Mulher independente, só que não…

09 jan 2015 . 16:12

mulher-1Fim de 2014, estamos já na segunda década do século 21. Isso é bom. Mulheres cada vez mais independentes e emancipadas. Mulheres como maioria absoluta nas universidades brasileiras. Mulheres cada vez mais libertas de tabus comportamentais que historicamente nos tolheram os movimentos. Mulheres assumindo profissões até a pouco impensáveis fora do domínio masculino. Mulheres blogueiras, cronistas, escrevendo sobre a contemporaneidade feminina, incensando não apenas os dons milenares que nos são atribuídos, aplicados com imensa habilidade nos dias atuais, mas, principalmente, exaltando as novas capacidades que, através dos novos tempos, temos de forma competente desenvolvido, afirmando nossa independência do sexo masculino. Só que, ruborizo, eu não.

Mesmo morando sozinha há uns bons anos, minhas casas sempre tiveram um homem eleito, fosse o porteiro, o marido da vizinha, ou um vizinho. A descarga disparou: e agora? A roldana do varal esculhambou: sem chance de lavar roupa. Entrou uma barata: bem, o assunto “barata” só pode ser devidamente explorado através de um longo tratado à parte, possivelmente com vários capítulos.

Aqui em casa bola da vez é o Seu Luíz, que é quase uma espécie de entidade, um ser com poderes sobrenaturais, que me acode nos apuros causados pela minha inutilidade masc… ops, perdão, feminina. Hoje mesmo, a chegada do Seu Luíz foi recebida como o adentrar de um milagreiro mais que aguardado. O assunto em questão era o pino da tomada da minha extensão – que na verdade é um tal de “T”, letra que ainda não consegui de fato visualizar – que vive embaixo da minha cama, quase como uma companheira de quarto com mil e uma utilidades. Bem, pra não dizer que não tenho feito progressos, dessa vez eu já sabia que o caso era trocar a tomada e não simplesmente comprar uma nova extensão, como eu faria antes. Ah, e já sei que há tomada macho e fêmea! Progresso! A vizinha me explicou! Mas, para solucionar minha demanda – urgentíssima! – precisei de um terceiro que, em três minutos, e com duas facas de cozinha, resolveu o assunto. Por isso, para Seu Luíz, preparo chá, café, ofereço chocolates e outras sortes de mimos. Ouço seus queixumes, segurando-lhe a mão, e também aguento suas fartas teimosias. Trato-o como uma boa filha à moda antiga, quiçá antiquíssima. Seu Luíz é precioso. É quem cuida da minha casa. É quem cuida de mim.

Após a saída de Seu Luiz, lembro que preciso de um adaptador para a mini-extensão do pisca-pisca de Natal da minha janela, que estou louca para acender. Vou à loja e só há os com tomada de três pinos, quando preciso de um de dois. Diante da minha desolação, o vendedor, falando num tom elementar, me manda retirar um dos pinos e pronto. “Mas como?”. O vendedor suspira, pega um alicate e, como num passe de mágica, retira o pino inconveniente. Eu saio grata, carregando meu adaptador desdentado como um troféu, pensando que não basta ser escritora, empresária, produtora, uma excelente faxineira e pilotar muito bem um fogão. Não basta saber o preço dos alimentos em cada mercado e onde comprar cada um – ah, incluindo os produtos de limpeza! Atualmente, o que traz o real status, a orgulhosa distinção, é saber manusear uma furadeira, ostentação que minha comadre fez, refestelada em sua autoestima, hoje, pelo telefone, logo após se horrorizar com o fato de eu não possuir uma caixa de ferramentas. Ela não só a tem, como é dona também de uma belíssima máquina de furar paredes. Tal falta me custou uma sabatina, na qual tive que demonstrar que sei a diferença entre uma chave de fenda e uma philips, entre outras coisas. Essa mesma comadre, há um ano, passando uns dias comigo no Rio, perdeu a paciência e me obrigou a subir na tampa do vaso sanitário do meu banheirinho após alguns dias de um defeito na descarga, que me fez manter fechado o registro da parte de baixo da casa, enquanto eu esperava pela ilustre visita do nobre Seu Luiz. “Desatarracha aqui!”, “Puxa o caninho!”, “Ajeita acolá!”, “Agora encaixa!”, “Pronto!”. Fui obedecendo, meio que como uma criança sob as ordens de uma mãe que ralha, e eis que me livrei do problema, mas não do esporro, que tomei acompanhado de uma boa dose de deboche. Pra dizer a verdade, não raro tenho sido objeto de risos de algumas amigas mais, digamos assim, independentes, que divertem-se com chaves inglesas, interruptores, canos, conexões, e assim vai…

E assim vou sobrevivendo, enquanto busco progredir nesse reinventar incessante que se tornou o ser mulher nos dias atuais. Pois mulher que é mulher, hoje, troca pneu, entende de motor, de radiador, discute com o mecânico… Mulher que é mulher, entende de instalação elétrica, hidráulica e de telecomunicações. Domina as ciências de fios, ferramentas, circuitos… Mulher que é mulher conserta chuveiro, instala gás, troca disjuntor. Me olho no espelho e vejo bem marcado o meu duplo x cromossômico: sou uma mulher, mas, pelo escrito acima, nem tanto… Se eu tivesse juízo ou o mínimo de vergonha, não publicaria esse texto, mas publico…

Bárbara Caldas, escritora.

Fonte: Bárbara Caldas

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