todo mundo. Conversa daqui, começo a falar em Anistia, pá. Um deles, esse Aldo Arantes, do PCdoB, que eu já conhecia do Hipódromo, me chama num canto. Ele e o Haroldo Lima. Falaram que era bom maneirar, não falar muito da Anistia, porque a maioria do pessoal não é por ela. E vocês, nós estamos avaliando. Que avaliando coisa nenhuma, eu sou pela Anistia e se for decretada amanhã, alguém vir pedir minha opinião a respeito, sou amplamente favorável. Uma conquista, não é um favor de ninguém.

C – O governo ia dar a Anistia.

Newton – Sim, aí já começa o problema. Começamos a sentir no ar que vai haver a Anistia e começa a discussão do que fazer. Pensamos naquele negócio do sindicalismo, 1978 foi uma grande movimentação sindical, início de 1979 também, as greves. Pensei, saindo daqui, quero voltar para uma fábrica e para o sindicato. Aí o pessoal ajuda-nos a sair da cadeia.

C – Que pessoal…

Newton – O pessoal dos Metalúrgicos de São Paulo.

C – Como é que foi isso…

Newton – Mandaram a cesta de comida, dinheiro…

C – A troco de que…

Newton – Mandaram para os presos.

C – O sindicato, tem a ver com a morte de Manoel Fiel Filho…

Newton – O sindicato… Não entendi a pergunta.

C – Esse ato de mandar umas cestas de comida, dinheiro para os presos políticos, do sindicato ter a ver com a morte do Manoel Fiel Filho, ele era um metalúrgico, o sindicato foi pressionado, lembra…

Newton – Não sei.

C – Quem levou essa cesta…Porque agora já começo a entrar em detalhes, porque me interessa muito. Quem levou essas cestas…

Newton – Eu nem sei. Parece que foram funcionários do sindicato, motoristas. Parece que foi o Tonhão, motorista do Joaquim ou outros companheiros. Sei que foram lá, deixaram na portaria e o pessoal da comissão entregou para nós. Agora, já em começo de 1979, houve um congresso de lá em Minas Gerais.

C – Poços de Caldas.

Newton – Poços de Caldas, em que o Lula e o Joaquinzão, todos estiveram lá. Fizemos um documento e mandamos para o congresso. Acho que esse teve alguma relação com a solidariedade.

C – Vocês fizeram um documento para o congresso…

Newton – Sim. Eu e outro rapaz, que era metalúrgico de Osasco, que hoje é advogado em Londrina.

C – O que dizia esse documento…

Newton – Nós exaltávamos o congresso. E colocávamos a questão da unidade do movimento sindical.

C – Você não tem esse documento…

Newton – Não tenho. Mas ele deve estar nos anais do congresso. Eu sei que quem levou esse documento foi a mãe desse rapaz de Londrina. Eu e ele assinamos. Tanto é que assim que eu saí da cadeia, a primeira visita que fiz foi para o Joaquinzão, no sindicato. Não posso afirmar com segurança, mas me parece que eu não sabia que o comitê estadual aqui, o Sérgião, o David, trabalhavam no mesmo sentido. Fui visitar o Joaquinzão. Depois o Amorina.

C – Henos Amorina.

Newton – O Henos, que estava internado no hospital com problema no estomago. Logo em seguida, através da igreja, chamaram o pessoal D. Evaristo. Fui agradecer a solidariedade que eles me prestaram. A mim, que estava na cadeia e minha família, que recebia ajuda deles. Perguntaram o que eu queria fazer. Disse quero trabalhar, arrumaram para mim na Metal Leve. Entrei com ajuda da igreja. Em 1979, comecei a trabalhar no dia 24 de setembro. Saí da cadeia no dia 30 de agosto. Em 24 de setembro, já estava trabalhando na Metal Leve.

C – Você não era sócio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e manda um documento para o congresso. Como isso é recebido, alguém falou alguma coisa depois, ou você soube de alguma coisa…

Newton – Foi bom, o Joaquinzão foi muito bom. Já naquela época, a luta da esquerda no movimento sindical contra a chamada direita, já apresentava o Joaquinzão como o grande pelego. Ele utilizou aquilo, e nós mandamos mesmo para ser entregue a ele em primeiro lugar, porque era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, e a mensagem foi lida.

C – Porque vocês mandaram para ele e não para o Lula…

Newton – Porque nós já partíamos do princípio que esse problema, já fazíamos discussões a respeito da questão sindical. Eu mesmo fiz várias palestras sobre sindicalismo, com esse pessoal de esquerda. Era um pau para conferir, essa questão do sindicalismo brasileiro, o sindicalismo pelego ou não pelego. Consequência primeiro da sociedade brasileira no seu conjunto. Desde que haja capitalismo, essa consequência também da própria diferenciação que existe no conjunto da classe operária. Você vai ter que trabalhar levando em conta essa diferenciação. Ela é expressão do que existe no conjunto da classe operária. Você não pode fazer avançar o movimento sindical brasileiro, se não leva em conta. Isso não é aceito pela esquerda. Ao criar a CUT, a ideia que deu origem, do sindicalismo combativo, de vanguarda, desprezando a outra parcela do movimento operário, dividindo. A CUT surgiu como um instrumento de divisão da classe operária. Eles não levam em conta inclusive a própria experiência de cada sindicato, em cada empresa. Para fazer uma greve, o que determina a realização não é a vanguarda. Ela pode até lançar a proposta, mas se vai acontecer, não é ela que decide, é a massa mais atrasada. Se essa não vir, não tem greve. Isso é válido para o movimento sindical brasileiro, de ponta a ponta. Para uma categoria, uma fábrica, para uma seção. Quem determina a realização de uma greve, não é a vanguarda, é a massa mais atrasada. A vanguarda pode lançar a palavra de ordem de greve, mas não realiza. Ela é determinada pela participação da massa mais atrasada. Essa é uma característica, e a esquerda, se hoje ela aceita isso, aceita empurrada. Mas não leva em consideração. Acha que é possível fazer um sindicalismo puro, só de pessoas combativas. Ou então, só de pessoas bonitas, vermelhos. A grande massa de nosso povo é uma ampla variação de cores. Já discutíamos isso na cadeia, pela experiência eu tinha até do movimento sindical anterior. Às vezes uma série de besteiras, que comecei a ver o pessoal fazer hoje, tinha feito há trinta anos.

C – O Lula em 1979 não era de vanguarda, era membro da diretoria do Paulo Vidal.

Newton – Mas estava sendo levado para isso. Uma entrevista que ele dá ao Pasquim, foi a sua primeira grande entrevista, que ele nasceu praticamente para o estrelato. Não sei se você está lembrando, ele já manifesta isso. Contra a partidarização, contra política no sindicato, já manifesta essa tendência.

C – Vocês resolvem mandar para o Joaquim avaliando que se ele ganhasse o trabalho seria mais fácil.

Newton – Sim. Mandamos para o congresso, mandamos a nossa mensagem. A nossa ideia era aproveitar para atrair a solidariedade do operário para o pessoal que estava na cadeia. Fazer com que o Movimento Operário começasse a assumir. Até então a grande massa da solidariedade não era do Movimento Operário, era do Movimento Estudantil, da pouca coisa que existia, da Igreja, da OAB, Movimento Feminino. Tanto aqui como lá em Curitiba tinha um pessoal que trabalhava direto.

C – É a primeira referência que eu escuto disso.

Newton – Foi o Movimento de Anistia, os artistas. Recebemos aqui, na fase final no Barro Branco, um documento assinado por 700 artistas. Tínhamos semanalmente, por exemplo, o caso que estava preso conosco, o Zaratini. A Eva Wilma, o marido dela, Carlos Zara toda semana, tinha uma leva de artistas, esse Ricelli, a esposa dele, eles deram uma grande contribuição para nós.

C – Como é que vocês ficaram sabendo do congresso dos metalúrgicos…

Newton – Pela imprensa, nós recebíamos jornal.

C – Quando saem da cadeia, vocês vão ao Joaquim…

Newton – Vamos ao Joaquim.

C – Vão agradecer a cesta que ele tinha mandado. Como é que ele te recebe…

Newton – Muito bem. Já nessa época, havia o Sérgião, já estavam trabalhando para entrar com assessoria dentro do sindicato.

C – Exatamente, depois do congresso eles entraram para trabalhar.

Newton – Começo a trabalhar na Metal Leve, normalmente e tal. Já começa a campanha salarial. Era 1979. Eu muito quieto, não me metendo com nada, só trabalhando.

C – Você não se meteu na campanha salarial de 1979…

Newton – Não, não pude. Estava começando. Entrei no dia 24 de setembro, a greve já foi em 31 de outubro. A situação começa a esquentar, haver movimentação. O sindicato solta boletim na porta da fábrica, vou na última assembleia que decidiu a greve, lá no Cine Piratininga.

C – Você foi nessa assembleia…Como foi…

Newton – Foi para mim um negócio grande, muito entusiasmo, muita gritaria. Sentei lá atrás. Muita faixa, pessoal com bumbo. Uma faixa de um metro de altura, que começava desde o início do salão até quase no fundo do palco, escrita: “Os trabalhadores da Metal Leve exigem 83%, ou greve”. E aquela euforia. Aí vão tentar falar os caras, não lembro se foi o Luís Antônio falar, o Waltão.

C – Quem presidia a assembleia…

Newton – Parece que era o Joaquim.

C – Não foi o Pereirinha, não…

Newton – Eu sei que havia uma dualidade de direção ali. A diretoria do sindicato estava na mesa, quem presidia era o Joaquim e quem encaminhava as coisas era o Pereirinha. Eu estava mais lá fora. Quando vi que foi decretado greve, aquelas coisas todas, os bumbos não deixavam falar, quem estava lá atrás…

C – Quem estava com o bumbo…

Newton – Era o pessoal da oposição.

C – Do MOSMSP…

Newton – Sim. Nessa época não existia MOSMSP, era o pessoal da oposição, mais radical, ligada a esse pessoal do MOSMSP, que conheci depois. Foi no domingo. Na segunda-feira, era greve. Não vou trabalhar. Metal Leve, fábrica que trabalho, diz que é 83% ou greve, então não vou. Na minha seção só falta eu. De tarde, eu tinha um vizinho que trabalhava lá, perguntei, como é que foi hoje e tal, não fui trabalhar. Ih, o rapaz, está tudo normal, não tem nada, todo mundo trabalhando. Na terça, depressa, cheguei na fábrica. Veio a chefia toda para cima de mim, queriam saber porque tinha faltado. Tive que explicar, ouvi falar de greve, mentira. Não quero confusão, essas coisas, resolvi ficar em casa para evitar coisa dessa natureza. Estava de experiência, enfim, os caras ficaram querendo acreditar e não acreditar. Houve terça-feira de trabalho, na quarta feira estamos trabalhando, daí a pouco aquela correria, chega um piquetão. Já tinham matado o Santos Dias. Tira todo mundo para fora da fábrica. Fui obrigado a subir e também passar pelo corredor polonês, coisa mais chata. Se alguns desses caras souber quem sou eu. E fomos para fora aquele dia. No dia seguinte normal. Tinha uma sede lá na Avenida Interlagos com a Sabará, um clube. Fui lá um dia. Tinham marcado uma reunião, soltaram boletim convidando, fui ver. Chego lá, era comandada por esse pessoal da oposição, duma estupidez, um troço doido. Acusavam que a diretoria tinha feito uma sacanagem, a diretoria estava traindo, era preciso tomar o sindicato, na marra. Fico ali ouvindo, não vejo ninguém levantar, todo mundo quieto. O pessoal da diretoria que estava ali, não vi ninguém se manifestar, tudo quieto. Estava trabalhando na Metal Leve, afastado. Um dia chego em casa e encontro o Davi.

C – Você não conhecia ele…

Newton – Pessoalmente, não. Ele conhecia meu irmão. Ele esteve preso com ele. Tinha ido junto com uma pessoa. Chego em casa, começo a conversar. Ele falou: “Nós precisamos de você, estamos rearticulando um trabalho, no setor metalúrgico, é importante”. Entrega um balanço que eles fazem da greve. Falo, mas como isso, vou me reintegrar assim, sem mais nem menos, não ter uma reunião para discutir. Não, isso aí, não tem nada para discutir. É bom, senão vai render coisa por aí. Vamos acabar com isso, o importante é que você está vivo e está aí para trabalhar. A não ser que você não queira, mas precisamos de você. Aí comecei a me reintegrar.

C – O que você queria com a reunião, para discutir, por exemplo…

Newton – Para ver as causas da queda. Lá no Paraná, até hoje esse negócio está rendendo. As prisões lá começaram no dia 11 de setembro. Foi preso o pessoal de Londrina, o de Curitiba, Maringá e Paranaguá. Eu sei que foram cento e trinta e tantas prisões. Consegui em função de sorte mesmo. O comandante do DOI-CODI lá de Curitiba, uma dia ele ficou puto da vida, falou para mim, você teve sorte, não fomos nós que te pegamos. Se nós tivéssemos te pegado no Paraná, você não estava aqui querendo nos enrolar, não. Então consegui fugir de lá. Quando houve as prisões, consegui escapar. Foi presa a primeira pessoa do dia 11 de setembro. Eu só fui no dia 8 de outubro. Acontece que o pessoal também viu que não fui preso, então começa aquela onda. A mesma coisa com o Marco Antônio, aqui em São Paulo. Jogaram nas minhas costas ir buscar dinheiro na Argentina, essas coisas. O pessoal começa, quem sabe disso, lá eu tinha o nome de Jair. É o Jair, daqui, dali. A tal ponto que a polícia ficou desesperada e mandou fazer até um retrato falado meu. O pessoal fez, ele é um cara assim, assado. Só andava de calça jeans e vestia uma camisa marrom. De fato, estava lá sozinho, a família aqui em São Paulo. Aquela terra vermelha lá Paraná, e tinha pouco tempo. Então usava essa roupa para esconder a sujeira. A polícia chamou um técnico e toca a fazer o meu retrato falado. Quando cheguei em Curitiba preso, o pessoal veio com o retrato para verificar se os caras tinham dado os dados corretos. Sei que houve até quem não tivesse nada a ver com o peixe, mas pelo fato de estar com jeans e camisa marrom, na rodoviária, foi preso, para saber se era o Jair, gente do povo. Quando vou preso em São Paulo, em consequência também das quedas do Rio, fico seis dias aqui no DOI-CODI. Eles ligam para Curitiba e desaba, estou preso. O pessoal cai no desespero. Passados uns tempos, tudo aquilo que foi dito entre eles, começa a vir a época de quem era o responsável. Fiquei em Curitiba pouco tempo, na base do cacete e tal. Os caras já estavam fora, de vez em quando eles chegavam para confrontar depoimento. Passados uns tempos eles me tiraram. Depois da morte, que houve repressão em São Paulo novamente. Houve a morte do Fiel Filho. Eu para Curitiba, dar início ao processo na Justiça. Entro em contato com o pessoal do presídio, está aquele desespero. Chego lá, uma esculhambação. Um velho militante, muito conhecido na cidade, revela a sua homossexualidade com os presos comuns. Dá um pau dos diabos, virou um inferno. Um troço de doido, nego brigando com outro, companheiro com companheiro, mulher largando marido. Chegando no mesmo dia, já estava fazendo uma assembleia para discutir quem era o responsável. Queriam que eu, me botaram lá no pelourinho para dizer que eu era o responsável pelas quedas. Dei uma explicação política. Falei, isso é consequência do processo político. Eles rebentaram com a esquerda, a ultra esquerda. Precisavam agora, com essa vitória que tiveram nas eleições de 1974, precisavam dar uma revirada nisso. Tivemos participação ativa, mesmo. No Paraná, por exemplo, se conseguimos eleger um senador, e aquela quantidade de deputados, foram os comunistas que trabalharam para isso. Mas os caras não queriam entender, queriam que eu desse os nomes. Não vou fazer isso, não. Ficou um troço ruim. Quiseram me isolar. Nem liguei, estava satisfeito da vida, tinha saído de uma que era pior. E lá tinha uma biblioteca, num canto do presídio. Não fazia outra coisa, a não ser ficar deitado o dia inteiro lendo. Pegava os romances, tinha algumas passagens gozadas, começava a dar risada. Os caras do lado de lá, ele está ficando louco, dando risada sozinho. Nisso, tinha passado uns tempos. Tanto é que em 1982, quando houve aqueles problemas entre nós e o Comitê Central, quiseram utilizar isso como instrumento de sacanagem, de impedir a nossa entrada no congresso, porque tinha mal comportamento na prisão. Usaram como instrumento disso os depoimentos lá de Curitiba, maior sacanagem, o que tinha no DOPS. Mas isso é só acidente. Em Curitiba, eu estava em Londrina. Tinha um bom trabalho, e esse cara que era dono do Canal 4 de Curitiba, foi governador do Paraná, o Paulo Pimentel, abriu um canal de televisão. Tínhamos um pessoal que trabalhava lá. De vez em quando eu ia. Depois que tinha iniciado a prisão do pessoal do Paraná, eu fui lá no Canal 4, conversar com eles. Colocamos, precisa dar um jeito de denunciar que fulano foi sequestrado. Através de televisão, vê se coloca isso no jornal. Logo três dias depois de que já tinham sido presos os ex-companheiros. Conversei com eles. Saindo do prédio da televisão, esse Paulo Pimentel vai subindo a rua. Quando encontra o povão, vai cumprimentando. Veio para cima de mim, cumprimentar, como qualquer cidadão. Jornalista sai fotografando, e eu saio na foto com o cara. Eu que vi, no dia seguinte, quando peguei o jornal. Ninguém comentou isso lá.

C – Acontece. Mas volta, você estava na Metal Leve, na greve de 1979.

Newton – Comecei a entrar em contato, trabalhar com o pessoal.

C – Davi tinha vindo aqui.

Newton – Davi conversa aqui. Vou para o sindicato, conheço o Luís Antônio, o Waltão. Entro em contato com um rapaz que era do Sindicato dos Padeiros, que depois morreu, Augusto. Foi uma pena a morte daquele rapaz. Iniciamos um trabalho. Vamos nos reunindo, conhecendo gente dentro da fábrica. Nessa época começa a aglutinar gente, ter uma certa militância, desenvolver e crescer lideranças. Começamos a organizar aqueles cursos no sítio, levamos o pessoal para lá, da Metal Leve e do DEC.

C – E como era essa relação com a diretoria…

Newton – Era boa. Sobretudo ali. Nesse período, sentíamos que a diretoria estava apavorada com o resultado da campanha de 1979. Estava arrasada e dependia do nosso trabalho. Então, naquele período, foram abertas as portas lá para nós, estava com tudo ali no sindicato. Quando foi na última campanha de 1980, o orador principal fui eu. Cheguei na assembleia para apresentar aquela em 1980, que foi no Cine Rex. Quem defendeu a proposta lá fui eu. Até tinha feito uma combinação com o Joaquinzão, para que me deixasse falar por último. Quando ele viu aquela massa de oposição, aquela esculhambação, eles se apavoraram, deram para mim em primeiro lugar. Ele apresentou a proposta e disse, agora passo a palavra para os oradores e me chamou, Newton Cândido, da Metal Leve.

C – E você já conhecia o pessoal da oposição…

Newton – Já. Começamos a nos conhecer, e já começava a ter até atrito. Quando me apresentei, a assembleia quase veio abaixo, quando defendi que não tinha condição de ir a greve. Não tinha condição mesmo, depois de você fazer uma derrotada como a de 1979. Depois desse prejuízo, fazer uma greve. Se naquela época conseguimos trazer para a assembleia do Cine Piratininga, devia ter uns cinco mil trabalhadores, na assembleia de 1980 não tinha dois mil. Fui para cima dos caras, acabou a assembleia. Quando defendi a proposta, dividiu o salão. Uma parte apoiava, outra era contra. A oposição saiu na frente, lá fora. Quando o pessoal ia saindo do salão, eles desceram pedradas, quebraram vidros, tijolo…

C – Estava quem, você, Waltão, Luís…

Newton – Era eu, Walter, Luís, o Chiquinho…

C – O Bigode, estava, ou não…

Newton – Não, o Bigode nessa época era do MR-8, e eles estavam em cima do muro.

C – Quem estava mais, você lembra…

Newton – O nossos pessoal eram esses. Era o nosso núcleo. Por exemplo, eu trazia da Metal Leve, já em 1980, gente. Esse Zé Cachorro, que hoje é diretor, está até na fotografia ali. Esse cara se apoiava no trabalho e também ajudava. Conseguíamos trazer, a tal ponto que a Metal Leve passou a assumir dentro do sindicato, naquele período, um papel importante, pela quantidade de gente que levávamos, pela boa participação. E o pau comendo, com a oposição.

C – Vem a composição da chapa de 1981.

Newton – Na composição da chapa de 1981, logo no início já se sabia que ia abrir vaga para nós. O Waltão, eu, era para entrar. O Luís, não. Para falar a verdade, até hoje, não estava a fim. Primeiro por causa da idade, o tempo de categoria, do sindicato. No acerto de contas, abri para o Luís, um companheiro nosso.

C – Ele tinha menos tempo de categoria que você…

Newton – Tinha. Ele nem trabalhava, tiveram que arrumar correndo um registro na carteira. Quem arrumou foi o Tenorinho, que ficou puto da vida porque não aceitei. Não entendeu porque tinha feito essa abertura.

C – Era vice ou a secretaria…

Newton – Secretaria, era para ser vice da secretaria. Mas já tinha saído da Furin, estava desempregado.

C – Depois ele foi para a Gradiente no acordo que fizeram.

Newton – Não, ele já tinha saído, tinha arrumado emprego numa fábrica do amigo do Tenorinho. Aliás nem a fábrica existia, só existia o registro.

C – Estava esquentada a carteira.

Newton – Foi feita a composição, não houve grandes traumas. Trabalhamos para trazer, junto com o Joaquim, o Bigode, esses caras, para dividir a oposição.

C – E como é que passa com o pessoal da oposição a composição, Luís, não digo, mas Walter, principalmente. A Nair vem nessa época também. Como é que a Nair entra na chapa…

Newton – Ela foi indicada pelo MR-8. Ela, o Bigode, e João Paulo. Veio por determinação, agora como eles resolveram isso lá dentro, eu não sei. Veio, e com uma posição ruim, de criar dificuldade no trabalho da diretoria, comprava muita briga conosco.

C – Porque…

Newton – Para superar a gente na hegemonia dentro do sindicato.

C – Você já estava desligado da Metal Leve…

Newton – Não. Só fui desligado em 1982, um ano depois. Tinha entrado nosso pessoal, discutimos e começam a surgir as ideias nossas, implantar as ideias das Kombi, do aparelho de som, gente para porta de fábrica, aí começamos a implantar.

C – São Paulo, 15 de abril de 1989, depoimento de Newton Cândido.

Newton – Nesse período ainda, o Magela estava na oposição. O Paulinho, também. O Sindicato de São Bernardo já dá no primeiro turno. A imprensa de um modo geral, os jornalistas, simpáticos a cidade. Aquele estigma do peleguismo, aplicado ao Joaquinzão funciona muito. A imprensa de uma certa forma está contra a gente, a opinião pública. Quem disputa é a categoria. Foi um trabalho titânico. Com todas essas dificuldades, ainda conseguíamos fazer com que acreditassem em nós. A eleição dependeu muito, como todas, dos eleitores aposentados.

C – Nessa eleição tinha três chapas, lembra… Aurélio, quem encabeçava a chapa de oposição era o Rossi.

Newton – Era o Rossi, o Aurélio…

C – E os aposentados ganham.

Newton – Eles ganham. Na Metal Leve, já ganhamos no primeiro turno. Em segundo lugar ficou a chapa três, do Aurélio.

C – Tinha o Vital…

Newton – Tinha ele, mas até nessa época não apitava nada lá. Quem apitava mesmo era o Aurélio. Tinha um pessoal dele mesmo que trabalhava, pessoas que não aparecem. E a chapa dois ficou em terceiro na Metal Leve. No segundo turno eles se fundem e ganham de nós com uma diferença de onze votos. Recuperamos nas fábricas pequenas e nos aposentados.

C – Como é que desenrola os trabalhos lá dentro…É uma composição que ia ter Walter, Nair, Bigode, João Paulo, Luís Antônio, na diretoria.

Newton – O Walter e o Luís Antônio em cargo de executiva. João Paulo, Bigode, Nair, suplentes. Já nesse aspecto, a correlação de forças é favorável. E a estupidez do MR-8 veio com o seu sectarismo deles. Logo no início, começaram a jogar pedra e levar porrada. Iam lá para o MR-8, discutiam, reformulavam sua tática deles. Voltava para o sindicato, para impor a orientação do partido e levavam cacete. Foi aí que romperam com o MR-8. Ou eles rompiam, ou saiam do sindicato. A proposta deles não batia naquilo que o sindicato estava fazendo. Também sentiam que o pessoal não estava ali para fazer sacanagem. Estávamos ali para trabalhar mesmo.

C – E nessa hora que amplia o corpo de auxiliares.

Newton – Foi quase um ano para conseguir passar a proposta. No meio de 1982, no dia 5 de maio, fomos desligados. Sou desligado por proposta do Luís Antônio, acho que eu fui o primeiro. Aí os outros, cada diretor trata de montar sua equipe.

C – Quem vem nessa hora…

Newton – Na primeira fase, você sabe que nem estou. O pessoal, é tão difícil, eu, Chiquinho, não, o Chiquinho.

C – O Chiquinho já estava.

Newton – O Chiquinho também era da diretoria, ele entrou nessa época. Era para ele ficar de fora, a nossa proposta. Mas ele foi lá chorar para o Joaquinzão, que o colocou em um cargo. Nessa primeira fase, não lembro além do nosso pessoal.

C – Miguel entra nessa fase…

Newton – Não. Esse pessoal só entra na eleição de 1984. Nessa primeira etapa, não.  O Miltão entrou mais tarde também, acho que em 1983.

C – O Magela.

Newton – Ele já entra também bem depois, quase em 1984, num acerto que foi feito com o Luís Antônio e o Joaquinzão, para tirá-lo e o Paulinho da oposição. Magela já veio para o trabalho para se preparar para se candidatar. Assim que fomos desligados, a primeira greve foi a Telefunken. Eu fiz com o Waltão, mas só aparece ponta do nariz dele. João Paulo está, depois eu.

C – Aqui está o Flores, vi como ele estava diferente, só o Walter.

Newton – Essa ainda é da época do Maluf.

C – Quem está falando é você…

Newton – Eu não sei se estava falando.

C – Quem é esse…

Newton – Esse sou eu.

C – Virgem! Como você está diferente! A primeira greve, a da Telefunken que você estava falando…

Newton – Depois embalamos. Na sequência veio a fábrica que a Leir trabalhava, a Gradiente. Foi lá que a conheci. Foi uma greve difícil, mais de uma semana.

C – Foi 1982, fase da campanha…

Newton – Chegamos no final, a greve foi para julgamento, os juízes recusaram a atender nossas reivindicações. Mesmo assim, saímos vitoriosos, porque terminou, pegamos os trabalhadores que conseguiram ficar fora, principalmente pessoal de ferramentaria. Fizemos uma reunião e tal. Não tem condições de continuar, se não é estupidez. Amanhã todo mundo volta para a fábrica. Mas, antes de começar a trabalhar, reunimos na porta da sala do chefe, na mesa dele e dizemos, se alguém for mandado embora, paramos outra vez. A turma voltou no dia seguinte e fez o que nós mandamos. Em vez de começar a trabalhar, foram para cima do chefe. Qualquer um que forem mandado embora aqui, paramos outra vez. Daí a pouco, a diretoria da Gradiente nos chama para negociar e atende as nossas reivindicações. Estabilidade no emprego, seis meses, e outras. Foi nessa época que o Luís entrou. Não sei porque razão ele e o Joaquinzão foram conversar com o dono da Gradiente. Fizeram amizade e ele passou a ser compincha do homem.

C – Estava falando da greve da Telefunken, não da greve da Gradiente.

Newton – Bom, aí embalou. Depois da Gradiente, uma série de empresas foram parando. Naquela época, era uma resistência contra a crise, as demissões, o facão nas fábricas. A experiência da Gradiente, a vitória nos estimulou. Íamos para cima. Mandavam um operário, no dia seguinte estava parado.

C – E como é que era a relação com o resto da diretoria…

Newton – Naquele período, funcionou assim, por exemplo, uma espécie de para-choque entre nós e o que havia de mais reacionário. Era o Huertas. Ele agia corretamente, sentia que o trabalho era aquele mesmo, não havia outro. Os caras, quando começavam a achar que nós estávamos avançando sinal, ele ia lá. Não, é isso mesmo, vai fazer o que, sendo que vai deixar o sindicato, essa quantidade enorme de trabalhadores que estão sendo despedidos, não vai fazer nada. Tem que fazer.

C – E o Joaquim ouvia mesmo o Huertas…

Newton – Ouvia. Depois houve outro congresso.

C – Conclat de 1983.

Newton – Logo em seguida, invadimos a Aços Paulista, durante um congresso, também. Ficamos lá eu e o Geraldino, um tempão. Tem até fotografia. Começamos em Santo Amaro, esparramos para toda a cidade. O pessoal de outros setores, o Jaime, Mariazinha, e outros também entraram na dança, todo mundo gostou da brincadeira. Mudava o governo de São Paulo, Montoro, aí facilitou.

C – Vem a campanha salarial de 1983.

Newton – 1983 correu frouxo, também. Foi quando apresentamos aquela proposta dos cem mil empregos. A oposição gritou um pouco, mas não teve força para reverter. Porque não tinha nada para apresentar. E nesse ano já estávamos nas fábricas de tal maneira que a oposição, aqui da Zona Sul, já tínhamos botado para correr da porta de fábrica.

C – Me conta um pouco esse processo. Em 1981, o sindicato, quando o Walter assume, vai para dentro do sindicato. Nem chegavam na porta de fábrica, quando iam distribuir boletim, corriam o risco de apanhar. E já em 1983, o sindicato consegue tirar o lugar da oposição, como é que é esse processo… Não se dá só através das greves…

Newton – Não. Em primeiro lugar, a imprensa do sindicato mudou. Muda sua característica. Se você pegar os jornais que eram feitos antes de 1980, já é material diferente. Além disso, passamos a responder diariamente a porta de fábrica, não só com esses materiais, mas com específicos, alto-falantes.

C – Como era a briga dentro do sindicato para conseguir alto-falantes, material específico…

Newton – Quem deu uma grande ajuda, foi o Sérgião. Ele tinha isso na cabeça desde quando fez a proposta para dar assessoria ao sindicato de São Bernardo do Campo. Ele foi lá e levou essa mesma para o Lula, que não aceitou. Trouxe para o Joaquinzão, em 1979. Ele já tinha concordado, achava que, no caso, que a situação dele já estava periclitando. Queria encontrar alguma coisa para se agarrar. Essa proposta já tinha sido aceita por ele, pelo Huertas. Então logo depois que começa, já mesmo na eleição de 1981, já começou a aparecer aparelho de som, mesmo alugado.

C – Precisava brigar muito…

Newton – Depois, talvez até deve ter havido brigas, disputa dentro da diretoria nas reuniões. Da executiva do Valter, o Luís Antônio junto e outros para levar avante isso. Nas reuniões gerais, ficávamos sempre cobrando que tínhamos os eleito em função disso. Logo depois que fomos para lá, começou a aparecer Kombi, aparelho de som, essas coisas todas. E aí víamos que começava a ter resultado, imediato. Os trabalhadores começavam a se movimentar, pelos acordos feitos, pelas greves realizadas, então não deu muito trabalho.

C – E como é a participação do Sindicato no Conclat 1983, você lembra disso…

Newton – Nós tivemos um discussão no sindicato, foi feito uma grande delegação.

C – Você lembra quem vai…

Newton – Até você foi delegada, em 1983… (referindo-se a Leir, sua esposa). Nas fábricas foi muita gente. Levamos uma delegação, parece que de 90 pessoas. Uma grande parte desse pessoal escolhido por nós, é claro. Foi pessoal do MR-8, alguns caras da oposição. Já naquela época, estávamos trabalhando as eleições de 1984.

C – Como é que foi esse trabalho…

Newton – Você sabe que não estou muito lembrado mais disso, não. Mas sei que começamos a trabalhar 1984 desde o dia que tomamos posse. Desde o dia que nós comemoramos a vitória de 1981. Já comemoramos pensando em 1984. Todo esse trabalho que foi feito, de alto-falantes, cursos no sítio, as campanhas que a gente fazia. Em vez de a gente ir para a porta da fábrica para discutir com a oposição, íamos para discutir, levar reivindicação.

 C – Me conta como é a greve geral de 1983. Como é que isso passa dentro do sindicato. Lembra que houve uma grande reunião de sindicalistas lá, antes, dia 9, para discutir como seria a greve. Está todo mundo, inclusive CUT. Você lembra dessa reunião, foi num sábado à tarde.

Newton – Sim. Sei que, de um modo geral, éramos contra a convocação da greve geral.

C – Foi a greve do dia 21.

Newton – Não é, essa foi 1983.

C – Foi 21 de julho de 1983.

Newton – Eu estava confundindo com outra. Houve uma que foi convocada contra a nossa vontade. Fizeram uma assembleia na Galvão, a proposta foi aprovada. Desmarcamos a participação, estou confundindo as duas.

C – Essa eu não sabia.

Newton – Houve isso, mas foi depois. Não sei se foi depois de 1983. Sei que havia uma proposta de greve geral. O sindicato faz uma assembleia, a oposição concentra e consegue vencer.

C – Você não lembra quando era…

Newton – Não sei se foi 1985, não me lembro. Agora essa aqui, estávamos embalados nela, essa eu lembro que nós estávamos.

C – Espera aí, essa greve geral que você está falando, era só metalúrgica.

Newton – Não era só metalúrgica. Quando fizemos uma reunião das fábricas aqui na sede, o pessoal dos químicos veio para aprovar a greve geral. Rebentamos com o negócio aqui.

C – Sabe o que acontece, essa greve em 21 de julho de 1983. Vai ter uma greve em novembro de 1985, era geral só para os metalúrgicos, que era da campanha salarial unificada. Essa que você está falando eu não sei qual é.

Leir – Não é aquela da Caloi…

C – Não, a da Caloi é 1985.

Newton – Em 1985 nós aceitamos, fizemos a greve.

Leir – O Sérgio estava neném, vocês pegaram lá nas Nações Unidas e subiram a Caloi e foi um desespero.

C – Essa foi 1985.

Newton – Essa que eu estou falando é outra.

C – Essa não teve, essa que ele está falando foi uma que marcou e desmarcou, mas foi para São Paulo, para o Brasil. Como é que foi…

Newton – Eu sei que a nossa atitude aqui desmontou o esquema de greve geral.

C – Essa do dia 21 de julho, que estava me referindo agora, houve uma reunião com todos os sindicalistas do Brasil lá, no sábado à tarde. Demorou, saí do sindicato umas 9 da noite. No dia seguinte, não tem uma linha sobre a reunião que tinha havido lá, com mais de duzentos sindicalistas do Brasil. Todas as lideranças estavam presentes, e aí tira a greve do dia 21 de julho.

Newton – Eu sei que assim que foi aprovada a greve geral, quando foi discutido dentro do sindicato, houve pequenas oposições, mas no geral o pessoal entrou em campo para fazer greve.

C – Nessa greve foi presa a Nair, o João Paulo.

Newton – Eu fui preso na porta da Villares, com outras pessoas.

C – São prisões sem violência.

Newton – Sim. Quem ficou mais tempo na prisão fui eu e o Zé Gregório. Ficamos uns três dias. Como foi decidida a greve, lembro que não houve na diretoria grandes atritos, alguém que se colocasse contra. Entramos todos de cabeça. Agora, uma outra que foi marcada, lembro que foi aprovada na Galvão Bueno, e nós viemos para Santo Amaro. A maioria dos trabalhadores não estava a fim. Marca a reunião, a massa vem e desaprova. Sei que houve atrito com a oposição, que trouxe até o pessoal dos químicos, para ver se conseguia aprovação, mas não.

C- E vai para a eleição de 1984, como é que foi essa composição de chapa…

Newton – Essa eleição nós fizemos, tentamos ampliar o leque da composição, até o Lúcio se tentou trazer.

C – Em 1984 houve uma eleição com chapa única de oposição, só o Bombardi na cabeça.

Newton – Se tentou fazer esse esforço, mas não se conseguiu.

C – Veio Magela, Juruna…

Newton – Veio Magela, Juruna, o Paulinho. Vieram uns outros, pessoas de oposição. Houve neutralidade, que era uns líderes que tinham naquela metalúrgica, como é que chama, aquela que polui o Jabaquara todo. Aliperti, e outras fábricas também. Havia uns que foram neutralizados. Também foi uma eleição muito disputada, decidida pelos aposentados.

C – Como é que você explica isso. Você vem fazendo um trabalho de três anos de tentar levar o sindicato para as portas de fábrica, modificar a atuação, e ele ainda perde na. Lembro-me nesse dia, da apuração do segundo escrutínio, o Juruna, sentado. Eu estava conversado com ele, dizia, ganhamos a eleição. Ele fica quieto. Que ganhamos a eleição, e a cara dele é que tinha perdido a eleição. Ele dizia, nós perdemos na Villares, nas fábricas, perdemos a eleição.

Newton – O trabalhador, de um modo geral, ele nos cobra diariamente. O dirigente sindical, pelo menos tenho notado isso, naquele período e até hoje. Às vezes acontece de encontrar a peãozada na rua, vem um cara cobrar de mim uma estripulia que acontece lá no sindicato, um mal atendimento. Esse dia mesmo um cara me pegou no Socorro e deu o maior esporro. Pô, vocês, tem que falar para aqueles advogados lá trabalhar mais, se preocupar mais com o trabalhador, eu fui lá e não me atenderam. Eu falei, você está lá mesmo, porque você não faz alguma coisa também. Falei, mas não estou lá, estou na Metal Leve. Você não está mais no sindicato… Acho que apesar de todo o trabalho que realizamos nesse período de 1981 até 1987, teve êxito, mas esse período foi de muito sacrifício para o trabalhador. Pode ser que até do ponto de vista salarial houve melhora, conquistamos a redução da jornada de trabalho. Se eu fosse fazer um balanço do nosso tempo no sindicato. Um dia desses veio um cara me encher o saco lá na Metal Leve. Falei para ele, quando saí aqui da fábrica para ir trabalhar no sindicato, nós trabalhávamos das 7 às 10 para 6, está lembrado disso… Você trabalhava 48 horas, mais alguns minutos para compensar os feriados de fim de ano. E agora quantas horas você trabalha… Antes, o problema das férias era 30 dias, agora você descansa e ganha 45 dias. O que você está achando disso… Então você não pode dizer que nunca fiz nada no sindicato, porque alguma coisa nós fizemos, apesar de todas essas conquistas que houve nesse período, o trabalhador sempre teve uma espécie de espada na sua cabeça. Ele não teve sossego, a grande massa de trabalhadores, de 1980 para cá. Sempre estiveram ameaçados por um chamado facão. Esse problema sempre pesou e continua até hoje. Ao mesmo tempo, o trabalhador sente que havia alguma coisa. O trabalho estava sendo feito, mas a nossa proposta, morria dentro do sindicato, não era política. Ao passo que a oposição sempre veio para a porta de fábrica falar mal da gente, inventar mentiras, mas também vinha com proposta, não só sindicalista, mas política também.

C – Porque vocês não tinham uma proposta política também…

Newton – Porque uma proposta política depende de uma organização, que abrisse uma perspectiva para nós, não tínhamos isso.

C – Quando você fala em nós você fala em quem…

Newton – Os dirigentes sindicais. Não tínhamos essa perspectiva política.

C – Sim, mas quem são essas pessoas…

Newton – Eu, Walter, Magela, Luís Antônio. Ele virou o que ele virou hoje, qual é a perspectiva dele…  É do ponto de vista dos ideias da classe operária. Ele passou para o lado do patrão, do ponto de vista da perspectiva histórica, não está mais com os trabalhadores. Não está com a visão de que sou presidente de um sindicato importante, de uma confederação, trabalhar visando uma mudança na situação histórica da classe operária. Essa visão ele já perdeu. Hoje ele é um homem de confiança. O trabalhador luta, conquista, obteve essas reivindicações, mas não obteve nesse processo a tranquilidade. Quando você se propõe a abrir uma perspectiva de tranquilidade para os trabalhadores, e nós não tivemos condições de fazer isso. Não tinha uma perspectiva política. Você vê que os trabalhadores não podem se manifestar e alguém apresenta essa alternativa de tranquilidade. Não está sequer pensando em socialismo, nada disso. Ele não tem essa consciência de classe. Está pensando em alguém que abra uma perspectiva de tranquilidade, que ele saiba que hoje ele começa a trabalhar na fábrica e que ele vai até a aposentadoria, está garantido. Hoje ele não tem isso. Quando entra o PT, apresentando algo como isso, o que acontece, o partido está sendo vitorioso. É claro que temos que levar em conta que esse quadro pode mudar, mas nesse momento, se houvesse eleição para Presidente da República hoje, ia dar Brizola. Abre alguma perspectiva nesse sentido, pode ser que amanhã, daqui a pouco a situação política mude de tal maneira que não, porque não tem outra coisa. Acho que estamos numa situação bastante delicada, o movimento sindical brasileiro. Você não pode dizer que o operário brasileiro adquiriu consciência de classe, como diz o pessoal da esquerda. Acho que isso não é verdade, mas também não é verdade, uns caras que chamavam “não esses roedores aí, só vão no sindicato em função de comer churrasco no sítio”. Essa teoria também é falsa. Acho que houve uma evolução, um crescimento que se manifesta, em alguns momentos. O que está faltando é dar continuidade a isso. O que não tem é organização que dê continuidade, que abra uma perspectiva para o movimento sindical nesse rumo.

C – Havia uma proposta de se formar essa organização no grupo…

Newton – A nossa proposta, fomos para as eleições de 1987, pelo menos eu, Walter, não sei se posso dizer o Magela. Eu, Walter, acho que o Juruna, também, a Nair.

C – João Paulo…

Newton – Não, ele estava no partidão. Mas nós tínhamos a ideia sim, e junto com o Oboré. A ideia nossa era de pôr em prática aquilo que foi decidido no 8º congresso.

C – Qual das decisões do 8º Congresso…

Newton – Primeiro, nós tínhamos, nem CUT, nem CGT. A não partidarização do sindicato. Mas isso não quer dizer a não politização do sindicato, é uma coisa diferente. A partidarização é você ser instrumento de um partido. Outra é uma política, que ninguém entende quando fala. Refere-se ao movimento sindical antes de 1964. Ele era apartidário, era do Jango. O movimento sindical não era partidarizado, era politizado. Estava defendendo uma bandeira política, que eram as reformas. Mas não era o partido, não era o sindicato do PCB. Onde se fez tentativa de colocar o sindicato subordinado a um partido ou fazer na base do partido deu tudo errado. Houve uma tentativa dessa linha em São Bernardo do Campo, logo depois de criado. Tínhamos um companheiro, que era secretário-geral do município, trabalhava na Mercedes Benz, um companheiro espetacular. Ele fez nascer o sindicato de São Bernardo, ele era motorista de taxi.

C – Quem era…

Newton – Edson Saraiva de Castro. Ele está hoje em Angola ou Moçambique. Ele esteve lá, para fugir da repressão, depois voltou para o Brasil. Ficou uma temporada, viu que o negócio estava uma merda e voltou para lá. Ele pegou como tarefa de motorista de taxi, trabalhar na Mercedes Benz. Para entrar, ele não tinha profissão nenhuma, então fez um curso à noite. De dia, trabalhava de motorista e à noite fez um curso de eletricista. Seis meses depois que ele pegou seu diploma, viu que dava para enfrentar a barra, foi, se apresentou e entrou na Mercedes Benz. Isso foi em 1959. Já em 1960, ele lidera a greve pelo abono de Natal. Não houve, aquele bochicho. Ele faz uma assembleia, para a fábrica. Mete o dedo na cara do dono, o presidente da Mercedes, coisa que os trabalhadores nunca tinham visto na vida. Dali, criou a base material e popular para sustentar o sindicato e faze-lo surgir em São Bernardo. Então, queria dizer o seguinte, a nossa proposta era essa. Defendíamos a tese de que o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por si só, ele é tão poderoso quanto a CUT. Juntando todos os sindicatos da CUT, ou da CGT, podíamos, utilizando esse sindicato, sua força, colocar o movimento sindical sentado na mesa para discutir a fusão. Uma entidade única, a nossa perspectiva a longo prazo, trabalhar nesse sentido. Primeiro não partidarizar o sindicato, o que o Luís Antônio está fazendo de certa forma era aquilo que queríamos fazer. Com uma diferença. Queríamos fazer com perspectiva de futuro, não em função da personalidade pessoal. Ele está fazendo em função de sua perspectiva. Chegou até a me dizer que ia ter mais um mandato no sindicato, que sua tendência é caminhar para o parlamento, que ia trabalhar nesse sentido. Parece que hoje a perspectiva é essa, esse desejo pessoal parece que ampliou. O homem quer ser mais do que parlamentar, pelo menos já está na sondagem de vice. Ele não é bobo de entrar só para ser candidato, a não ser que não visse perspectiva de ganhar. Está dizendo que só vai se manifestar a respeito depois da convenção do PMDB. Está todo mundo na expectativa, nessa esperança. No partidão, não víamos perspectiva mais. Acho que o partidão apodreceu de tal maneira, o remanescente dos partidos comunistas, que não tem recuperação mais, eu não vejo essa possibilidade. O grande crime cometido pelos partidos PCB e PCdoB foi embarcar na canoa do Tancredo. Aquela jogada que para burguesia era normal, a tentativa de resolver as coisas por um acordão, mesmo que não desse em nada. Se para a própria burguesia foi normal que o PMDB embarcasse nessa, se inchasse do jeito que inchou, e hoje está pagando por um de seus pecados. Apesar de ser um partido burguês, para os partidos de esquerda que embarcaram naquilo foi uma traição. Um abandono completo de qualquer princípio que você possa imaginar. Entregaram os trabalhadores, foram coniventes com um crime daqueles contra a população do Brasil. Então dali para cá, só tinha que dar no que está dando hoje. E vai ser sempre isso. Até acredito se semana depois a reação voltar a dar um golpe no Brasil. Isso não está fora. Ela vai manter esses partidos legal, tudo direitinho, porque serve de ajudar a manter a fachada de regime democrático. De outro lado, pela maneira como ela se comporta, que se propõe, o PT não tem também vida muito longa, não. Então há possibilidade de surgir coisa nova nesse processo. Acho que surgiria e poderia ser através do Movimento Operário, que abriu uma nova porta.

C – Isso era discutido entre vocês…

Newton – Isso foi discutido entre nós, de tal maneira que conseguimos a aprovação desses itens no Congresso. Lembra que tinha 6 itens que batalhamos. Um era a saída do Joaquinzão.

C – Era CUT, nem CGT, era foto na carteirinha.

Newton – Mas o fundamental era a saída de Joaquinzão. Nem CUT, nem CGT. Não partidarização, nem me lembro mais direito. Foi isso que abandonamos na campanha eleitoral. Depois daquela convenção, o Luís Antônio ganhou eleição com trabalho nosso.

C – Volta um pouquinho, o que era o CAM…

Newton – O CAM era uma tentativa de ser uma expressão organizada dessas ideias. Foi uma tentativa de expressar isso. Na medida que ele não soava bem, não agradava a todos, abandonamos esse tipo de coisa, mas as ideias eram essas. Desde 1979, ou quando entramos no sindicato, já vinham essas ideias na nossa cabeça. Só que era agregado a direção do PC aqui em São Paulo. Tentavam ser reflexo dessa manifestação. A nossa briga com eles era nisso, e de outro lado a ideia errônea desse pessoal do Comitê Central, que nos tirando ficava o PC para eles, mas não conseguiram isso. Saímos, e atrás de nós, muitos. O partido de São Paulo também perdeu tudo, a partir que o Roberto Freire, o próximo secretário-geral.

C- Ou Presidente da República. Você estava avaliando a eleição de 1984, que o trabalhador cobra tudo e isso teria refletido na derrota nas grandes fábricas, no dia da apuração tem uma greve, da Tormec, como é que foi…

Newton – Estava dentro do esquema nosso que já vinha sendo posto em prática, há muito tempo, de reivindicação dos trabalhadores. O Magela foi para lá, o Walter, todo mundo. Aquilo aconteceu dentro do que era normal no nosso trabalho diário.

C – Mas, no dia da apuração ia ter algum simbolismo, foi mera casualidade…

Newton –  Não, foi mera casualidade. Por sinal, essa greve teve boa repercussão posterior, nos ajudou muito. Mantivemos dentro da Tormec um controle absoluto, mas acho que não foi programado, não tinha simbolismo nenhum. Se fosse numa grande empresa eu acreditaria que sim, mas numa fabriquinha daquela, se bem que ela tinha oitocentos operários.

C – Depois das eleições de 1984, a diretoria já tinha outra composição, que era, além dos que já estavam, tinham entrado o Walter, Juruna, Magela, Xepa. Apesar disso a diretoria passa a ter naquele momento maiores problemas. Porque…

Newton – Sim, mas isso é natural. De um lado, quem representava o novo na diretoria queria avançar, modificar. Do outro, o velho, que estava dentro, queria ficar onde estava, não alterar nada. A abertura feita pelo Joaquinzão no sindicato foi até um certo limite. Chegou ali ele falou, não, daqui para frente não há nada, não vai ter mais essa colher de chá. Meu objetivo não vai além disso. Aí vem composição com o Tancredo, não é isso, a limitação do trabalho.

C – Não quer dar mais carro de som, já não quer mais…

Newton – Diminuir, quer controlar. Isso é natural. Nessa atura ele já tinha ganho o Luís Antônio, já tinha aberto a perspectiva do substituto dele.

C – Ele tem péssimas relações com o Luís Antônio, hoje.

Newton – Pode ser, mas ele conseguiu. Foi um dos que tiveram um grande trabalho de recrutamento, o Luís Antônio fez, e ganhou. Se bem que a cria foi mais além que o criador.

C – Quando se dá a campanha salarial de 1985, a unificada, que une todo mundo, dá a greve geral, que na realidade foi só nos Metalúrgicos. Como é que foi isso no sindicato, porque houve essa proposta.

Newton – Olha, proposta, não digo de greve geral, mas de campanha unificada, já era mostra do sindicato. Aliás, sempre defendemos na diretoria que, em torno de novembro, devíamos fazer um levantamento. Isso já surgiu em 1980. Logo que fomos para o sindicato, levantamos essa ideia de fazer um levantamento de todas as categorias que tivessem campanha em novembro e tentar fazer um movimento coletivo, único. Havia resistência. O Joaquinzão. O máximo que se concordou e passou a ser a bandeira do Luís Antônio é São Paulo, Osasco e Guarulhos, além disso, não. No ABC não havia nesse período nenhum, em função disso. Pelo menos nunca se manifestaram. Depois, viram que politicamente, se eles pudessem colocar São Bernardo na greve de novembro, abria novos espaços para o PT e a CUT. Tínhamos essas ideias que defendíamos, isso foi sempre proposto. Tanto é que quando surgiu em 1985, nem sei se foi nós que levantamos ou veio da CUT, embarcamos, estávamos conversando.

C – E como é que foi na diretoria. Porque, como um todo não foi nela…

Newton – Aí nem tanto, porque convicção política, essas coisas, não. Foi pelo fato do trabalho, que não foi pela greve geral. Quem mais resistiu a essa proposta foi o Jaime. A CUT tinha razão, ele não tinha trabalhado o setor dele para isso.

C – A diretoria aceitou tranquilamente a greve…

Newton – Até a assembleia, não. Houve algumas resistências, sim. Sentia que essa era mais em função de falta de trabalho de preparação.

C – Você se lembra que o Huertas queria que a greve durasse o terceiro dia e estava fazendo tudo para isso. Durou dois dias, e ele estava apostando no terceiro dia. Porque…

Newton – Para esvaziar. Mesmo isso aí ele não teve coragem.

C – No final do segundo dia, o pessoal já chegava no sindicato ao meio dia morto, não tinha condições.

Newton – Eu sei que o voto operário acabou com a festa. A greve acaba hoje. Sei lá. Eu acho que ali já estava se delineando o caso que viria a ser as eleições.

C – E que nessa greve o Lúcio conversava, você lembra…

Newton – Estava delineando as eleições, foi em 1985.

C – Novembro de 1985, 5 de novembro, a greve.

Newton – Ali já tinha começado a briga pelo afastamento do Joaquim. Só que ele estava tentando fazer isso para esvaziar, depois dizer que nós éramos os responsáveis pelo fracasso da greve. O Huertas pediu até nessa época, ele nem vinha no sindicato, estava mais fora, ele veio, depois deixou de aparecer uns tempos. Agora está direto lá outra vez. Ele ainda é o homem do Joaquim… Ou não… Ou ele é o homem do Luís agora…

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