Grandes assembleias e mobilização permanente marcaram a greve dos metalúrgicos do ABC de 1979, há 40 anos

15 maio 2019 . 17:27

No auge da onda de greves do ABC, a greve dos metalúrgicos de São Bernardo de 1979 começou com uma assembleia lotada no estádio da Vila Euclides. O processo, que durou de março a maio daquele ano, foi marcado por intervenção no Sindicato, grandes assembleias e por inovações, como a criação do fundo de greve.

Por Carolina Maria Ruy

Assembleia na Vila Euclides, 1979. Foto Yugo Koyama.

No dia 12 de maio de 1978, mais de três mil metalúrgicos da Saab-Scania, em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo, cruzaram os braços e pararam as máquinas por reposição e aumento salarial. Era ressurgimento das manifestações sindicais, reprimidas há dez anos após a repressão às greves de 1968. O movimento foi considerado ilegal pelo governo. Mas o empresariado, dada a força dos trabalhadores, se viu obrigado a negociar os reajustes em cada empresa. Com isso, ficou demonstrado o poder das comissões de fábrica e dos delegados sindicais nos locais de trabalho.

Aquele movimento deu ânimo ao III Congresso do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, de onde saíram as principais reivindicações da campanha salarial de 1979. O Congresso, realizado entre 6 e 16 de outubro de 1978, no Guarujá (litoral de São Paulo), debateu a autonomia e liberdade sindical, unidade e pluralidade sindical, contrato e convenção coletiva, eleições sindicais, receita e despesa e contribuição sindical. Depois dele o Sindicato passou a realizar reuniões de operários por empresas.

1979: novas reivindicações

No final de janeiro de 1979, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema estabeleceram suas reivindicações para a campanha salarial que começou em fevereiro: 34,1% de aumento real; piso salarial igual a três salário mínimos; vigência da Convenção Coletiva de Trabalho, de abril até outubro de 1979, para que pudesse coincidir com a data-base dos metalúrgicos da capital, Osasco e Guarulhos; reconhecimento e estabilidade para os delegados sindicais e redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e reajustes trimestrais. Para aquela campanha o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luís Inácio Lula da Silva, teve uma ideia para aquela: convocar uma assembleia capaz de lotar um campo de futebol.

Joaquim dos Santos Andrade, Jacó Bittar (em pé à direita), Luís Inácio Lula da Silva e Henos Amorina (em pé à esquerda), durante a greve de 1979. Foto Yugo Koyama.

Assembleia da Vila Euclides

A campanha salarial ocorreu e, em assembleias realizadas nos dias 9 e 10 de março, os metalúrgicos decidiram declarar greve a partir do dia 13 daquele mês. A ideia de Lula de lotar um estádio ocorreu naquele dia, às vésperas da posse do general João Figueiredo na Presidência da República. Debaixo de chuva fina, 80 mil metalúrgicos ocuparam o gramado e as arquibancadas do estádio da Vila Euclides. Lula falou de cima de uma mesa, e suas palavras eram sucessivamente repetidas e passadas para diante, pois não havia palanque nem sistema de som.

A adesão à greve foi maciça: calcula-se que cerca de 200 mil trabalhadores cruzaram os braços em todo o processo. Eram trabalhadores da Ford, da Volkswagen, da Mercedes-Benz, da Brastemp, da Villares, da Schuler, da Vulcanus, da Motores Buffalo, da Saab-Scania, da Chrysler, da Cima, da Cofap, da Otis, da General Electric, entre outras fábricas de pequeno, médio e grande porte. O movimento também repercutiu no interior do Estado, com greves em São José dos Campos, Caçapava, Jacareí, Jundiaí, Campinas e Santa Bárbara d’Oeste.

Fundo de greve

No dia 15 de março os trabalhadores rejeitaram proposta de reajuste do TRT e reafirmaram sua decisão de levar a greve “até a vitória”, desencadeando uma campanha nacional em solidariedade aos grevistas. Um resultado desta campanha foi a criação, até então inédita no país, do Fundo de Greve, que consistia no recolhimento e distribuição de alimentos doados aos grevistas. Isso fortaleceu a resistência para longos dias de piquetes e repressões.

Intervenção

No décimo dia de greve (23/03), o Ministério do Trabalho propôs um protocolo de intenções que estabelecia a criação de uma comissão tripartite para estudar, no prazo de 45 dias, o índice de reajuste, a proibição de demissão aos grevistas e o pagamento das horas paradas a serem descontadas em parcelas. O protocolo seria levado aos trabalhadores e sua aprovação implicaria no retorno imediato ao trabalho. Mas, novamente, os operários, reunidos no Estádio de Vila Euclides, rejeitaram a proposta.

A greve foi então considerada ilegal e foi reprimida pela Polícia Militar na madrugada de 22 para 23 de março. O governo interveio nos sindicatos de metalúrgicos de Santo André, São Bernardo, e os trabalhadores passaram a se reunir na Igreja Matriz da cidade.

Trégua de 45 dias

No dia 26 de março, Lula e a diretoria do sindicato reassumiram a liderança do movimento, reafirmando a necessidade de manter a greve. Mas o movimento começou a refluir. Houve considerável retorno ao trabalho, o que fez com que a direção sindical e a comissão de salários percebessem que seria difícil manter os trabalhadores mobilizados.

Com isso, na assembleia geral do dia 27 de março, Lula e o comando de greve resolveram admitir os 45 dias, como uma trégua, nos moldes dos sindicalistas. Neste período, através de novas negociações com os patrões, tentar-se-ia obter um índice salarial satisfatório. Caso contrário, os metalúrgicos do ABC entrariam em greve novamente.

O Sindicato seguiu mobilizando os trabalhadores durante os dias de trégua. O salão paroquial da igreja matriz de São Bernardo do Campo passou a ser a sede da direção do movimento. Realizaram-se shows, torneios de futebol e várias outras atividades.

O fim da greve

Com o fim da trégua, no dia 13 de maio, foi realizada uma nova assembleia, onde o acordo, que estabelecia, entre outros itens, 63% de reajuste salarial (os trabalhadores reivindicavam 65%) foi apresentado aos trabalhadores. Naquele impasse, e devido à extensão da greve, o acordo foi aprovado e a greve, encerrada. Além disso, recuperar o Sindicato, que estava sob intervenção, era uma prioridade naquele momento. Mas os patrões não cumpriram o prometido e realizaram demissões e descontos nos salários dos trabalhadores grevistas.

Apesar da aprovação por maioria absoluta dos presentes, boa parte dos trabalhadores saiu insatisfeita daquela derradeira assembleia. Para eles, diferentemente da avaliação das lideranças, o movimento deveria continuar com a retomada da greve.

Setores oposicionistas à diretoria do Sindicato, ligados a correntes políticas, passaram a utilizar o descontentamento gerado com o fim do movimento para desgastar a Diretoria afastada. Isto fez com que os diretores, ao retornar, convocassem uma nova assembleia, onde seus mandatos foram colocados à disposição para que os presentes decidissem se deveria ou não retornar à direção do Sindicato. Os trabalhadores aprovaram a retomada oficial da direção do Sindicato, por unanimidade. No dia 18 de maio, o Sindicato foi devolvido aos trabalhadores.

Carolina Maria Ruy é coordenadora do Centro de Memória Sindical

Fontes: ABC de Lutas, Folha de SP, Portal Vermelho

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