A unicidade, a contribuição e a ação sindical

31 jan 2020 . 12:08

Nestes tempos em que o movimento sindical vive grandes desafios, vale reler a apresentação de João Carlos Gonçalves, Juruna, sobre as raízes da estrutura sindical brasileira, no Seminário “Liberdade Sindical”, realizado no Tribunal Superior do Trabalho (TST), entre os dia 25 e 27 de abril de 2012.

“Uma boa tarde a todos os companheiros e companheiras. Eu queria saudar o nosso presidente da mesa, o Ministro João Orestes Dalazen, saudar os presidentes das nossas Centrais Sindicais, o companheiro Artur, da CUT, o companheiro Patah, da UGT, o companheiro Calixto, da Nova Central Sindical, o companheiro Wagner, da CTB, o Wagner Gomes, e o companheiro Ubiraci Dantas de Oliveira, da CGTB.

Eu queria dizer que quando eu cheguei aqui, olhei essa corda (no cartaz do Seminário) e lembrei que no dia 1º de Maio comemoraremos o Dia Internacional dos Trabalhadores. Lembrei que Parsons, Engel, Spies, Fischer, foram enforcados na luta pela redução do trabalho. E que Lingg suicidou-se na prisão. Quando olhei também a corda, me lembrei daquilo que já foi dito aqui, o chamado Interdito Proibitório, que muitas vezes cercam as fábricas e não deixam os sindicatos atuarem com liberdade. Então, me deu certo receio quando eu olhei essa corda, como que cerceando o direito dos trabalhadores e o direito das organizações por aqueles que acham que podem decidir aquilo que é mais importante para os trabalhadores. (aplausos)

Desde já, gostaríamos de deixar claro que, do ponto de vista da Força Sindical, e de grande parte do movimento sindical brasileiro, a questão da unicidade sindical e da contribuição sindical compulsória, não são os principais entraves ao pleno desenvolvimento da ação sindical livre neste país. Tentarei situar o debate, recorrente entre pluralidade e unicidade, e sobre custeio de atividade fundamentado essencialmente por questões ideológicas, ou filosóficas, se preferirem. Dizem respeito ao papel do estado, ao papel do sindicato, sua natureza, a sua relação com o estado, com os trabalhadores que representa e com os patrões, aos quais em tese se contrapõe. A pluralidade sindical defendida, parte do pressuposto da liberdade individual, onde cada trabalhador poderia escolher o seu sindicato, se é católico, se é comunista, se é socialista. Seria uma coisa do ponto de vista da sua escolha, como se as coisas fossem assim na realidade. E na questão do pagamento, também pagaria do ponto de vista dessa visão, da liberdade burguesa. Eu escolho aquele sindicato que é melhor, eu escolho aquele clube que me dá mais acesso a benefícios, eu escolho aquele banco que me paga [cobra] menos juros. Eu acredito que isso leva a gente a pensar que o contrato de trabalho, seria como se fosse um trabalhador individualmente, se contratando a um patrão, ou a um empresário. E ali eles negociam o que ele quer, o que ele não quer, não é? Quando, na realidade, nós sabemos que no direito coletivo, a negociação é coletiva, as conquistas são coletivas, a mobilização é coletiva. Então, não é justo afirmar que só paguem aqueles que são sócios se, na luta coletiva de uma fábrica, não param só os sócios, param todos os trabalhadores. Lutam todos os trabalhadores. Podem perder todos os trabalhadores, como podem ganhar todos os trabalhadores. A visão da unicidade sindical que defendemos parte desse pressuposto.
Nós defendemos o sindicato unitário, ou o sindicato único, porque achamos que é o melhor instrumento para congregar católicos, comunistas, socialistas, e quem não acredita e não tem nenhum partido. Assim todos se unem pela força da classe e pelo enfrentamento entre o capital e o trabalho, e não se dispersam em negociações individuais entre uma pessoa trabalhadora e um patrão, empresário. Trata-se de um conflito de capital e classe operária.

Achamos que, nesta questão, toda a classe operária deve colaborar. Às vezes fala-se muito do negativo, da nossa estrutura sindical. “Ah, essa estrutura sindical é velha, essa estrutura sindical ela é dos anos 40”. Mas acho que nós devíamos situar as questões de conquistas, também. Se nós temos uma CLT com direitos, se nós temos convenções coletivas que garantem direitos, é porque nós tivemos também um histórico, com essa estrutura sindical que aí está, na unicidade sindical, que busca suas maneiras, de debates, e de enfrentamentos e de discussões internas, garantir lutas, como foram as várias lutas, como a que garantiu o 13º hoje, na CLT. Quando a gente, no final de novembro, recebe a 1ª parcela, nós tivemos o Sindicato Metalúrgico de São Paulo cercado dez dias pela polícia, em 62, em 1962, lutando pelo abono no Natal. Naquela estrutura velha, naquela estrutura arcaica, como dizem.

Nós tivemos um golpe militar em 1964, que prendeu, só na cidade de São Paulo, 1950 trabalhadores, levados ao Jóquei Clube. Todos da base Metalúrgica de São Paulo. Dirigentes e delegados sindicais. Um golpe militar que se disse e se colocou toda a discussão, porque estávamos caminhando para uma República sindicalista. Então essa estrutura não impediu que, em 1968 e depois em 1978 fizéssemos greves unitárias, que levaram a luta pela democratização, pela Anistia.

E aqui cabe uma reflexão. Aquelas lutas, nós podemos situar no ABC. Mas há de convir conosco aqui. Quantos dos pelegos, vou dizer assim, não apoiaram? E eu vou dizer uma deles. Joaquim dos Santos Andrade. Quantos caminhões de cesta básica[pagas com] da contribuição sindical, ou da época do imposto sindical não foram direcionados á luta unitária dos trabalhadores do ABC? E o imposto sindical cobrado de todos que ajudou a luta de todos, porque aquelas conquistas que foram levadas no ABC, Santo André, São Caetano e São Bernardo com certeza ajudaram as várias lutas que foram levadas pós essa discussão. Eu acredito que nós não podemos esquecer nossas lutas pelas Diretas Já, não podemos esquecer nossas lutas pela Constituição de 1988. Não podemos esquecer o que aqui foi colocado como chacota, a eleição do Lula, sim. A eleição do Lula. Porque quando nós rachamos em 1983, nós achávamos, ou achavam, porque eu também era dessa época, que os autênticos sindicalistas que tocariam o barco, isoladamente. E isso não foi verdade. Nós tivemos que compor. O PT teve que compor, as Centrais Sindicais conversaram sobre o programa do Lula, as Centrais Sindicais se reuniram com a Dilma para colocar propostas.

Os “autênticos” pregam o fim da contribuição sindical, mas nossa assessoria fez uma pesquisa, e viu que de 70 sindicatos cutistas, não chega a 20 que falem contra a contribuição sindical, então não é bem assim…

Mas, de qualquer maneira, achamos que essa ação unitária que foi retomada, foi positiva para todos os trabalhadores para darmos continuidade às nossas conquistas. Eu creio que o balanço que nós podemos fazer, não é um balanço negativo. Não posso pegar aqui os pequenos sindicatos, ou aqueles diretores, ou aquelas diretorias, que prejudicam a ação sindical, que vivem da contribuição sindical, como se isso fosse a maioria. Porque eu poderia pegar também pessoas isoladas do Exército, pessoas isoladas do governo, pessoas isoladas do TST, pessoas isoladas de qualquer instituição e querer queimar toda a instituição (aplausos). Discordo dessa posição. Eu discordo porque nós sabemos que a contribuição sindical, é fundamental aos trabalhadores, e só não é cerceada, porque está na lei. Todos os trabalhadores aqui, sindicalizados e sindicalistas, sabem que uma das grandes dificuldades que o sindicatos encontram na sua ação sindical, na sua convenção coletiva, é na hora da cobrança [da contribuição assistencial]. O Ministério Público vem com a sua corda, que está ali, e separa: Sindicalizados de um lado e não sindicalizados de outro. Quer dizer, como se um só tivesse que pagar.

Tive a chance de ter um encontro, há pouco tempo,[II Congresso] da CSA[Confederação Sindical das Americas], em Foz do Iguaçu, e perguntei a um companheiro da UGT da Espanha como funciona lá. Ele falou: “Lá funciona assim, tem UGT, Comissões Obreiras e umas menores. Há a eleição na fábrica. Se você escolhe Comissões Obreiras, UGT e as outras. Ganhou 30% Comissões Obreiras, 25% UGT. Então, negocia aquele que tem maior número. Aquele comanda a negociação, os outros participam. Mas o Estado, o Estado repassa uma verba, segundo a proporcionalidade”.

Depois, ele falou: “Juruna, se vocês aprofundarem a nossa estrutura, vocês vão ver defeitos, assim como vocês estão fazendo na de vocês”.

Com isso quero dizer que nos interessa fazer esse debate histórico, fazer esse debate de perdas e ganhos, e de possíveis mudanças que possam haver. Discordo dos que dizem que estamos com a estrutura fascista. A conjuntura já mudou muito. Primeiro: nós temos o direito a ter Centrais Sindicais, organizadas. Segundo: nós temos direito de o sindicato escolher para qual Federação, Confederação e Central, ele quer direcionar a sua contribuição sindical. Então aquela crítica de achar que: “Não, não vou pagar para quem vai mamar” é conversa mole, isso já está superado pela Portaria 186 do Ministério do Trabalho e Emprego. Você pode constituir a sua Federação, a sua Confederação, e fazer a sua Central. Então, na prática, nós estamos caminhando para a tão falada Convenção 87 nos seus direitos. Na prática já estamos dando esses passos. Quando falamos de índices de sindicalização, até parece que é fácil sindicalizar nesse país. Como já bem disse o Artur Henrique (presidente da CUT) existem dificuldades, não é?

Às vezes falamos nos Metalúrgicos de São Paulo, que estamos enxugando gelo. Nós sindicalizamos dois mil, e perdemos três mil pela rotatividade, e porque não temos a Convenção 158. Por isso creio que nós, trabalhadores do Brasil, estamos fazendo uma experiência de mudança, de debate, e de busca e de coisas concretas. Eu estava escutando o meu amigo José Francisco Siqueira Neto (advogado). Posso chama-lo assim? O Siqueira colocou que um sindicato pequeno negocia hoje por um município. Não é bem assim mais… As Federações hoje, da CUT, em São Paulo, a Federação da Força Sindical, a Federação da UGT, já congregam os sindicatos, poxa! Já não há uma negociação tão particularizada. Já há um corpo, as Centrais já podem se constituir por ramo. E isso eu sei que é uma experiência, não há uma regra. Eu acho que nós estamos buscando, cada vez mais aprofundar esse tipo de organização nacional, e esse tipo de formatação via Centrais Sindicais, com os seus ramos.

Mais do que isso, eu concordo com o Artur, em gênero, número e grau, em relação à questão dos locais de trabalho. Não são poucas as conquistas de comissões sindicais no local de trabalho. Mas nós temos que falar das coisas positivas. Nós demos um grande passo, por exemplo, no setor da construção civil, que sempre é mais difícil. Nós fomos capazes, as Centrais Sindicais, de fazermos um acordo nacional e estamos preparando o estatuto da Comissão Sindical de Empresa. Isso foi um ganho para os trabalhadores em nível nacional.

Nós já conquistamos as Centrais Sindicais, com a lei 11/648, [há a possibilidade de escolha das] as Confederações, Centrais Sindicais e Federações Sindicais, pela Portaria 186. Instituímos o Conselho Nacional de Relações do Trabalho, onde participam os trabalhadores, empresários e o governo. Estamos nas primeiras conversas neste Conselho, buscando equacionar todas essas questões que foram colocadas aqui.

Se nós acreditamos no Sindicato unitário, nós temos que permitir através do Estatuto, que todos possam participar. Não dá para fazer um Estatuto, como fazem alguns, e esconder o edital. Nós temos que ter um protocolo padrão, se nós acreditamos no sindicato unitário, onde vão participar todas as correntes. É claro que aquele que ganha vai escolher a sua Federação, a sua Confederação e sua Central. Nós, nesse Conselho, regulamentaremos essas questões, buscaremos, cada vez, mais aprofundar esse ideário que foi colocado no nosso Fórum Nacional do Trabalho.
E, para fazer uma crítica aos companheiros da CUT, acho que é falsa essa ideia de dizer que a contribuição sindical é a coisa que vai salvar os trabalhadores, ou vai torná-los mais democráticos. Eu acho que é falso colocar essa questão. Creio que lutar pelo fim do imposto sindical leva à uma lógica neoliberal. É como lutar para não pagar o hospital, ou qualquer outro serviço público.
Este é um argumento que se choca com aquilo que a social democracia defendeu, que é o pagamento de impostos para garantir serviços a todos. E paga mais quem ganha mais, paga menos quem ganha menos. Eu acho que nós temos que pensar no coletivo. Todos sabem que os recursos são necessários. E eu afirmo, como Força Sindical, a Força Sindical não devolveu a contribuição sindical, não devolve, e nenhum sindicato devolve. E eu sei que a maioria dos sindicatos filiados á CUT também não devolve. E aplicam bem, posso afirmar que aplicam bem. É importante frisar que a contribuição sindical é fundamental para os trabalhadores.

Então na hora em que o Ministério Público diz que só pagam sindicalizados, e não sindicalizados não pagam, ele está tomando partido do patronato. Está dificultando a luta dos trabalhadores. Eu creio que não é justo. É bom que a gente faça o debate para a gente buscar meios que evitem esse tipo de ação. Aqui nós estamos falando teoricamente, mas nós temos sindicatos que tiveram que pedir dinheiro emprestado para a Federação, ou para a Central porque não conseguiu recolher.

Para encerrar, eu gostaria de reafirmar que o debate sobre a reforma sindical, não deve focar-se na falsa controvérsia que eu já disse, da unicidade versus pluralidade. É fato que o movimento sindical fortaleceu-se sobremaneira no Brasil. Cresceu a sindicalização, o poder de negociação, as Centrais foram reconhecidas, os sindicatos são figura fundamental no arcabouço institucional do país. Eu acredito que nós, devemos cada vez mais buscar ampliar os sindicatos no local do trabalho. Buscar principalmente entre nós que acreditamos na unicidade sindical, fortalecer o debate de um estatuto unitário, que permita que todas as correntes políticas participem das eleições, do debate e das discussões do sindicato unitário. Porque senão, nós estaremos empurrando para a proliferação de outros sindicatos, até com direito, porque, aí também já é demais você querer impedir que outras entidades, que pensem diferente da sua diretoria, ou do seu corpo de associados, possam debater no sindicato unitário.

E, acredito que, as Centrais Sindicais, ao longo desses anos, mostraram maturidade. Apesar desse debate que estamos fazendo aqui, de algumas divergências como as temos aqui, o salário mínimo com aumento real foi conquista das Centrais Sindicais. Imposto de Renda na fonte, a diminuição do Imposto de Renda nos salários, foi conquista das Centrais Sindicais. Foi conquista das Centrais Sindicais o acordo do FGTS, lá na época do Fernando Henrique Cardoso. E foi conquista dos trabalhadores a democracia em que vivemos, que nos permite estar realizando este debate no TST.
E eu afirmo isso, como se fosse uma assembleia sindical, plural, com direito à manifestação, e a escutar aqueles que querem escutar. Numa assembleia sindical, nós temos sim (aplausos), nós temos e já tivemos cadeiradas entre nós, empurra-empurra, é o nosso direito, é a nossa maneira de ser, mas muitos de nós, mesmo às vezes se agredindo mutuamente, somos capazes de estar na linha de piquete, na madrugada do dia seguinte. Obrigado! (aplausos)

João Orestes Dalazen:

Agradeço a intervenção do senhor João Carlos Gonçalves, o Juruna, e não me furto de prestar um esclarecimento, sobre a corda (risos). Está claro que é uma questão de vista do ponto, nós podemos olhar deste prédio para o céu de Brasília, ou para um lamaçal que acaso exista a nossa frente. No caso desta corda, eu lembro que ela tem ao centro um laço, que quis simbolizar exatamente a importância da união de todos em prol das reivindicações e da construção de um sindicalismo forte, democrático, genuíno e verdadeiramente representativo.
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Transcrição da fala de João Carlos Gonçalves e de João Orestes Dalazen, presidente do TST, a partir do video http://youtu.be/DFmR5OUg3LY

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