40 anos da morte de Carlos Lamarca

30 abr 2012 . 12:00

Fonte: Carolina Maria Ruy*

Segundo o livro A Lei da Selva (2006), escrito por Hugo Stuard, o combate à luta armada no Brasil suplantou as Leis da Guerra, violando os princípios dos Direitos Humanos e das Convenções de Genebra, que tratam da proteção aos civis e aos prisioneiros em tempos de guerra. Com isso, importantes fatos históricos ocorridos àquela época foram ocultados por pretensas Razões de Estado.

Em 1964, quando ocorreu o golpe militar, Carlos Lamarca servia à 6ª Companhia de Polícia do Exército, em Porto Alegre. Dois anos antes ele atuara nas Forças de Paz da ONU, na região de Gaza, Palestina, onde presenciou a injustiça social. De volta ao Brasil em 1963, o capitão, ávido por compreender a sociedade, debruçou-se sobre estudos marxistas.

Em 24 de janeiro de 1969 Lamarca desertou do 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna, em Osasco, tornando-se um dos principais opositores do regime.

Desde antes da deserção ele mantinha contato com Onofre Pinto, ex-sargento, cassado e preso pela repressão no Ato Institucional n°1, em outubro de 1964. Onofre, que foi um dos grandes articuladores da luta armada no Brasil, recrutara Lamarca e com ele comandaria a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Organização que, após sofrer com a prisão de vários membros formou, junto com outros grupos, a VAR-Palmares.

A ação de Lamarca se intensificava, mas a clandestinidade era um desafio para os guerrilheiros. Quando não estavam em ação, confinavam-se nos chamados aparelhos”. Foi em um destes aparelhos, em São Paulo, que Lamarca, com seus companheiros, decidiu iniciar um treinamento militar no Vale do Ribeira.

Em 1969 os órgãos de segurança já sabiam da existência do que chamavam de “atividades subversivas” em áreas rurais e iniciaram uma caçada pela mata. As primeiras ofensivas, efetuadas por soldados inexperientes, não chegaram perto de abalar o movimento. Mais do que bem preparados, os guerrilheiros estavam determinados a lutar pelo fim do regime militar.

40anosLamarca conseguiu sair vivo do Vale do Ribeira, tornando-se o homem mais procurado do país. De volta à cidade ele comandou, no Rio de Janeiro, o último sequestro de um diplomata durante a ditadura. Giovanni Butcher, Embaixador da Suíça, vítima do mais longo sequestro político já ocorrido no Brasil, foi o refém para a libertação de 70 presos políticos. Mas, o governo, que havia cedido nos sequestros anteriores, endureceu e recusou-se a libertar 13 nomes da lista enviada pela VPR. O impasse quase custou a vida de Bucher. Ele só não foi morto por intervenção do líder Lamarca, que assumiu a responsabilidade de negociar com o governo. O Embaixador foi libertado em 16 de janeiro de 1971, três dias após o embarque dos 70 presos libertados, com os 13 negados substituídos por outros.

Em março daquele ano, Lamarca entrou no MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Depois refugiou-se em Buriti Cristalino, no sertão baiano. Os militares, que passaram a incrementar seus mecanismos de repressão, com um cruzamento de dados coletados ao longo de anos de caçada, fechavam cada vez mais o cerco.

Para caçar Lamarca, o comandante do DOI-CODI baiano, major Nílton Cerqueira, montou o que Stuart apontou como a primeira grande operação militar brasileira desde a II Guerra (1939 /1945): a operação Pajuçara, com 215 homens das forças armadas, além de policiais federais, do DOPS e da Polícia Militar da Bahia.

Após ser descoberto Lamarca, já fisicamente frágil, fugiu com a ajuda de José Campos Barreto, o Zequinha (histórico militante, líder da greve metalúrgica em Osasco, 1968). Por vinte dias eles percorrem quilômetros até chegarem em Pintada, um pequeno povoado em Ibipetum. Como seus rostos já eram conhecidos, não tardou para que os militares os localizassem. E, na tarde de 17 de setembro de 1971, os homens de Cerqueira surpreenderam a dupla, matando Zequinha com uma rajada de metralhadora e Lamarca com sete tiros.

Os dois corpos foram transportados para a base aérea de Salvador e fotografados em um chão de cimento. Uma foto famosa que tornou-se um dos símbolos da truculência daquele regime.

Cinco dias após a morte de Lamarca o diretor da Censura Federal deu o seguinte recado nos meios de comunicação: “Por determinação do presidente da República, qualquer publicação sobre Carlos Lamarca fica encerrada em todo o país. Qualquer referência favorecerá a criação do mito, propiciando imagem de mártir que prejudicará interesses da segurança nacional”.

Mais de trinta anos depois, em 2007, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça concedeu a patente de coronel do exército a Carlos Lamarca e o status de perseguidos políticos à sua primeira esposa, Maria Pavan Lamarca, e a seus dois filhos, que passaram a ter direito à pensão e indenização.

Em 2010, entretanto, acatando ação do Clube Militar, a juíza Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva suspendeu a decisão da Comissão de Anistia. A questão continua indefinida.

*Carolina Maria Ruy é jornalista, coordenadora de projetos do Centro de Cultura e Memória Sindical

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