30 anos sem Santo Dias

30 abr 2012 . 11:35

A morte de Santo Dias, há trinta anos, foi mais um símbolo da truculência do regime militar. Tal fato se somou àqueles que horrorizaram a opinião pública e promoveram o desgaste da ditadura. Mas, mesmo vencida, o prejuízo que ela causou é incontável.

A realidade brasileira de 2009 é radicalmente diferente da de 1979. Há trinta anos, em meio à repressão, não se podia nem imaginar a representatividade dos diversos setores sociais e a consagração e pluralidade do movimento sindical. Hoje, mesmo que com atropelos, pode-se dizer que o projeto de democracia política já se concretiza. Este não era o caminho aventado pela ditadura de 1964. A briga dos militares era pela consagração de políticas reacionárias e centralizadoras.

Resistir ao projeto militar e reorientar os rumos da Nação, entretanto, ensejou todo um processo de duras batalhas. A institucionalização da violência como política governamental roubou importantes cabeças do movimento progressista. A democracia foi restituída com profundas lacunas.

Relativizar os malefícios do uso arbitrário da violência na ditadura militar, mais de vinte anos depois de seu fim, seria um grande erro. A lembrança de pessoas que morreram vítimas desta violência deve suscitar a consciência e o repúdio a esses malefícios. Desta forma a morte de Santo Dias da Silva vai além de uma dor pessoal de seus companheiros e familiares. Tal fato traz em si um contexto repressivo, vencido com muita luta e muito pesar.

Santo Dias foi mais um símbolo da brutalidade do regime. Seu perfil era de uma pessoa apaziguadora. Filho de Jesus Dias da Silva e de Laura Amâncio Vieira, nasceu em 22 de fevereiro de 1942, na fazenda Paraíso, município de Terra Roxa, São Paulo. Católico desde a adolescência, Santo não atuava só no movimento operário. Segundo as pessoas que o conheceram, ele procurava se engajar em todos os agrupamentos sociais que visavam melhorias comuns. No início da década de 1960 viu-se, junto com sua família, expulso do campo devido sua atuação social. Na cidade, começou a trabalhar como ajudante geral na fábrica Metal Leve, em Santo Amaro e participava da Pastoral operária.

Em 1979 ele já trabalhava como inspetor de qualidade, na Filtros Mann. No dia 28 de outubro daquele ano, pouco depois da promulgação da Lei de Anistia, Santo aderiu à greve da categoria metalúrgica por 83% de aumento salarial. Nesta ocasião a PM invadiu os locais de reunião alugados pelo Sindicato, prendendo 130 pessoas do comando de greve. A greve se estendeu por mais alguns dias e, em 30 de outubro, no momento em que Santo Dias tentava negociar a libertação dos companheiros presos, foi atingido pelas costas por um policial.

Tudo ocorreu em frente à fábrica Sylvania. Em depoimento prestado à Comissão de Justiça e Paz, o metalúrgico Luís Carlos Ferreira, que estava nesta greve, afirmou que se tratava de um movimento de piquete, com cerca de 50 operários. Segundo Ferreira o movimento nunca usou de violência. Ele desmentiu a versão dos policiais de que os trabalhadores teriam iniciado o conflito, mesmo porque nenhum sindicalista estava armado, e reconheceu o soldado Herculano Leonel como o autor do disparo que matou Santo Dias.

O protesto dos trabalhadores foi imediato. A triste notícia correu de boca em boca, enquanto as autoridades procuravam desviar a atenção. No dia seguinte ao assassinato uma multidão saiu às ruas da Capital paulista para acompanhar o enterro e protestar. O corpo de Santo Dias foi velado na Igreja da Consolação. Logo pela manhã a movimentação diante da Consolação era grande. O cortejo saiu com mais de 10 mil pessoas carregando faixas e proferindo palavras de ordem. Novos manifestantes se juntavam ao cortejo. Em 1982 Herculano Leonel foi condenado a seis anos de prisão, mas recorreu e o processo foi arquivado.

Por seu simbolismo Santo Dias deu nome à várias instituições de defesa aos direitos humanos, como o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo e o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Fica a questão: em que mais Santo Dias poderia ter colaborado para melhorar as condições dos trabalhadores nestes trinta anos? A superação da ditadura foi uma vitória do povo. Mas durante sua existência ela feriu ou interrompeu o desenvolvimento de ações progressistas que se iniciaram sobretudo nos anos 50 e 60. Muito pior do que as terríveis intervenções, que a censura, e demais medidas de contenção, a ditadura matou pessoas que batalharam, e que tinham condições de permanecer batalhando por um Brasil melhor.

Carolina Maria Ruy
Jornalista e pesquisadora

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