04 set 2013 . 14:46
Todos nós que militamos na luta contra a ditadura, nós que vivemos um período de autoritarismo, nos transformamos também em pessoas autoritárias, sabe? Acho que hoje com a democracia ganhamos mais qualidades como, por exemplo, ser mais tolerante. E desde aquela época aprendemos a solidariedade. Ser solidários sem ser filantrópico, sem ser demagogo, ser solidário porque a solidariedade passa a ser uma característica que é tão natural como é natural respirar, acho que isso que é importante.
Chamo-me Enílson Simões de Moura, nasci em Divinópolis, Minas Gerais em 28 de julho de 1950. Meus pais são Gerson Penha Simões de Moura e Arlinda Simões de Moura.Tenho sete irmãos. Todos eles trabalharam em diversas empresas. Hoje um conseguiu ser engenheiro, outro professor e tal. Está todo mundo trabalhando, todo mundo empregado, em fábricas todas em Minas Gerais. Morei lá em Divinópolis até o fim da década de 60, sai de Divinópolis em 67, 68, uma coisa assim, fui servir exército em Belo Horizonte e aí passei a morar já em Belo Horizonte.
Trajetória
Nossa casa era uma casa de ferroviário, casa de gente pobre num bairro que não tinha infra-estrutura, não tinha calçamento na rua, não tinha telefone, não tinha esgoto, não tinha nada dessas coisas. Foi lá que passei a minha infância. Hoje é um bairro central, na época era um bairro de periferia. Chamava Vila Belo Horizonte. Lá comecei a trabalhar. Trabalho desde criança, desde os 11 anos de idade.
Terminei o período escolar, estudei na escola Grupo Escolar Joaquim Nabuco em Divinópolis e sai do Grupo e comecei a trabalhar. Aí fui estudar a noite e trabalhar de dia, em comércio numa fábrica lá de pra arreio para cavalo, uma selaria. Fiquei trabalhando lá por um bom tempo e depois fui para fundição. Divinópolis é uma cidade metalúrgica, uma cidade que é basicamente urbana e trabalhava lá tinha muitas fundições especializadas em fazer panelas, pé de carteira, tampas de esgotos, essas coisas mais de fundição mais antiga mesmo. Tinha também muitas siderurgias. Mas esse período todo foi um período em que ninguém assinava carteira profissional. Então em todo esse período trabalhei sem carteira profissional assinada enquanto criança e depois na adolescência e só depois que eu fiz exército e tal, que fiz serviço militar, é que começou a ter carteira profissional assinada.Depois eu me mudei para Belo Horizonte, comecei a trabalhar em fábricas. De lá vim para São Paulo, trabalhei em confecções no Bom Retiro, na Caterpillar, Volks, e Vilares no ABC.
Formação acadêmica
Escola é escola. Era uma escola pública, sempre em escola pública e depois no primário. Era interessante porque só continuava nas escolas públicas as pessoas mais ricas, as mais pobres tinham que pagar porque o ensino público tinha melhor qualidade. Estudei no Colégio Leão XIII e depois Colégio São Tarcísio e tal até terminar o segundo grau. Depois eu fiz também o curso mais barato que tinha que foi o curso técnico de contabilidade que foi uma coisa que eu nunca exerci, nunca trabalhei em escritório nenhum, mas não deu oportunidade de terminar o segundo grau foi assim, foi fazendo esse curso.
Por ser uma cidade industrial e ser também um centro rodoviário muito grande, lá em Divinópolis tinham muitas greves, tinham muitas greves de ferroviário também. O meu pai participou de muitas greves. Ele participava de todas. Tinha sempre a polícia invadindo a cidade, tomando conta da cidade porque lá era um núcleo ferroviário muito importante. As oficinas da estrada de ferro eram lá, era lá que se fazia manutenção de locomotiva, vagão e tal e então tudo fazia lá em Divinópolis. E era um entroncamento grande também que os trens que saiam de Belo Horizonte vindo pra São Paulo paravam ali em Divinópolis ainda um transporte grande de passageiros e de carga, sobretudo, de passageiros, a maioria era de transporte de passageiros era feito por trem também naquele período. Então nós participávamos disso das correrias, de vez em quando tinha que correr, mesmo criança tinha também que sair correndo de policia, essas coisas todas.
Militância política
Depois na juventude, na década de 1960, teve o golpe militar e logo em seguida do golpe, alguns anos depois, eu não sei exatamente, mas eu comecei fazer contato lá com o pessoal da esquerda lá de Minas, com a Polop (Política Operária) de Minas. Na época tinha lá um grupo de igreja que eu participava também. Há uma dissidência da Polop, já estava em várias dissidências, e onde a gente começou então a militância. E foi em função mesmo desse pessoal que logo que eu acabei mudando de Divinópolis para Belo Horizonte. Comecei a minha militância mesmo em Belo Horizonte, mas era um período em que a militância consistia mais em que a Polop tinha um negócio que eles chamavam de Recuo Organizado e Provisório, ROP, que onde os militantes deveriam se preparar para as tarefas da revolução. Então tinha que ler muito.
E aí tinha uma coisa de livro, uma bibliografia para ser lida que a gente começava lendo A Mãe do Gorki, depois lia História da Riqueza dos Homens, depois lia Materialismo Histórico da Marta Harnecker e depois lia Materialismo Dialético do Politzer e depois ia começar a ler as coisas do marxismo.
Esse grupo queria que eu fosse fazer movimento estudantil e aí eu já comecei a minha primeira bronca, porque eu não queria, eu não podia estudar, eu não tinha condições financeiras para estudar. O que nós fazíamos era organizar atos, trazer mais gente para nossa organização. Então busca nas fábricas, buscava. Quer dizer, eu basicamente buscava nas periferias e nas fábricas e embora o assistente do grupo insistisse que tinha que fazer um vestibular lá numa faculdade, isso nunca acabou acontecendo. E aí houve um período em que vários companheiros foram presos e aí eu tive que sair de Belo Horizonte na clandestinidade também. Vim pra São Paulo no início da década de 70, fiquei uns quatro anos clandestino em São Paulo.
Mas acabou essa história também de mexer com negócio de estudante e tal e fui continuar a minha vida normal que é trabalhar em fábrica e a partir das fábricas começamos a organizar os vários movimentos. Organizar greves. No início da década de 70 eu fiz greve dentro da Caterpillar, participei das campanhas salariais do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e era uma briga terrível lá naquele sindicato para ser da comissão de salários do sindicato e eu consegui ser da comissão de salários.
O sindicato nos afastava da produção durante o período da comissão de salário e acabava a estabilidade, acabava o salário e a fui demitido da Caterpillar. Mas lá já tinha construído um grupo que era uma célula da nossa organização. A organização já tinha dividido em várias. Nós tínhamos outra organização lá com o nome extremamente pretensioso: Fração Operária Comunista, FOC, junto com um pessoal do Rio. Em São Paulo eu fiquei trabalhando no Bom Retiro, em várias fábricas de confecções, e enquanto isso eu fazia o curso de inspetor de qualidade que fiz aí na Santa Cecília. Tinha uma escola lá que formava torneiro, formava um monte de coisa. Então o pessoal da nossa organização lá diz que era pra fazer de inspeção de qualidade porque era justamente o que dava mobilidade dentro das fábricas onde a gente podia circular e conversar mais com os trabalhadores. Então durante esse período eu fiquei me preparando, fiz esse curso e tal e a primeira fábrica que eu fui procurar emprego e consegui foi a Caterpillar. Aí foi por lá que começou a atividade sindical.
Metalúrgicos de São Paulo
A minha primeira atividade sindical foi essa participação nessa campanha salarial. O Joaquinzão era o presidente do sindicato, o sindicato tinha no Joaquinzão uma pessoa mais progressista, que todo mundo tratava como um grande pelego, mas era o mais progressista. Lá dentro do sindicato tinha um pessoal efetivamente de direita que era o vice-presidente. Então ele e eu propusemos um aumento lá, acho que 200 por cento, uma coisa assim, então nós tínhamos uma inflação de 40 por cento e eu propus um aumento de 200 por cento porque tinha uma história no nosso meio que tinha que exigir aumentos salariais elevados e mobilizar os trabalhadores pra isso acabava com que isso contribuindo para os trabalhadores formasse a sua consciência e etc. Não era bem isso não, mas acabamos fazendo isso. E por pouco nós não conseguimos aprovar na assembléia, porque eu levei muita gente da minha fábrica e eu não consegui aprovar os 200 por cento.
Então até fazendo um discurso bom e aí eu comecei a atacar lá os dirigentes do sindicato também chamado de pelegos, etc e botei a assembléia contra mim. Acabou que esse Malvezi, que era o vice-presidente do sindicato propôs a minha expulsão do sindicato e da categoria. E assembleia aprovou que ia iniciar o processo da minha expulsão do sindicato, mas também eu já não ia mais ficar na Caterpillar porque eu já tinha quase dois anos lá já tinha organizado o que precisava organizar e eu iria para a indústria automobilística.
Metalúrgicos de São Bernardo
Aí fui pra Volkswagen, trabalhar na Volkswagen. Na época tinha muito emprego, era muito fácil conseguir então imediatamente comecei a trabalhar na Volkswagen. Aí já era o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e era o Paulo Vidal o presidente.
Havia lá um tal de Lulinha, que não é esse Lula. Esse tal de Lulinha era para ser o futuro presidente e era um sujeito que de fato impulsionava.
Então acabou não fomos, quer dizer, aqui em São Paulo a mesma organização se organizava na oposição sindical, que era o nosso campo de militância. As reuniões nossas aqui sempre eram em igrejas, em porão de igreja. Tinha lá umas coisas da igreja de pastoral operária e a gente se reunia por lá e lá que a gente combinava que a oposição sindical combinava as estratégias de agir nos sindicatos.
Os sindicatos eram vistos como nossos inimigos, nós ficamos como um inimigo a ser combatido.
Lá no ABC nós começamos agir dentro do sindicato, dentro das empresas. Eu trabalhava na Volks e participei lá da primeira greve que teve, acho que foi em 1977.
Neste ano teve um movimento que até o DIEESE contribui bastante, com informações muito importantes para nós que o banco Mundial tinha feito aí uma denúncia de que a inflação de 1973 havia sido manipulada. Então havia uma reposição de 34,1. E aí começamos a fazer alguns movimentos para isso. E o movimento era fazer abaixo-assinado dentro das empresas e tal e fomos forçando a diretoria do sindicato a convocar a assembléia e acabou convocando uma assembléia para discutir essa reposição de 34,1 por cento.
O Paulo Vidal, que era o presidente do sindicato, ameaçava muito nós todos, dizendo que vocês vão ser presos, vai pra cana e não sei o que e tal. Na verdade ele não queria que houvesse nada que passasse de certos limites lá e então procurava conter. Mas São Bernardo tinha uma situação boa, para eclodir esses movimentos mesmo porque a maioria dos trabalhadores, 80 por cento dos trabalhadores, estavam em quatro empresas e eu estava numa delas que era a Volks.
Luís Inácio Lula da Silva
E aí teve a eleição no sindicato. Esse Lulinha do qual falei morreu num acidente de automóvel. Quando houve a eleição no sindicato puseram o Lula (Luís Inácio Lula da Silva) na presidência. E a composição da chapa foi extremamente complicada. Tinha umas pessoas lá da Volks, os diretores da Volks. Quando nós fizemos a greve de 1977 os diretores ficaram com a Volks contra os trabalhadores. Era um tal de Chacrinha, um tal de Gatão, um tal de Salvador e não sei o que.
E aí o Lula já estava querendo mexer mais com o sindicato, ter mais atividade sindical e excluir esses diretores. Aí nós fizemos uma assembléia e eu propus uma expulsão dos diretores. A assembleia aprovou e eles foram expulsos. Porque esses diretores entregaram essas lideranças da greve de 77 dentro da fábrica, entregaram para direção da empresa.
E aí houve muita demissão e tal, mas eles não…Depois, em 1978 fizemos outra greve lá na Volks e eu acho que eu já não fiquei mais na Volks, eu já estava fora da Volks e fui pra Vilares. Ah, foi greve na Vilares porque eu fiz greve na Vilares. O Lula já tinha ido para Vilares, a Vilares era uma fábrica que o Lula trabalhava também, embora ele fosse afastado porque estava na direção do sindicato e lá conseguimos segurar a greve por 30 dias.
Stalinistas contra trotskistas
Em 1981 teve eleição de novo, e aí nós fizemos uma chapa, eu resolvi fazer uma chapa porque nós perdemos de 30 a um. A gente também não tinha experiência em eleição, a gente achava que eleição era uma coisa limpa e nunca foi. Eleição de sindicato nunca foi coisa limpa, sempre tem muita bandalheira, muita sujeira, inclusive lá em São Bernardo.
Uma coisa ruim que tem nessa estrutura sindical brasileira é o próprio sindicato comandar a sua eleição, faz o que quer, só sai do sindicato quem quer, não é?
E aí nós fizemos a chapa, na qual eu era candidato a presidente, e tinha o Osmar, o Batista, que era do PCdoB.
Na verdade é seguinte: era a turma dos stalinistas contra a turma dos trotskistas.
Eu estava na turma dos stalinistas; os trotskistas estavam com o Lula, ficaram na chapa com o Lula. Porque eu estava no PT, mas não gostava do PT muito não. Ajudei a fazer um pouco o PT na época.
Central Única dos Trabalhadores
Nesse período de 1980 nós fizemos um congresso nos metalúrgicos em São Bernardo. Eu morava em um barraco lá, onde nós escrevemos um papel para propor a formação da CUT e levamos esse documento para o congresso dos metalúrgicos.
O congresso foi lá no Guarujá, na colônia de férias do Banespa, dos trabalhadores do Banespa. Até foi um deputado aqui de Bragança, o Nabi Abi Chedid, que nos ajudou a arrumar essa colônia.
No final do congresso se colocou uma discussão que foi a seguinte: o Lula queria que os trabalhadores se organizassem nacionalmente para construir um banco, Banco dos Trabalhadores, baseado em uma ideia do João Paulo Pires que era um sindicalista de Minas Gerais, de João Molevade. Aí ficou um debate se fazia um banco ou se fazia a central sindical. Neste debate o Lula teria 10 minutos e eu também para cada defender a proposta. Eu ia defender a proposta de fazer a CUT e o Lula de fazer um banco.
Nós votamos e o Lula perdeu. Isso foi num domingo, eu trabalhava na Vilares e aí no dia seguinte saiu em todos os jornais e na hora do almoço foi lá um punhado de jornalistas na Vilares. Nós saímos pra tomar cachaça e tal aí os jornalistas queriam saber da CUT, o que era a CUT e não sei o que e tal. Ai eu fiquei dando entrevistas o tempo todo o que era a CUT, como é que era a CUT, o que eu pensava de CUT e não sei o que e tal e foi a primeira vez que a CUT saiu na mídia. Bom, aí saiu a idéia da CUT o congresso de São Bernardo aprovou fazer, a gente tinha que viajar um pouco mais, andar um pouco para fazer o negócio da CUT, mas não tinha muita gente. Trabalhava e o sindicato também não levou isso muito a sério não porque na verdade o sindicato estava mais em torno da proposta do Lula de fazer banco. Mas essa ideia morreu, Lula nunca mais falou nisso daí não.
Partido dos trabalhadores
Depois teve um congresso estadual dos metalúrgicos lá em Lins onde ao invés do negócio de CUT o Argeu que era o presidente da federação dos metalúrgicos, pelego grande mesmo, propôs formar partido de trabalhadores. E aí o Marsílio, o Benedito Marsílio, que era um metalúrgico de São Bernardo do Campo, era mais de Santo André, era mais politizado e tal, topou. O Lula ficou meio desconfiado, mas acabou topando. Aí nesse congresso aprovou a fundação do partido. Aí eu comecei a ficar um pouco já distante porque eu achava que tinha um problema muito grave que os partidos na época, quer dizer, a experiência que nós tínhamos tido, tinha estudado um pouco disso, a experiência que tínhamos em 1964, a experiência que o Brasil viveu em 64 foi muito ruim, onde os sindicatos ficaram inteiramente instrumentalizados pela aliança do PTB com o PCB, dessa chamada aliança PT do comunista e tal que tomou conta de todos os sindicatos. E os trabalhadores faziam greve sem saber por que. Eram aquelas greves que eram preparadas fora das fábricas na base dos piquetão. E eu achava que greve tinha que ser preparada dentro da empresa e tal e tinha que ser decidida dentro da empresa e tal. Então nunca gostei muito desse negócio de botar partido dentro dos sindicatos.
Criou-se aí uma impossibilidade de continuar convivendo com aquela turma do Lula em São Bernardo do Campo que foi trabalhar o partido. Aí o Lula fez uma chapa para concorrer com uma chapa que eu tinha feito e botou um monte de dirigente lá que ninguém conhecia porque não participavam de greve e eu não tenho o maior problema de citar: o Jair Meneguelli, por exemplo, o Meneguelli encabeçou a chapa. O Meneguelli não participava de greve nenhuma, nunca participou de greve nenhuma. Trabalhava na Ford, foi a única empresa da vida dele, nunca perdeu o emprego, nunca teve nenhum problema lá na Ford e não sei o que e tal. E é esse pessoal que está aí hoje, que ficou aí o Giba, essa turma toda aí que ficou na cola do Lula. Eles ganharam a eleição.
Anistia
Antes disso ainda teve algumas coisas interessantes, nós temos o congresso nacional dos metalúrgicos em Poços de Caldas onde nós aprovamos a questão da anistia. Aí teve mais problemas porque os dirigentes queriam aprovar a anistia com restrição, era uma restrição que a arena queria na época, porque tinha que ter anistia, mas não podia ser anistia pra todo mundo: aqueles acusados de crime de sangue não podiam ser beneficiados pela anistia e não sei o que e tal. Aí nós queríamos a anistia ampla, geral e irrestrita. Isso terminou em pancadaria, quebradeira, mas acabou aprovando lá no congresso em Poços de Caldas nós aprovamos a anistia ampla, geral e irrestrita também contra uma parte grande. Isso nós aprovamos no grito, na pancada mesmo. Quem conduziu essa pancadaria foi o Scott, de Santo André. Ele que conduziu essa votação lá em Poços de Caldas. Esses foram os episódios mais importantes desse período, na eleição nós perdemos e depois começou as Conclat.
Preso
O pessoal lá de São Bernardo os diretores do sindicato não confiavam em ninguém que era de esquerda. Eles achavam que todo mundo era estudante infiltrado e não sei o que e tal, Então foram comigo lá em Divinópolis, o Lula foi lá, nós capotamos o carro, quase morremos no caminho. Capotamos um carro na Fernão Dias, estava eu, ele, e acho que o Djalma Mota Lins. Tinha mais outra pessoa que eu não lembro quem era. Capotamos uma Brasília do sindicato e fomos lá para Divinópolis. Mas aí o Lula já estava fazendo o discurso do PT e eu já estava ficando um pouco distante. Ficamos presos juntos, eu fiquei preso naquela greve que o Lula foi preso lá também. E fui um dos últimos a ser preso que eu não queria ser preso. Entrava nas assembléias e saia escondido, mas cercaram o carro que eu estava e acabaram me prendendo, lá no Paço Municipal em São Bernardo. Estava dentro do carro comigo o Fernando de Moraes e o Quércia, senador do MDB. Aí um cara bateu no vidro e o Quércia, idiota, abriu o vidro, o cara quebrou uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do carro de gás e o motorista teve que sair correndo porque os caras vieram com metralhadora e o Montoro chegou, parou e tirou o pessoal. Aí entramos no gabinete lá da prefeitura lá que a gente usava um pouco a prefeitura. O Tito Costa era prefeito e dava uma boa ajuda para gente lá e fomos e ficamos lá pra cima no gabinete dele, mas aí não teve jeito, ali eu sai preso. O Teotônio Vilela estava por lá também, ele falou com o ministro da justiça que era um absurdo, o ministro da justiça era o (Ibrahim) Abi-Ackel, falou assim: olha, vocês ficam tudo quieto aí porque senão eu vou prender todos que estão aí. Entrega logo esse Alemão aí porque vai ele porque já deu trabalho demais. E fiquei 30 e poucos dias presos com o Lula aí. Depois teve esse processo da Lei de Segurança Nacional aqueles negócios todos, mas acabou, aquele negócio não deu nada. E eu e o Lula nós tivemos as maiores penas: ele foi condenado a três anos e meio e eu também fui condenado a três anos e meio. Acabou que a gente não cumpriu isso. Teve um dia que ele se apresentou para ser preso e eu não quis me apresentar também pô, não precisa gostar de ser preso, que ser preso, carnaval, eu vou querer ser preso em carnaval? Aí fiquei pescando. Tomei cachaça lá no Guarapiranga. Mas acabou á tarde foi uma turma de amigos lá e falou você tem que se entregar que eles vão soltar, mas enquanto você não se entregar eles não soltam os outros. Como estava todo mundo preso acabei me entregando também. Cheguei dez horas da noite aí no DOPS o Romeu Tuma que era o chefe do DOPS. Aí ficamos preso lá e aí no outro dia soltaram e não cumprimos mais. Parece que nós éramos ser julgado na outra justiça e aí passou o tempo e prescreveu e ninguém foi preso e ficou por isso mesmo e tal. Porque a gente estava no período também da redemocratização, já no governo Figueiredo e não sei o que, essas coisas todas já foi o último governo militar, foi também coincidiu com esse período aí também que acabou, não tinha mais possibilidade de deixar ninguém preso da forma que deixava.
Greves
Eu estava na Volks e 80 foi na Vilares, as duas maiores greves foram da Vilares e da Ford. Todo mundo já havia voltado a trabalhar e nós não voltamos a trabalhar lá não. Aí em 81, 81 teve também greve de novo, mas aí já não foi mais dentro das empresas. A Fiesp tinha aí soltado uma circular pra botar os grevistas na rua porque aí a polícia dava conta. Oitenta e um, foi isso. Aí fizemos. Aí 81, 82 teve greve de novo. Acho que a última foi em 82, acho que foi a última greve grande lá acho que foi em 82 quando a gente já se reunia no estádio lá na Vila Euclides. Em 81 foi 15 dias de greve me parece, Eu fui preso todos os dias, eles me prendiam de manhã e soltavam à tarde.
Conclat
A primeira Conclat foi um esforço muito grande para todo mundo que fez. Eu participei desse esforço também para tentar uma central unitária e não foi possível porque nós conversamos a noite toda, discutimos a noite toda até ás cinco da manhã e aí fechou que haveria uma chapa única, havia uma direção única, haveria uma central única tudo direitinho. Depois quando retomou os trabalhos às oito horas da manhã o Lula chegou e falou que não havia unidade porra nenhuma e tal e que ele não aceitava que o Joaquinzão ficasse na direção porque a igreja impunha condição. A militância da igreja era muito forte e impunha como condição que ficava a pessoa aí que encabeçava a oposição que era o Valdemar Rossi. E ao os sindicalistas não aceitaram e aí terminou em pancadaria também e acabou não saindo central única coisa nenhuma e tal e fomos preparar a segunda Conclat.
Um grupo de sindicalistas vinculados aí quase todos vinculados a setores da esquerda aí no Brasil, o Pessoal do Partidão que trabalhava pela unidade sindical, era o Arnaldo Gonçalves, o João Negrão lá do Rio de Janeiro, o João Carlos de Araújo, o Antonio Carlos Batista, também lá do Rio de Janeiro, o João Pires, de João Molevade, o Hugo Perez, que nessa época ele era diretor dos sindicatos dos eletricitários aqui de São Paulo, eu também participava, o Lula participava, o pessoal de Santo André, o Marsílio, a Contag, o José Francisco da Contag.
Eu tinha uma boa relação com o José Francisco porque eu fui ajudá-lo lá numas greves em Pernambuco, acabei sendo preso lá também pela polícia federal lá, fiquei preso lá em Recife, fiquei preso lá em Vitória de Santo Antão, onde faz a Pitu. Nesse período um pouco antes a gente tinha sedimentado um pouco essa unidade. Teve o congresso nacional dos trabalhadores da indústria lá no Rio de Janeiro, lá no Pavilhão de São Cristóvão.
O Ari Campista era o presidente da CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria) chamou o Geisel para abrir o congresso de manhã. E aí eu não gostei muito e ataquei o Geisel lá de manhã e foi um bololô grande também, e aí pancadaria também e não sei o que. Acabou e o Ari Campista pegou o pessoal dele e levou lá para o quartel do exército, e nós ficamos sozinhos no pavilhão do subsolo e discutimos o congresso que a gente queria, mas não valia nada também, o Geisel teve que sair de lá meio em que às pressas também e não sei o que e tal. Foi outro episódio também importante assim o encontro nacional da CNTI. Mas lá não se decidiu nada importante não. Esses fatos eram só para ir ajudando a gente, ir mobilizando mais gente, mais sindicalistas, mais que achavam que o movimento sindical tinha que cumprir um outro papel nessa questão da redemocratização. E acabou a gente fazendo isso, lá eu tive um período de boa convivência lá em São Bernardo com o Lula nesse período e tal.
Centrais sindicais
Nisso teve a outra Conclat que formou a CUT e aí eu já não estava mais ligado ao povo do ABC, ao pessoal do PT e ao sindicato no ABC. Eu já tinha formado, eu vim trabalhar aqui na CEAGESP e acabou que organizei um sindicato lá, Sindicato de Empregados Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo.
Por volta de 1986. E a partir desse sindicato eu ajudei a organizar as outras centrais, eu ajudei a organizar as outras centrais também, aí fizemos a CGT, o Joaquinzão era o presidente que era Central Geral dos Trabalhadores. Essa CGT reuniu depois no primeiro congresso dela ela rachou também e aí fez duas CGT.
Essa do Joaquinzão eu era o vice-presidente e ficou uma CGT do Magri, que estava o Medeiros, a turma que depois acabou vinculada ao Collor, que já era uma ação dos americanos e tal.
Já tinha muita coisa a ver com os americanos que entravam nesse negócio e aderiu e que contribuía muito com isso para financiar essa história, ajudaram a financiar isso e tal e aí eu não cheguei a participar dessa CGT do Magri não, eu fiquei lá na CGT do Joaquinzão. Aquilo ali era uma bobagem, não era uma central, era um estado de espírito, que não tinha central que não tinha estratégia, não tinha programa, não tinha absolutamente nada. E não ia dar mesmo. Na época também eu era militante do MR-8 e na época o MR-8 era honesto, gostava mais de assaltar banco, fazer outras coisas. Depois começou a assaltar dinheiro público e aí eu larguei esse negócio para lá, quando saiu o Zarattini, saiu o Franklin saiu esse pessoal e também sai e aí também eu não fiquei militando em nenhum grupo de esquerda.
Força Sindical
Não quis saber mais dessa história não. Aí eu ajudei a formar a Força Sindical. Basicamente toda aquela preparação da Força Sindical nasceu lá no meu sindicato, preparação dos documentos e daquelas coisas toda a gente se reunia por lá.
Eu tinha amizade com o Candir, o Antonio Candir, e propus aí para o Medeiros, o Medeiros estava na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, e propus que o Candir fosse contratado para escrever a estratégia da central pra gente. Então ele escreveu lá um calhamaço desse tamanho assim, um livro, esqueci o nome do livro, uma proposta não sei de que era uma proposta para o Brasil e tal que era um negócio muito interessante porque já nos situava dentro dessas coisas que estavam acontecendo no mundo.
Eu já tinha ido uma vez ao leste europeu e realmente achei aquilo lá muito ruim, aqueles países comunistas muito atrasados precisavam evoluir. Foi na época da Glasnost e o povo não queria saber daquele negócio de comunismo mesmo de jeito nenhum, o povo de lá da Tchecoslováquia, da Alemanha oriental e não sei o que, aí tinha a Perestroika depois e tal e aquilo estava acabando. Então estava acabando o muro de Berlim e o mundo estava se transformando, era um, outro mundo, não era mais este mundo. Não tinha mais esse negócio de comunismo versus capitalismo.
Quer dizer, o mundo já era outro, já havia caído o muro de Berlim já. Nós já vivíamos outra. Eu achava que o movimento sindical tinha que viver outra expectativa, tinha outros desafios. O grande desafio que nós tínhamos no meu entendimento era ver de que maneira os trabalhadores podiam ter uma participação qualificada, naquele processo de transformação que o mundo estava vivendo. Eu não acreditava nesse negócio do Fukuyama lá do fim da história não, mas, achava que viveríamos numa sociedade de mercado mesmo, nós viveríamos numa economia de mercado e nós tínhamos que buscar e fazer com que os trabalhadores tivessem uma participação qualificada nisso.
Eu pensava que nada daquilo que a gente tinha aprendido lá pra trás de teoria que orientava a nossa prática, que orientava a atividade sindical, tinha necessariamente, que ser reciclado no movimento sindical. Isso seria uma coisa muito difícil como está sendo muito difícil porque o movimento sindical é extremamente conservador e reacionário, a maioria dos sindicatos brasileiros é dominada só pela esquerda reacionária e conservadora ou pela direita reacionária e conservadora. São assim que os sindicatos se colocam diante desses desafios e é exatamente essa uma das razoes que os trabalhadores brasileiros tem pagado um preço elevado por essas tentativas de ajustes que já teve aí na economia e tal. Então quando nós ajudamos a formar a Força Sindical pensamos que deveria ser uma central sindical para isso, porque não podia a CUT, na minha opinião, não seria em hipótese alguma capaz de cumprir este papel. Eles só vieram a compreender que o mundo era outro depois que o Lula ganhou a eleição em 2002 e tinha que ser eles mesmo que responder os desafios, esses desafios sobre os quais estou falando então aí que começaram a entender que tinham que mudar também a prática sindical.
Até hoje a CUT não mudou muito não, ainda continua sendo uma organização reacionária do meu ponto de vista. A Força Sindical acabou sendo porque ela tinha uma concepção que era interessante a questão da parceria entre o capital e trabalho para buscar o desenvolvimento, mas essa linha a parceria da promiscuidade era uma linha muito tênue.
Social Democracia Sindical
Nós saímos da Força Sindical e começamos, buscamos alguns companheiros e falamos: olha, precisamos ter uma coisa com mais … que a gente atribua alguma importância na questão da ideologia e então optamos por fazer uma centra social-democrata. Criamos a Associação Nacional dos Sindicatos Sociais Democratas porque eu não tinha a pretensão de fazer uma outra central, de ajudar, de trabalhar e construir mais central sindical. Mas acabou, pelo jeito a idéia era fundir com a CGT, essa CGT aí do Pegado e tal, mas ninguém quis. E não quis porque na época estava começando a distribuir esse negócio de recurso de qualificação e todo mundo queria ter a sua centralzinha para ir lá pra pegar um pouco de recurso de qualificação. E acabou a gente transformando em central, Social Democracia Sindical.
Nós chegamos ter alguma produção importante, em que nós pudéssemos compreender exatamente o que acontecendo no mundo da globalização, na questão da competitividade entre as nações, entre as empresas, trabalhador ser mais competitivo também. Um mundo totalmente diferente que se apresentou pra nós depois dos fins da década de 90, nos anos 2000 e tal.
Então é preciso buscar uma forma de que esse trabalhador da economia informal, inclusive os desafios expostos estavam esses desafios, buscar uma forma que esses trabalhadores da economia informal tivessem um mínimo de amparo do Estado porque não tinham. E eram a maioria, nós éramos 20 e pouco milhões, 22 milhões de trabalhadores com carteira assinada e quase 40 milhões lá na economia informal. A maioria dos trabalhadores brasileiros não tem sindicato, não tem Ministério do Trabalho, não tem lei, não tem nada para essa maioria dos trabalhadores. Então essa é naturalmente o principal dever, quer dizer, o principal esforço de qualquer dirigente sindical, de qualquer central sindical deve ser estar voltado para este segmento porque é destituído de qualquer tipo de proteção. Aí começamos a trabalhar nisso um pouco. A SDS, a Social Democracia Sindical trabalhou nisso um pouco e nós produzimos um negócio chamado Simplesmente Trabalhador que depois foi evoluindo, evoluindo, evoluindo, até virar um pouco aí esse negócio que o congresso acabou aprovando agora que é esse estatuto da Simples, o estatuto da pequena empresa e não sei o que e tal, que é um negócio que permite que o trabalhador se organize como empresa mesmo e possa vender o seu trabalho, vender o produto do seu trabalho, vender o seu trabalho. Então trabalhamos muito nisso e trabalhamos também numa outra proposta de organização sindical brasileira, outra estrutura sindical brasileira.
Avaliação/dieese
Conheci lá o Barelli, que foi técnico responsável pelo DIEESE quando o DIEESE era no Sindicato dos Marceneiros ali atrás da Rua do Carmo, esqueci o nome daquela rua ali, funcionava lá no Sindicato dos Marceneiros num andar do sindicato, bem apertadinho lá, mas funcionava lá. Acho que as principais pessoas eram o técnico responsável pelo DIEESE e o César Concone, que era uma pessoa extraordinária, nem sei por onde anda também, o cara era muito bom, eu gostava muito dele. Os sindicatos mais progressistas para obter o índice oficial buscavam ali no DIEESE e o DIEESE era um núcleo de inteligência que vivia no nosso meio, aliás, é o único grupo de inteligência que havia no meio do movimento sindical brasileiro. É o que nós fomos capazes de construir de inteligência no movimento sindical. Mais do que isso nós não fomos capazes de construir. E o DIEESE foi extremamente importante pra nós durante todo esse período. Por exemplo, quando houve essa manipulação da inflação de 73 a gente não confiava mais em índices oficiais, muito embora depois muitos outros institutos também passaram a oferecer seus índices, mas o índice do DIEESE era um índice que os trabalhadores confiavam. Em 78, e 79 o DIEESE também nos assessorou lá naqueles grandes movimentos do ABC.
Nas negociações meio por cento pra cá, meio por cento pra lá precisava ter alguém e era o DIEESE, era quem nos orientava em cada momento. Aí pode aceitar, aí se você aceitar você vai ter tal prejuízo e tal. Então sem o DIEESE a gente não encaminharia não, eu tenho certeza que a gente não caminharia. Depois os sindicatos começaram tanto a perceber que os sindicatos a importância do DIEESE que começaram a contratar núcleos do DIEESE dentro dos sindicatos maiores, os sindicatos que tinham mais poder econômico como tem hoje as sucursais, representando o DIEESE dentro do sindicato.
Avaliação/trajetória de vida
Acho que a gente com o tempo vai substituindo um pouco aquela impetuosidade. O que eu tinha? Eu tinha nojo da ditadura. E acho que isso a gente vai aprendendo a valorizar a democracia, muito. E uma das coisas que eu esqueci, que havia conosco era todos nós éramos um pouco autoritários, bastante autoritários. Todos nós que militamos um pouco na luta contra a ditadura nós aprendemos, nós vivemos um período de autoritarismo e nos transformamos também em pessoas autoritárias, sabe? Acho que hoje com a democracia a gente vai virando, vamos dizer, a gente vai ganhando mais qualidades como, por exemplo, ser mais tolerante, ser mais tolerante. E uma questão que desde aquela época nós aprendemos a viver foi a solidariedade, ser solidários sem ser filantrópico, sem ser demagogo, ser solidário porque a solidariedade passa a ser uma característica que é tão natural como é natural respirar, acho que isso que é importante.
Avaliação/projeto de memória
Eu acho que precisa de o DIEESE, por exemplo, ter a memória preservada exatamente porque a preservação da memória é uma preservação a história do DIEESE é a história da coerência, da coerência que o DIEESE teve ao longo de tida a sua existência de não se deixar levar por nenhuma onda de nenhum momento. Ele tinha um compromisso e ele cumpriu o seu compromisso, ele vem cumprindo o seu compromisso que é um compromisso de não substituir os trabalhadores, mas ser essa assessoria que os trabalhadores precisaram e precisam. Essa inteligência que é o nome mais adequado, que os trabalhadores precisavam para enfrentar esses desafios desses 50 anos.
E vamos deixar a modéstia de lado, eu acho que é uma grandeza para todos nós sermos convidados a participar disso.
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O Centro de Memória Sindical reproduzirá periodicamente depoimentos de sindicalistas e militantes feitos na ocasião do 50º aniversário do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em 2006.
Fonte: Todos os depoimentos foram gravados no ano de 2006 e estão hospedados no site Memória DIEESE 50 Anos
Entrevistado por Nádia Lopes e Marcelo Fonseca
Depoimento de Enílson Simões de Moura Alemão
São Paulo 05/02/2007
Transcrito por Augusto César Mauricio Borges
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