06 maio 2013 . 20:11
Assim segue o novo disco de Gal, Recanto: autêntico, maduro e alheio à indústria do entretenimento.
Alheio porque Caetano e Gal ousam abordar um tema que tal indústria insiste em taxar de fora de moda. Hoje são poucos os artistas que tem a ousadia e a perspicácia de colocar o trabalhador no centro de sua obra.
Na música nota-se uma sutil influência da batida que simula a rotina repetitiva e submissa do trabalhador da música Construção de Chico Buarque (1971). Há também uma semelhança com Deus lhe Pague que segue Construção em seu álbum original (1971), como uma resposta do trabalhador ao patrão (Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir, Deus lhe pague…). Aqui ela fala Mas agora a minha sala/Tem geladeira de gala/À dele quase se iguala/Muda o mundo em barafunda com o mesmo tom de agradecimento à estas pequenas concessões.
No lugar da denuncia abstrata de uma determinada situação social os artistas buscam a peculiaridade de uma situação concreta, colocando-se no lugar do trabalhador para daí expressar seu lamento contido.
Segunda
(Composição: Caetano Veloso/2011)
Intérprete: Gal Costa
Segunda é dia de branco
Vou arrastar meu tamanco
Quem não tem dinheiro em banco
Madruga e Deus não ajuda
Sexta-feira eu dou o arranco
No sábado aguento o tranco
Chega no domingo estanco
Na segunda tudo muda
Digo isso com alegria
Não vejo o nascer do dia
Mas pela Virgem Maria
Tenho dinheiro e patrão
Eu mesmo sou mei galego
O meu chefe no emprego
É que é mulato pra nego:
Só ecos da escravidão
Se conhece pela bunda
Pela tristeza profunda
Mas é só dele a segunda
Eu foi que herdei a senzala
Mas agora a minha sala
Tem geladeira de gala
À dele quase se iguala
Muda o mundo em barafunda
Vou arrastar meu tamanco
Que amanhã volto à peleja
Quem não me mata me beija
Mas ninguém morre de inveja
Essa é a última cerveja
Bendigo quem vai à igreja
Quem não vai, louvado seja
Segunda é dia de branco
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