30 abr 2012 . 11:34
Em 28 de agosto de 2009 completou-se trinta anos da chamada Lei da Anistia (n° 6.683). Este assunto envolve um conturbado período histórico, não só do Brasil, mas da América Latina, marcado pela repressão, perseguições e, sobretudo, pela força da luta e da resistência política.
Uma vez instituído, o golpe militar passou a perseguir, de forma não declarada, qualquer pessoa que levantasse suspeita de oposição. O sigilo estas ações permitia ao governo extraditar, torturar e assassinar suas vítimas.
Depois de dezembro de 1968, com o Ato Institucional n° 5, que dava ainda mais liberdade aos algozes da ditadura, a perseguição se tornou maior. As Leis de Segurança Nacional e de Imprensa, e outros instrumentos de exceção, obstruíam qualquer possibilidade de reação.
Nesses anos de chumbo, parte da resistência sobreviveu oculta. As organizações políticas clandestinas se articulavam no mais alto rigor, e sempre sob risco. Com o agravamento do quadro repressivo, ficavam mais evidentes as arbitrariedades do governo.
Já em 1968 começaram a ser organizados Comitês Brasileiros pela Anistia por todo o País, agregando forças com os seguintes objetivos: a anistia ampla, geral e irrestrita a todos os perseguidos pela ditadura militar, esclarecimento das mortes e desaparecimentos por motivação política, punição dos algozes do povo brasileiro, fim de todos os atos e leis de exceção e até a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana. Deste movimento foi criado, no Rio de Janeiro, o Comitê Brasileiro pela Anistia, em 1978, com sede na Associação Brasileira de Imprensa.
Em 1979 a ditadura militar já completava quinze anos. Pouco a pouco, e de forma fragmentada, seus crimes vinham à tona. Seu desgaste sócio-político já desestabilizava o regime.
A Lei da Anistia foi conquistada a duras penas. Mas o projeto do então presidente João Figueiredo ocorreu com lacunas, atendendo apenas parte do interesse nacional: deixou de fora guerrilheiros e, com uma interpretação errônea da lei, anistiou também os torturadores.
Enquanto nos porões do regime a repressão se mantinha firme, a anistia de 1979 já acenava para novos tempos.
Estatísticas
Hoje já se sabe que os desaparecidos no Brasil totalizam 136 pessoas, e os mortos chegam a 300. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas nos primeiros meses da ditadura, e cerca de 10 mil teriam vivido no exílio em algum momento. Entre 1964 e 1979, foram 7.367 acusados judicialmente e 10.034 sofreram inquérito. Houve quatro condenações formais à pena de morte, que não foram executadas, e 130 pessoas foram banidas do país; 4.862 tiveram cassados os seus mandatos e direitos políticos; 6.592 militares foram punidos e pelo menos 245 estudantes foram expulsos da universidade.
Novos tempos
Depois de outorgada a Constituição Cidadã de 1988, o Brasil passou a aderir a convenções humanitárias internacionais. Antes disto, com o sistema repressivo da ditadura, incompatível com tais convenções, o País ficava à margem desses sistemas de direitos humanos.
A indenização aos perseguidos pela ditadura, por exemplo, ato simbólico de responsabilizar o Estado por seus erros, é uma exigência do Direito Internacional.
Mas foi somente em 1995 que o Estado brasileiro assumiu, pela primeira vez, a morte de cidadãos pelo aparato de repressão. Com a promulgação da Lei 9.140, conhecida como “Lei dos Desaparecidos”, o governo deu um passo no sentido de reconhecer a responsabilidade pelas graves violações dos direitos humanos ocorridas durante o regime militar.
Nos dias de hoje
Questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), e divisora de opiniões no governo Lula, a anistia, tal qual foi reivindicada pela sociedade, ainda não se realizou plenamente. A ambiguidade de não anistiar todos os presos políticos e, por outro lado, estender a lei aos torturadores, é um entrave que se arrastou por estes trinta anos. No governo, o ministro da Justiça, Tarso Genro, é o principal defensor do julgamento de torturadores. Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, diz que não se pode revogar a anistia, e que qualquer decisão não teria efeito retroativo.
Para o historiador Oswaldo Munteal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a abertura dos arquivos da ditadura política evoluiu durante o governo Lula, com a investigação de crimes políticos. Entretanto, segundo ele, para que a Lei da Anistia seja considerada de fato eficaz e válida, é urgente a abertura dos registros do Itamaraty, do Arquivo Nacional, dos arquivos públicos estaduais, enfim, dos arquivos “ainda blindados” da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SED H), defende que as Forças Armadas façam uma revisão histórica em benefício da honra da corporação. Advocacia-Geral da União (AGU) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB ) também defendem uma revisão do projeto e a punição aos torturadores.
Carolina Maria Ruy é jornalista
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