A Comissão Nacional da Verdade

30 jul 2019 . 12:39

A primeira Comissão Nacional da Verdade (CNV) brasileira, instituída em maio de 2012, chegou ao fim em dezembro de 2014. O objetivo que guiou os trabalhos da Comissão foi “examinar e esclarecer as violações aos direitos humanos” praticadas entre 1946 e 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional” . Com isso a instituição procurou desmontar falsas versões oficias do regime sobre mortos e desaparecidos políticos.

Por Carolina Maria Ruy
 
Antecedentes
 
Antes de 2012 houve no Brasil outras iniciativas de revisão sobre a repressão no período da ditadura militar.
 
O Projeto “Brasil: Nunca Mais”, por exemplo, desenvolvido, por Dom Paulo Evaristo Arns e pelo Rabino Henry Sobel, entre
outros,
levantou, clandestinamente, informações sobre a repressão política no Brasil entre 1961 a 1979. 
 
Em 1995 a Lei da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, aprovada, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, fez com que o Estado brasileiro reconhecesse pela primeira vez sua responsabilidade pelos mortos e desaparecidos sob sua custódia do governo militar.
Além disso, em 2009, o governo federal, sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, lançou junto com o Arquivo Nacional o projeto “Memórias Reveladas”, que disponibiliza na internet informações sobre o período repressivo, entre 1964 e 1985.
Argentina e Chile 
Segundo a pesquisadora Simone Rodrigues Pinto, da Universidade de Brasília, desde 1974, mais de 20 comissões semelhantes foram criadas pelo mundo. Entre as nações sul-americanas destacam-se as comissões da verdade da Argentina e do Chile.
Na Argentina, o presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) criou a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep). O relatório final da Conadep, chamado “Nunca Más”, foi concluído em setembro de 1984, e serviu como base para o julgamento dos militares. A Argentina foi o primeiro país da região a levar peças-chave do regime, como o ex-presidente Jorge Rafael Videla, ao banco dos réus.
No Chile, a Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, ou Comissão Valech, criada em 2003 pelo presidente Ricardo Lagos, proporcionou o reconhecimento de um total de 40.018 entre mortos, torturados e presos políticos, vítimas de agentes do governo do general Augusto Pinochet.
Período de abrangência
No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade, priorizou as investigações entre os anos 1964 a 1985, período da ditadura militar. Mas, segundo seu texto oficial, a CNV abrange desde o início do governo do general Eurico Gaspar Dutra, em 1946, até a promulgação da Constituição Federal, em 1988.
 
Isso se justifica porque Dutra, empossado em janeiro de 1946, no contexto internacional da Guerra Fria, instituiu uma política de repressão aos opositores, sobretudo os comunistas. Seu governo foi marcado por uma política econômica liberal e por uma severa política de arrocho salarial.
 
E, mesmo antes do golpe de 31 de março de 1964, nos anos de 1950 e 1960 a conspiração militar se fortaleceu por trás dos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Historiadores afirmam que o golpe só não ocorreu em 1954 por causa da comoção popular em torno do suicídio de Vargas (agosto de 1954). 
 
Resultados
 
Entre os principais feitos da CNV estão a retificação de atestados de óbitos e a obtenção de confissões sobre a prática de tortura.
A CNV conseguiu, por exemplo, que a Justiça de São Paulo mudasse os atestados de óbito do jornalista Vladimir Herzog e do estudante Alexandre Vannucchi Leme, oficializando que ambos foram mortos sob tortura, pelo regime militar.
 
Entre as confissões de agentes da ditadura, obtidas pela Comissão, destaca-se o relato do coronel reformado do Exército Paulo Malhães. Ele confessou que torturou, matou e ocultou cadáveres de presos políticos, e que as práticas eram conhecidas pelos altos escalões das Forças Armadas. Seu depoimento trouxe revelações inéditas sobre técnicas usadas para sumir com corpos de presos assassinados, e sobre a morte do ex-deputado federal, Rubens Paiva. Desta forma, ficou comprovado que Paiva foi assassinado no DOI-Codi do Rio de Janeiro e que seu corpo foi jogado em um rio. No dia 24 de abril de 2014 Malhães foi encontrado morto em sua casa na Baixada Fluminense, vítima de um crime rodeado por suspeitas de vingança ou queima de arquivo.
 
Função pedagógica 
 
A Comissão Nacional da Verdade pode ter começado tarde no Brasil, principalmente do ponto de vista da punição aos violadores e da reparação às vítimas. Mas, embora o reconhecimento de casos pessoais e o acerto jurídico tenham uma simbologia importante, o maior valor da Comissão reside na compreensão da repressão política como um processo internacional. A função pedagógica, que contribui para que a sociedade não caia nos mesmos erros, também é um aspecto valoroso. Mas o principal objetivo é, ou deveria ser, a busca do entendimento de como aquela situação possui ainda vestígios no presente.
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Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical

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