18 set 2017 . 12:34
Vital Nolasco foi diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim (MG) e do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Realizado em 14/04/1989 por Carmen Lúcia Evangelho
Transcrição e revisão Luciana Cristina Ruy
Vital, para começar, você nasceu onde, data e local de nascimento.
Vital – Nasci em Belo Horizonte, 16 de dezembro de 1946.
Carmem – Você vem de uma origem de campo ou de cidade…
Vital – Vim de uma origem de cidade. Meu pai era padeiro, a profissão dele era essa. Em Belo Horizonte, estudei o curso secundário, 2º grau. Na época não era segundo grau, era o tal do colegial. Tornei-me metalúrgico com 19 anos, quando trabalhava numa empresa em Belo Horizonte, na Sotecs. Trabalhava como office-boy.
Carmem – E essa empresa fabrica o que?
Vital – Ela reformava máquinas da indústria têxtil. Comecei minha atividade sindical no Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem.
Carmem – Foi teu primeiro emprego? Ou você teve outro?
Vital – Já tinha tido outros empregos. Quando menor, com 16 anos, trabalhei como office-boy numa indústria química, na Ciba Geygi, que era Ciba do Brasil. Foi meu primeiro emprego registrado em carteira. Antes disso eu já tinha trabalhado numa serralheria como metalúrgico também, com 14 anos.
Carmem – E como foi nessa metalúrgica? Você estava como office-boy, fez algum curso profissional?
Vital – Naquela época, fiz o curso técnico de contabilidade e não consegui trabalhar na profissão, em função de dois fatores. Primeiro o mercado de trabalho, e depois a questão do preconceito racial, negócio de cor e tal. Belo Horizonte era muito mais racista do que hoje. Ainda tem bastante racismo. Então é difícil você arrumar emprego na profissão. O máximo que consegui foi office-boy. Cuidava de fazer pagamentos, recebimentos tal, mais ou menos isso.
Carmem – E você veio para São Paulo quando?
Vital – Quando eu trabalhava nessa metalúrgica, participava da JOC (Juventude Operária Católica). Através dela, comecei a participar do movimento sindical. Atuar no sindicato dos Metalúrgicos de Contagem, Belo Horizonte. Também já naquele momento, tinha ligações com a Ação Popular. Através da JOC, conheci o pessoal da Ação Popular. Desenvolvia um trabalho e participei de uma forma bem destacada dos dois movimentos grevistas nos metalúrgicos, que houve nos meses de maio, na Belgo Mineira.
Carmem – Em 1968.
Vital – Em 68, na Belgo Mineira. Conseguimos uma vitória, uma reposição salarial. Infringimos uma primeira vitória no arrocho a partir daquele movimento. Quando foi em outubro, na data-base dos metalúrgicos, também o movimento grevista. Tivemos uma participação destacada na greve. Depois dela, em Belo Horizonte nós conseguimos também, duma ligação que eu tinha com a JOC, com um pessoal da Igreja.
Fizemos um comitê de apoio que foi muito bom. Porque com a repressão, várias lideranças foram presas, uma demissão em massa. Os trabalhadores que fizeram greve ficaram sem emprego, muitos presos. E esse comitê de apoio a greve, funcionava no sentido de dar assistência às famílias dos companheiros que tinham sido demitidos, ou estavam presos. Conseguimos listar em torno de mais de 200 famílias de trabalhadores nessa situação, às quais mês a mês dávamos assistência. Através desse comitê, continuamos um trabalho ligado a essas famílias.
Depois nos deu um IPM, como eu era da JOC e também tinha muita ligação com a Igreja também. Em função dessas prisões, foi um IPM no qual eu estava indiciado e ainda trabalhando nessa empresa, a Soltecs. O encarregado do IPM, se não me engano, era o Euclides Figueiredo, o atual general. Presidiu o inquérito, foi me procurar na fábrica. No momento, foi com uma equipe, ele e mais uns quatro. Abordaram-me, mas houve a reação dos companheiros da fábrica, que perceberam que era a polícia. O escritório era quase no meio da empresa. Eles cercaram o escritório. Acharam que poderia haver algum tipo de confronto ali e resolveram não me levar preso naquele momento. Fugi. O pessoal deu cobertura. Passei a viver clandestinamente.
Isso ocorreu, se não me engano, no início de 1969. Fiquei até maio desse ano em Belo Horizonte. Quando houve outras prisões, de outros companheiros, devido ao primeiro de maio. Mesmo assim participávamos. Depois dessas prisões, ficou insustentável a minha permanência em Belo Horizonte. Fui obrigado a me mandar para São Paulo. Foi como vim parar aqui.
Carmem – Isso está me interessando muito. Embora não tenha a ver concretamente com os metalúrgicos de São Paulo, porque tem toda uma corrente que diz que de 1964 a 1978 não havia atividade sindical nesse país.
Vital – Não, isso é mentira.
Carmem – Salvo algumas expressões esporádicas, como Contagem e a greve de Osasco. Queria que você me contasse um pouquinho sobre a greve de Contagem, já que você participou do movimento. Que trabalho foi feito para que isso aparecesse.
Vital – Com o golpe de 1964 e as prisões e cassações de sindicalistas, várias lideranças sindicais foram presas, cassadas. Desarticulou o movimento sindical num certo sentido. Mas os trabalhadores, nunca ficaram passivos frente ao golpe, frente a situação de opressão. Isso de dizer que a classe operária ficou passiva é um engano muito grande. Sou contra essas teses. É tentar justificar inclusive uma tese que a burguesia joga que o povo brasileiro não é de luta. Isso aí é mentira.
Carmem – Você entrou para o sindicato em 1965…
Vital – Não, em 1967. Havia algumas lideranças e a de mais expressão era o Ênio Seabra, que ainda era remanescente de 1964. Eram novos naquela época. Havia nos bancários o Faria, que foi um antigo presidente do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte. Havia um pessoal dos petroleiros, que foram presos. Outros companheiros, simplesmente presos ou cassados. Faziam parte ou participaram do movimento sindical, agora usando outras formas. Através da igreja, da JOC, da JUC, movimentos de bairro. De uma forma ou outra, o pessoal havia sempre participado. Lembro-me na primeira greve que houve em abril.
Uma pessoa, não que eu admire pelas suas posições políticas, mas foi sempre um cidadão corajoso, como Jarbas Passarinho, pela atitude que tomava. Lembro-me de uma assembleia no sindicato, durante a greve, em abril de 1968. Ele teve a coragem de ir pessoalmente à assembleia de trabalhadores no sindicato e disse: “Olha, é bom vocês tomarem cuidado com essa greve aqui, porque nós temos máquinas de fabricar cadáveres”. Disse isso numa assembleia de trabalhadores. No que foi imediatamente contestado pelo Ênio, que tomou o microfone e disse: “Se você tem máquina de fabricar cadáveres, nós temos quem fabrica as máquinas”, e pôs ele para fora do sindicato. O Ênio era presidente, na época. Ele fazia parte da diretoria do sindicato que foi cassado em 1964. Encabeçou a chapa que ganhou as eleições nesse período, mas não o deixaram tomar posse.
Em seu lugar assumiu o vice-presidente, que era um ativista, não dos mais combativos, mas que não impedia o movimento sindical. A Conceição, do PCBR, era secretária geral do sindicato. Ela foi presa, torturada e banida do país. Voltou, e não sei hoje se ainda é viva, o que faz da vida.
Tinha uma diretoria que vinha desse movimento político JUC-JEC. Algumas organizações clandestinas que atuavam no sindicato. Também uns outros ativistas, remanescentes desta época. Depois da greve (de abril de 1968), organizamos um Primeiro de Maio, em 1968, em Belo Horizonte, com esses sindicalistas do Sindicato dos Metalúrgicos, do Sindicato dos Bancários, que eram cassados e não eram da diretoria, mas estavam ali. Não sei bem a sigla, mas era um movimento nacional. Através desses dirigentes sindicais cassados, organizaram nacionalmente um movimento de solidariedade aos ex-diretores sindicais cassados. A Pastoral Operária estava por trás disso, a própria JOC andou articulando.
Carmem – Era suprapartidário.
Vital – Nem era suprapartidário.
Carmem – Quer dizer, atendia qualquer presidente…
Vital – Atendia qualquer. Essa solidariedade articulava todos os ex-dirigentes sindicais e aqueles ativistas que tinham tido atividade nesse período de 1964. Tinham encontros, reuniões. Lembro-me de alguns como, por exemplo, o Ferreirinha.
Carmem – Ele está nos metalúrgicos do Rio de Janeiro hoje.
Vital – Isso. Tinha um pessoal que era da JOC. O Farias, antigo presidente do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, o M. Seabra, Mário Bento. Várias tendências se encontravam e atuavam. O Ibrahim, de Osasco, o Tom. Esse companheiro que entrou aqui, na época era um dos assistentes da JOC, participou de algumas reuniões com esse pessoal. O pessoal se articulava e promovia encontros, debates, cheguei a participar de alguns. Era semiclandestino, procurávamos não divulgar o nome do pessoal. Então em 1968, sabíamos que ia ocorrer, em São Paulo, aquele 1º de maio, que foi mais ou menos articulado, que o pessoal ia para a Praça da Sé. Já sabiam que o Sodré ia ser posto.
Articulamos o 1º de maio em Belo Horizonte nessa época com o daqui. Fizemos lá primeiro uma assembleia na Secretaria de Saúde. Começou-se uma discussão interminável, se íamos para a rua ou não, se era proibido. Para Belo Horizonte, uma proporção enorme. Enquanto discutíamos, a repressão se organizou. Quando finalmente se decidiu ir para a rua, a polícia nos cercou, uma pancadaria. Resistimos, porque uma das características do movimento era a combatividade. O pessoal não deixava por menos, apanhava, mas ia para o enfrentamento, não simplesmente corria.
Isso é uma tradição que vem desde 1964, quando eu participava como secundarista. Tinha lá a TFP, que ficava na cidade fazendo aquele movimento contra o comunismo. Aí organizávamos um grupo de estudantes secundaristas e íamos simplesmente para a rua quebrar a barraca deles. Hoje, às vezes vejo essas manifestações da direita em São Paulo, a juventude do nosso meio é diferente, naquela época era quente. Hoje vamos à sala de aula, na Avenida Afonso Pena, na Avenida Paraná, os caras estão aí, vamos quebrar a barraca deles. Saia quebrando, dava aquele rolo. Polícia no meio, aquela confusão toda, não deixávamos os caras ficarem em paz. Sempre foi uma característica do movimento sindical de Belo Horizonte, ir para o confronto. Havia várias lideranças, o Dazinho, que era o antigo presidente do Sindicato dos Mineiros de Morro Velho. Há vários episódios que conhecemos de sua vida, de confronto com o latifúndio, com a polícia. E a massa junto. Essa é a herança do movimento de 1968 de Belo Horizonte.
O que ocorreu nesse 1º de maio, foi articulado aqui, na Sé, e foi uma articulação que o pessoal fez usando as condições que tinham. E deu certo. Lá (em BH) não deu por bobeira nossa. Depois de 1968 se desarticulou tudo. Depois das prisões, acabou mesmo.
Então vim para São Paulo. Chegando aqui, desembarquei no ABC, onde a AP tinha certa penetração no Movimento Operário. Cheguei a realizar algumas reuniões, que vinham com toda uma bagagem daquelas lutas de 1968, de Belo Horizonte e Contagem. Cheguei a participar de várias reuniões com os metalúrgicos do Sindicato de São Bernardo. Participei com os trabalhadores da Chrysler, que depois foi comprada pela Volkswagen, com o objetivo de tomar o Sindicato de São Bernardo.
Carmem – Era o Paulo Vidal ainda.
Vital – É, acho que era ele. Era uma “pelegada” que dirigia aquilo. Participei de várias reuniões dos Metalúrgicos de São Bernardo. Começamos a promover alguma luta dentro da Chrysler, da Mercedes, para articular os trabalhadores de São Bernardo, como a própria tomada do Sindicato dos Metalúrgicos. Não foi possível continuar, porque minha estada em São Bernardo foi muito curta devido a minha situação de perseguido. Fui obrigado a vir para São Paulo, e buscar apoio com o pessoal da igreja, da JOC. Consegui um canto, fiquei lá durante noventa dias morando na casa de um padre, que hoje é bispo, Dom Fernando, de Itapecerica. Depois fiquei sem maiores contatos com o pessoal do ABC.
Sei que houvera, algumas greves em São Bernardo. Greves parciais. Vim para São Paulo, trabalhei numa indústria de borracha, ali na Água Funda, perto da Praça da Árvore. Trabalhei numa fábrica de salto de sapato durante seis meses onde comecei a tentar uma ligação mais estreita com o movimento dos metalúrgicos, que naquele momento se organizava em torno de duas correntes. Isso por volta de 1970.
Tinha a recém fundada UML, a União Metalúrgica de Luta, que era uma tendência dentro da oposição oposição metalúrgica. A UML tinha atividade própria, jornal. Era uma parte do pessoal da AP, uma parte do pessoal da JOC e pessoal da pastoral operária e alguns outros independentes.
Carmem – Era sobretudo igreja.
Vital – É, remanescente desse pessoal de Igreja. Era eu, Waldemar Rossi, a Inês, companheira da JOC, era da coordenação. Chegamos a ter comissões de fábrica clandestinas em várias empresas de São Paulo: na Aços Paulista, Lorenzetti, Same, na Lapa e em Santo Amaro, na Amortex Wapsa, e Metal Leve. Tínhamos comissões que reuniam trinta trabalhadores, nessa época de repressão. Chegamos a promover algumas lutas dentro da fábrica Aços Paulista, chamamos de operação boato. Os companheiros ativistas começavam a dizer na fábrica, naquela época de arrocho, que ia ter aumento de salário, que o chefe tinha dito. Começou a espalhar aquela onda, a massa ficou interessada. Daí a pouco cai na direção da empresa que já tinham falado do aumento, que o aumento ia sair dia 10. A massa foi conferir e a empresa soltou um comunicado, que não ia ter aumento coisa nenhuma. E o pessoal parou (risos).
Por volta de 1972 eu saí dessa empresa de borracha.
Carmem – Trabalhando na empresa de borracha, você estava agitando os metalúrgicos.
Vital – Sim. Saindo dessa empresa, eu trabalhei 15 dias na Aliperti, uma fábrica de mola na Mooca. Depois, eu vou te contar como eu voltei para a categoria metalúrgica, fFui para o Senai.
Carmem – Mas a Aliperti é metalúrgica.
Vital – Sim. Fui fazer um curso de eletricista de manutenção no Senai. Ali no Tatuapé, durante quatro meses. Entrei numa empresa de construção civil e fazia instalação elétrica, Fiquei noventa dias lá. Terminado esse período, consegui entrar na Philco, como eletricista de manutenção. Não tinha conhecimento prático. Continuei trabalhando como metalúrgico.
Um episódio interessante de contar foi que na Philco nós organizamos a primeira greve em 1972. Por causa da redução de jornada de trabalho. Isso não era registrado, trabalhávamos em horário normal. A empresa resolveu implantar dois turnos, seis às duas e duas às dez. No primeiro sábado tudo bem, não houve resistência. Mas a simplesmente empresa não forneceu jantar para nós. A segurança foi toda para o restaurante, prevendo que ia ter algum tipo de reação. Inclusive foi armada. Aquilo revoltou ainda mais. “Pô, mas que diabo, esse negócio aqui não dá!”. Fomos para o pau, a turma da manutenção. Esse negócio está errado, não vamos aceitar. Enfrentamos a situação, o pessoal da manutenção. Pensamos o seguinte, não vamos voltar a trabalhar, vamos jantar fora, tirar a nota e querer receber esse dinheiro. O pessoal da produção nos acompanhou. Entraram em contato, um gerente com a direção da empresa e deu aquele reboliço todo na fábrica. A manutenção foi, todo mundo jantando, aquele tititi. Quando voltamos, tinha passado duas horas, todo o pessoal da manutenção, mecânica, eletricista, esse pessoal mais profissional. Ninguém trabalhou. Já tinham decidido o problema, nos mandado embora. Dispensaram todo mundo. Vamos pagar as horas, e na segunda feira resolveram pagar as notas. Estabeleceram o seguinte critério: tínhamos um horário de café, à tarde. Tiraram esse horário e disseram para nós que trabalharíamos no sábado. Quem trabalhasse das duas às dez, só trabalharia até as 18 horas. Isso não era registrado. Até hoje me parece que, no sábado, o pessoal que trabalha das duas às dez, até um certo tempo atrás ainda era assim. Em 1972 conseguimos isso.
Naquela época havia uma repressão muito violenta sobre o movimento sindical, um peleguismo. O movimento consciente era muito reprimido, mas não deixava de lutar, usando as formas possíveis. Por exemplo, na Arno, na Mooca, na Ilha do Sapo, fizemos uma luta porque a empresa, para aumentar o ritmo de produção, começou a instalar o conta-giros. Articulamos com os operários, começamos a marcar manualmente, descobrimos um jeito. Isso passou para o conjunto da fábrica, pelo menos na seção de prensas. O pessoal marcava manualmente. No primeiro mês de implantação, quando a empresa foi fazer a computação das peças, não batia. Deu aquele rolo. Houve boicote. Adotaram outro sistema eletrônico, e a chefia começou a pegar no pé. Então organizamos a operação tartaruga, pois era difícil fazer greve.
Carmem – Como vocês organizaram…
Vital – Era diminuir a produção. Vamos boicotar, com os conta-giros, depois os próprios peões. Diminuir a produção, o pessoal fazia aquilo.
Carmem – Reduz o ritmo…
Vital – Reduz. Vai ao banheiro várias vezes. Era uma orientação que passávamos para o pessoal. Isso aconteceu em várias empresas na época, não foi só na Arno. Na Lorenzetti, nessas que tinham comissões de fábrica. Fomos tocando até 1974, quando fui preso. Logo nesse ano, houve uns problemas. Rompemos com o UML, que rompeu com a oposição metalúrgica. Ante disso teve um episódio que é bom registrar, que naquela época do arrocho era muito difícil você fazer uma assembleia sindical.
Carmem – Isso que eu queria perguntar. Como era a vida no sindicato…
Vital – Íamos à sede, entrávamos, só que organizados.
Carmem – Não digo antes da assembleia. Eu falo da vida normal do sindicato, vocês iam lá…
Vital – Era uma atividade mais clandestina, ninguém sabia quem era quem. Pagávamos o sindicato na sede. Mesmo o fato ficar sócio era motivo de repressão. Tinha que levar a carteira profissional. Para entrar na assembleia tinha que levar a profissional e a do sindicato. Não existia democracia sindical, isso que o Luís Antônio pratica hoje. A fotografia que eu tinha no DOI-CODI, foi a que da ficha de sócio do sindicato. Eu tinha uma foto no álbum deles, como era ativista sindical.
Carmem – Durante a semana você ia ao sindicato… Tinha uma vida…
Vital – Não, não tinha. Essa função normal de você ir, conversar. Quando ocorreu esse negócio da Philco, nós não sabíamos que o cara do sindicato, nem vimos. O sindicato nem levava boletim em porta de fábrica, nessa época.
Carmem – Nem ficou sabendo da greve da Philco…
Vital – Não. Nem levava boletim. A nossa briga não era nem por sindicato. Era para ir comunicar nas empresas que tinha assembleia, que nem isso sabíamos. Para saber tínhamos que procurar várias vezes em um diário oficial, um jornal. A prática do sindicato não era ir para o porta da fábrica. Trabalhei dois anos na Philco, nunca vi sindicato na porta. Nós atuávamos, mas essa vida normal do sindicato não existia. Mas íamos nas assembleias. Em primeiro de maio de 1971, organizamos um manifesto, que foi lido para a categoria, pelo Waldemar Rossi. A partir daí que começou o racha na oposição e também com a União Metalúrgica. Foi muito bem elaborado e fazia um levantamento da situação da categoria, denunciava o arrocho, porque o sindicato não se pronunciava sobre nada. Conseguimos, numa assembleia antes do Primeiro de Maio, aprovar aquele manifesto que seria enviado ao Ministro do Trabalho, o Murilo Macedo, como um protesto dos metalúrgicos de São Paulo frente a situação que viviam os trabalhadores. Por surpresa foi aprovado e quem leu foi o Waldemar Rossi.
Carmem – Você tem a cópia desse manifesto…
Vital – O sindicato deve ter. Eles mandaram, mas deram uma reformulada nos termos. A cópia original ficou na assembleia como tinha sido aprovada. Foi passada para o Joaquinzão e ficamos com uma cópia. O pau dentro da oposição começou aí. Quem propôs o manifesto foi a oposição, mas sua origem foi na União Metalúrgica. Depois foi assumido pelo conjunto da oposição. Depois de aprovado tiramos como meta distribuir para toda a categoria. Começou uma briga, inclusive com alguns setores da UML. Com o pessoal da Pastoral, que diziam que como tinha sido o Waldemar Rossi que tinha lido, ficaria ruim para eles divulgar isso na categoria. Foi aprovado e qualquer jornalista que tenha copiado o manifesto pode divulgar para a categoria. Deu um pau danado e não saiu. A cópia ficou na mão do Rossi e seu pessoal. Não sei se ficamos com cópia. É um momento de resgatar essa história do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Mas não tenho, infelizmente. Teve outros episódios, quando num Primeiro de Maio também, que morreu o Olavo Hansen. Ele morreu no DOPS, mas foi preso no Clube dos Têxteis, que tinha ali na Mooca. Fazíamos o Primeiro de Maio lá, para não fazer em praça pública. Nesse, tiveram duas orientações. Uma do sindicato de levar o pessoal para o clube e fazer um ato de protesto. Outra foi o pessoal mais ligado ao Olavo Hansen, que resolveram fazer uma passeata. Lá, ele foi preso, levado para o DOPS e assassinado pela turma do Fleury. Ensaiamos um ato de protesto, tiraram umas palavras de ordem, lá dentro o que tinha de policial. Na verdade, não conseguimos mobilizar muita gente. Eu era um dos que estava encarregado de tentar puxar uma manifestação ali e tinha um grupo de segurança que me dava proteção, uns vinte companheiros. Quando tentei puxar algumas palavras, abaixo o arrocho e tal, conseguimos fazer um certo barulho, os caras do DOPS vieram me seguindo e queriam me prender. O grupo que me dava segurança aprontou um quipropó, segurou os caras e eu escapuli. Para participar de uma assembleia do sindicato você ia com a turma de segurança, nunca sozinho. Éramos metalúrgicos e às vezes mesmo companheiros de organizações políticas que estavam lá faziam nossa proteção. Naquela época era a polícia que fazia a repressão. Houve esse episódio e tocou isso até 1974. Então houve esse racha, o pano de fundo foi esse. Em 1974 fui preso.
Carmem – Quem foi preso com você…
Vital – Foi o Waldemar Rossi, o Flores, que naquela época era oposição e alguns outros companheiros. Fui preso em função da minha ligação já com o PCdoB.
Carmem – Você veio para o PCdoB via AP…
Vital – Isso, nessa época eu já era do PCdoB. Fui preso. Trabalhava na Philco, quando houve uma série de prisões. A repressão por vários fatores conseguiu fazer uma certa limpa aqui em São Paulo. Pedi para me despedirem e fui fazer quitação no Ministério do Trabalho e fui preso lá.
Carmem – Na DRT…
Vital – Sim, na Martins Fontes, inclusive os funcionários de lá que facilitaram. No dia da minha prisão, cheguei até a ensaiar fazer um comício ali na porta. Os homens chegaram, eu resisti, chamei o povo, fiz um comício, joguei meus documentos, dizendo que era trabalhador. Isso valeu a preservação da minha vida, porque a prisão se tornou pública.
Carmem – Foi um auê.
Vital – Foi. Fiquei preso no DOI-CODI e DOPS, durante sessenta dias e fui processado pela justiça militar. Depois de solto fui trabalhar nos Químicos.
Carmem – Você foi condenado…
Vital – Não, fui absolvido. No mesmo processo fazia parte o Aurélio, o Barbosa, alguns outros companheiros.
Carmem – Barbosa lá de São Bernardo…
Vital – Não, Barbosinha. Nessa prisão, não. Alguns outros companheiros, da AP, alguns outros operários metalúrgicos. Saí da prisão, fiquei respondendo processo, na justiça militar. Atuei no Sindicato dos Químicos, cheguei a falar nas assembleias, mas uma atuação muito tímida. Minha tentativa era legalizar a minha situação, porque estava em São Paulo na semiclandestinidade, quando cheguei de Belo Horizonte. Depois da minha prisão, levantaram toda a minha história. Fiquei na Squibb durante dois anos, até que terminasse o processo na Justiça Militar. Fui absolvido, e voltei para a categoria metalúrgica. Nesse período, nunca deixei de acompanhar a movimentação dos metalúrgicos. Fui trabalhar na Rheen, na Chácara Santo Antônio, mas não participei muito, porque houve o massacre da Lapa, que mataram companheiros nossos do partido. Ficou uma certa desarticulação na capital. Fiquei atuando, acompanhei as eleições de 1978. Depois fui trabalhar numa fábrica em Itapecerica da Serra, ligado ao Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, como não era conhecido na base, para ver se era capaz de participar. Fiquei até 1980. Participei da greve de 1979, em que morreu o Santo, fiz parte do comando de greve. No início de 1980, fui convidado pelo Toschi a participar da chapa que ia concorrer contra o Henos, de oposição. Avaliamos a possibilidade de voltar para São Paulo, onde o partido retomava um trabalho sindical no movimento operário. Como já estava profissionalizado, tinha uma vida mais ou menos normal, não havia muito porque a repressão naquela fase de abertura política. Então em 1980, pedi demissão e entrei na Metal Leve. Comecei a retomar as minhas atividades sindicais aqui em São Paulo.
Carmem – Conta um pouco a greve de 1979…
Vital – A greve de 1979, em Osasco, naquela época o presidente era o Henos. Para os ativistas ele era pelego. Nós tínhamos a oposição a ele, que era diferente da de São Paulo. Uma das questões de fundo da nossa luta, é que a oposição não atuava no sindicato. Defendíamos que era errado essa postura de não ir lá, que tínhamos que participar do dia a dia do sindicato. Osasco tinha uma outra história. Uma categoria com ritmo mais combativo. Um sindicato recém formado, os primeiros diretores foram cassados. Como Osasco favorecia, ficávamos dentro do sindicato. Falávamos nas assembleias. Os comandos de greve eram tirados juntos. Com o Juruna, Magela.
Carmem – 1981, você fala
Vital – Sim. Éramos oposição, não aceitávamos a orientação, mas participávamos dentro do sindicato. Fizemos um Comando Unificado de Greve. Alguns companheiros que eram da oposição tiveram atitudes mais recuadas que o Toschi, que era da diretoria. Parte da diretoria dele foi para o enfrentamento com a repressão, para os piquetes, e parte da oposição, não. Os companheiros fizeram autocrítica de público desse problema. A greve de Osasco teve um outro desenvolvimento que São Paulo. Quando foi parando, fizemos piquete, deu um pau danado, muita gente presa, a greve teve uma adesão boa. A de Osasco teve mais que São Paulo, nos dois primeiros dias. Estávamos participando da assembleia no ginásio de Osasco, quando o Henos chega de uma negociação, em São Paulo, já com a notícia da morte do Santo Dias. Fomos pegos de calças curtas, não estávamos preparados. Era um companheiro que gostávamos muito, amigo, dum compromisso muito grande. Quando chega a notícia se sua morte, até eu me recuperar. Defendíamos a continuidade da greve, mas o Henos joga um clima de terror com a morte do Santo. Demos que ele queria acabar com a greve. Tentamos tomar o microfone dele. Não deixaram mais ele falar na assembleia, acabou a greve. Já que acabou vamos para São Paulo, mas em Osasco acabou. O que podia ter sido um salto de qualidade serviu para esfriar, pela colaboração do Henos Amorina, que era presidente do sindicato.
Carmem – Naquela greve de 1979 tinha a proposta de 83% dos 92 e a proposta do sindicato. Que proposta vocês estavam fechando…
Vital – Era 83 ou nada.
Carmem – A proposta do Dieese tinha preparado para o sindicato… Que proposta vocês estavam defendendo…
Vital – Em Osasco passou 83%. Só que isso, ou nada. Jogávamos 83% para não brigar com São Paulo.
Carmem – Era 83%, mas sobre o salário de novembro que daria um total de 104%…
Vital – Sei que aqui em São Paulo saiu a seguinte palavra de ordem: “83% ou nada”. Em Osasco nós não aceitamos.
Carmem – Que era oposição, que era do Santo, do Flores, que defendia uma proposta intermediária.
Vital – Isso. E que foi nós que levamos em Osasco. Em função dessa confusão toda, em Osasco conseguimos. Havia uma orientação sindical diferente daqui, que era imprimida na oposição. Não deixamos de ser oposição em Osasco, mas o que vocês estão fazendo aqui é inconsequente. Até em função dessa posição nossa, em 1981 lançamos a Chapa Três, aqui em São Paulo. Avaliávamos que com o Luís Antônio, com o Joaquim, naquele momento não dava para marchar. Marchar com pelego não dá. Por outro lado também ficar naquela postura do pessoal da oposição, não é por aí. Não foi só simplesmente em 1981, não porque não deu a cabeça de chapa para nós. Porque tínhamos uma concepção sindical, que se nós não tivéssemos uma certa influência na futura diretoria, era jogar no retrocesso. Ainda mais levando em conta que a correlação de forças, no geral desfavorável para nós.
Carmem – Como é que vocês viam a oposição que compôs com o Joaquim, tipo Walter, Nair, Bigode…
Vital – Não tínhamos um quadro. Em 1981, estávamos retomando com a atividade no sindicato. Estávamos praticamente fora da categoria, por causa das porradas que levamos no período que foi de 1974 a 1980. Começamos em 1980 com a minha vinda para a Metal Leve. Já fazia parte desse plano do partido de retomar a nossa atuação na categoria. Isso foi possível até com a nossa chapa, a Chapa Três, que era encabeçada pelo Aurélio. Houve até uma discussão, se eu deveria ou não entrar. A partir de uma análise que fizemos, das mudanças que houveram, o que houve em 1981, que essa democratização começou a acontecer no sindicato
Carmem – Pois é. É um pouco isso que eu queria trabalhar. Essa democratização foi muito também a ida do pessoal para a composição.
Vital – Não reconhecemos isso, foi parte dessa ida do pessoal. Claro que não foi logo de imediato, foi um processo. Víamos o sindicato com carro de som, jornal na porta da empresa. Mesmo discordando de algumas orientações, mas víamos que nesse aspecto particular, começou haver mudança de qualidade. Quando você passa a ter liberdade para atuar. Apesar de discordarmos de muitas coisas, houve uma melhora muito grande.
Carmem – Dava para conversar com esses diretores… Vocês tinham uma política assim…
Vital – Sim. Tinha uma posição de trocar ideias e até tentar algum trabalho conjunto. Estávamos com uma visão de que éramos oposição, mas éramos sindicato. Por mais que o Luís Antônio queira nos alijar, não vamos sair da vida sindical. Implantamos isso como princípio. Foram dois movimentos, um que fazíamos enquanto oposição, outro que percebíamos por parte de alguns membros da diretoria. Houve fatores subjetivos, a entrada desses, e a tal da abertura, a luta pela anistia, pelas Diretas Já. Todo esse processo vai obrigando o Joaquinzão a se reciclar. Ele não deixou de ser pelego. Esse movimento tinha um duplo aspecto. Algumas pessoas que estavam na diretoria e tinham um posicionamento mais aberto, do ponto de vista sindical, e o movimento objetivo que havia na sociedade, a luta por mais liberdade, pela democracia, pelo respeito dos direitos dos trabalhadores. Em função disso, velhos pelegos são obrigados a se reciclar. Na nossa avaliação, a correlação de forças naquele momento histórico, do ponto de vista geral da sociedade e do interno do sindicato, não eram suficientes para varrer da vida sindical o Joaquim e a turma dele. Em 1984 nós ainda não tínhamos conquistado as Diretas Já, a ditadura militar continuava, não sabíamos o que ia dar isso.
Carmem – O que representava para a categoria esses diretores que estavam iniciando esse processo…
Vital – Nós só viemos a fazer uma avaliação a partir de 1981. Nossa força foi aumentando, nos restabelecemos nesse ano. A oposição não tinha suficiente clareza de qual era o papel, que linha deveria chegar. Tínhamos contradições de fundo com a linha da oposição, essa aliança de frente de esquerda. A nossa visão de sociedade era mais ampla do que a que eles tinham. Não vamos para o colégio eleitoral, a luta pela anistia não compensa, setores eram contra a luta pelas diretas, contra a luta pela constituinte, tem documentos. A história do colégio eleitoral veio depois de 1984. A concepção sindical que eles tinham, não tinham mudado. A questão do pluralismo sindical, uma série de coisas e mesmo a concepção que era do sindicato, a oposição não tinha. Evoluiu muito na concepção dos companheiros. Se você pegar a concepção sindical da CUT, em 1982 e hoje, você vai ver que houve profundas mudanças. O próprio Lula, que naquela época era um expoente,chegou a dizer, numa greve em São Bernardo, que não queria a presença de estudantes. Hoje ele não tem essa concepção. Foram as condições objetivas que mudaram. Os próprios companheiros mudaram. Já nessa época tínhamos essa avaliação. A correlação de forças não nos favorecia. Não éramos nós quem ia dar o tom dentro da oposição. Devido a essas mudanças que houveram na diretoria, e na sociedade em geral, optamos em compor com o Luís Antônio e o Joaquim.
Carmem – Você chega já como diretor e não como auxiliar…
Vital – Chego como diretor, em 1984, vindo da Metal Leve. Eu estava na produção, como eletricista e venho para a diretoria.
Carmem – Como foi isso, essa gestão de 1984 a 1987…
Vital – Em termos de máquina e de dominar a questão das finanças do sindicato, não tive acesso a isso. Ninguém dessa nova turma. O Walter era da executiva, segundo tesoureiro, eu era segundo secretário, mas não tínhamos acesso a isso. Nunca soube quanto que o sindicato tinha aplicado no banco. Vim saber que o presidente do sindicato tinha além do seu salário, uma verba de representação, depois que o Joaquim, o Luís Antônio. Essas coisas não eram ditas. E não tinha espaço para cobrar. Agora, se você me perguntar, do ponto de vista da democracia sindical, eu não tenho dúvida de afirmar, foi a época em que houve mais democracia, mesmo com falhas. Foi a época que a categoria mais participou da vida sindical, nas greves, manifestações, nas lutas por fábricas, na campanha do “Aumento Já”. Nós organizamos dois Congressos nesse período. O Luís Antônio não realizou nenhum. Eram abertos a todo mundo. Na hora de tirar os delegados, cada um procurava eleger os seus. Se eu tenho uma hegemonia na Metal Leve, vou tirar dez delegados, não vou deixar que a oposição eleja dez, vou para a disputa, obedecendo os critérios da democracia sindical.
Carmem – Vamos voltar um pouco para analisar as eleições de 1984. Chapa única de oposição, Hélio Bombardi na cabeça, quase que dá Lúcio na cabeça, uma composição com o Joaquim. No dia da apuração, a Tormec entra em greve. O sindicato perde nas grandes empresas, ainda o Joaquim ganha com os aposentados. Como é que se passou tudo… Como é que esse grupo inteiro avalia, essa perda nas grandes empresas, se já havia um processo de credenciamento do sindicato… Já tem carro de som, jornal, vai na porta de fábrica, conversa. Ele perde nas grandes empresas, apesar disso a oposição ganha nas grandes fábricas, como é que vocês avaliaram isso…
Vital – A categoria não aceitava mais o peleguismo. Se você fizer uma eleição em que vota a categoria, o Luís Antônio perde. Uma coisa é o quadro da categoria, outra é o das grandes empresas, em que quem faz a opinião primeiro, os ativistas e depois a empresa que puxa. Se tem uma greve geral, se você não parar a Metal Leve, Villares, Sofunge, Mapri, Ford, não teve greve. Só que na hora da eleição, essas fábricas não entram. Como é que a oposição ganha nas grandes empresas. Qual é o número de sindicalizados que tinham as grandes empresas da época… Num colégio eleitoral de quarenta mil, o peso eleitoral das grandes empresas era oito mil. Do ponto de vista eleitoral pesa pouco. O que pesa ainda hoje são os aposentados, e a pequena e média empresa.
Carmem – Com 130 mil sócios se acha que ainda pesa os aposentados…
Vital – Depois da nossa gestão, uma grande contribuição foi essa. Com essa democratização, na postura sindical, no trazer a categoria para participar do sindicato. Nesse sentido, houve um certo deslocamento, que já reflete na eleição de 1987, que romperam com a diretoria. Hoje o Luís Antônio diz ganhei a eleição, e ganhou também em algumas empresas grandes. Ele conseguiu capitalizar e tenta até hoje esse sentido que a massa tem da questão da democratização do Sindicato, combativo. Eu tenho uma crítica aos companheiros, como o Walter, o Magela, que não entenderam que o problema não era a questão do sindicato, era que acima do sindicato, tem a questão da central, naquele momento a gente defendia a CGT. Tínhamos um grande trabalho, e temos, nós resgatamos o nome do sindicato na categoria.
Carmem – Você está dizendo isso em função do 8º Congresso…
Vital – Sim, nós resgatamos o prestígio do sindicato. Hoje, o Luís Antônio, aqueles onze diretores, nenhum deles perdeu no seu setor, exceção feita ao Neleu, que perdeu em algumas fábricas, mas não no conjunto. O Bigode, que é outra história, e o João Paulo também, que não perdeu no setor, mas em algumas empresas, para a Chapa Três, não perdeu para o Luís Antônio. Mas se você vir o resto. O Bira ganhou no setor dele, eles conseguiram. Entregamos de bandeja essa bandeira na mão deles, o sindicato sou eu, os outros são outra coisa. Então houve um erro no 8º Congresso. Nenhum sindicato, por mais forte que seja, não substitui o papel de uma Central. Alguns companheiros tinham isso, que o Sindicato dos Metalúrgicos é mais forte que uma Central Sindical. Cansei de brigar com o Walter, com o Juruna, sobre essa questão. O Juruna compreendia melhor, mas cheguei a quebrar um pau com os companheiros. O que houve em 1987, um dos fatores que levou a derrota foi esse. Como não éramos conhecidos, quem era conhecido era o Bira, ele capitalizou para ele, e para o Luís Antônio um sentimento da categoria, que nós não conseguimos. Isso aqui é um mundo, sou conhecido na Zona Sul, na Metal Leve, na Filtros Mann. O Juruna, na região dele, não no conjunto da categoria. Mas quem comandou a greve geral da categoria em 1985… Não foi o Luís Antônio, nem o Joaquinzão. Fomos nós.
Carmem – Essa passeata na Nações Unidas… Mas o Luís estava junto nessa hora…
Vital – Sim, mas por oportunismo. Ele já tinha seu projeto. Um outro episódio que houve no sindicato, que eu gostaria de registrar, foi na época daquela história de tira ou não o Joaquim.
Carmem – O documento dos dez pontos…
Vital – A princípio eu não era contra. Mas era contra a solução que se apontava, que era o Luís Antônio assumir a presidência. Ele, conchavado com a FIESP, não tenho como provar, mas é o meu modo de ver. Não interessava para ele que a categoria fizesse greve em novembro de 1985. Havia uma movimentação.
Carmem – O documento foi anterior…
Vital – Foi em agosto, por aí. Não existia esse interesse. Posso citar alguns episódios muito ilustrativos. Estávamos negociando, o Magela, com a FIESP. Surgiu na diretoria uma conversa de que o Luís Antônio tinha feito um acerto, que ia negociar um acordo. Na campanha salarial ele ia negociar alguns acordos em separado.
Carmem – Mas o Joaquim ainda era presidente.
Vital – Sim. Nesse momento, o Luís Antônio já aparecia como alternativa para o Joaquim. Nós achávamos que tínhamos, do ponto de vista de classe, que comprar briga para tirar o Joaquim. Achamos que ficamos a reboque, por não ter explicitado bem a nossa posição. Acabou parecendo que estávamos aliados com o Joaquim. Por estar vendo qual era mesmo o objetivo do Luís Antônio. Sua tática era primeiro inviabilizar a greve, criar uma briga. Acho que ele nunca teve divergência com o Joaquim. Se teve era secundário. Quando fomos para cima do Joaquim, sua postura foi de conciliar com ele. Queríamos tirar o salário do Joaquim, seu carro, mandá-lo não sei para onde. A postura do Luís foi de conciliar. Ele já tinha cumprido seus objetivos, de ser presidente do sindicato. Sua tática era de inviabilizar a greve. Como não conseguiu, foi tentar acordo por fábrica. Na assembleia, que aprovou a greve, estava tudo programado para sair briga, mas não houve. Eu falei, fiz um discurso, e terminei dizendo que o que vier tem que ser para todo mundo. Se for dez por cento, tem que ser para todos. Eu já sabia dos movimentos para tentar tirar alguma coisa por fábrica. O Luís Antônio me procurou e disse que eu não podia fazer isso. Penso que se você acha que não é por aí, vai lá e defende. Mas ele me procurou.
Carmem – Aquela assembleia que foi lá no Larguinho…
Vital – Isso. Fica evidente que a tática dele era outra. Sabendo disso, naquela dia mesmo, à noite, paramos a Metal Leve. Houve até o início de um incidente.
Carmem – Depois da assembleia…
Vital – Sim. Fui para a porta da fábrica, parei, só que conhecia a Metal Leve. combinamos ficar Na fábrica, dormir, na expectativa de esperar o pessoal outro dia cedo. quando a turma chegasse, a fábrica parada aderiria também. Chega um piquete que vinha das Nações Unidas. Deu um certo atrito, tentaram derrubar o portão. Chamei o Magela e outro companheiro da oposição que estava lá. Quem está dirigindo a greve sou eu, se vocês fizerem isso esse pessoal volta a trabalhar. Foram embora. No outro dia continuou parada. Existia entre nós esse plano, que não se concretizou. A oposição entrou na provocação. O episódio da Caloi foi montado para acabar com a greve. Os diretores que estavam eram eu, o Juruna, e o Magela. Alguns provocadores infiltrados tinham essa orientação, para criar a aquilo. Não acredito que a oposição no conjunto tivesse essa postura de querer acabar com a greve. Mas colocaram um provocador no meio e para incendiar é um passo. E conseguiram o objetivo. Não houve piquete no dia seguinte. Foi isso em relação a essa greve. O projeto do Luís Antônio, dentro dessa gestão, ele já tinha esse projeto, foi ficando mais alinhavado depois que ele ganhou a eleição. O sindicalismo de resultado. Quando a nossa corrente tentou imprimir a nossa linha sindical, até convencer alguns outros companheiros como o Walter, Magela, Juruna de que o caminho não era por ali. Ficamos de um lado o Joaquim é o inimigo, o Luís Antônio e qual o caminho que vamos seguir aqui. Esse processo ficou claro na eleição em 1987, na composição da chapa. Fizemos a autocrítica para eles, que nunca tínhamos, enquanto diretores do sindicato, sentado e discutido isso. Depois de muito tempo é que resolvi. Se tivéssemos sentado antes, talvez o resultado não teria sido aquele. Reconhecemos, numa visão mais ampla, tínhamos uma postura diferente dos outros companheiros. isso contribuiu para que não tivéssemos um estreitamento melhor, aquela desconfiança, se o Vital era pelego. Essa desconfiança mútua, só terminamos com ela na época das eleições do sindicato, quando colocamos a questão do Luís Antônio. A partir dessas discussões ficou claro qual era esse preconceito que foi prejudicial. Éramos uma parte mais avançada da diretoria, que peitava brigas, ia para greve, questões políticas no sindicato, a luta pelas Diretas Já. havia um preconceito mútuo, que não conseguimos superar. Só superamos faltando quatro meses para as eleições. Era isso que eu queria deixar registrado.
Carmem – São Paulo, 20 de abril de 1989. Depoimento com Vital Nolasco. Vamos retomar.
Vital – Um período que foi importante foi de 1971, logo que vim de São Bernardo. Trabalhei numa fábrica de borracha. De fato foi isso, trabalhei um ano na Wapsa, como ajudante de produção, metalúrgica em Santo Amaro. Depois, trabalhei cerca de três meses na Wallita, que na época estava mudando para Santo Amaro. Depois desse período, um ano e pouco, entrei na Aliperti. De lá fui fazer um curso no Senai.
Carmem – Queria que falássemos um pouco melhor sobre o que foi a sua gestão no Sindicato. Como foi a participação do PCdoB na composição da chapa, como se deu…
Vital – Primeiro nós achamos que foi correta. Não temos autocrítica a fazer contra o fato de termos entrado na chapa. O que ponderamos foi o método. Eu e mais uns estávamos sendo indicados para participar da chapa, como o Neleu. A discussão se limitou somente com o Joaquim e na época o Huertas, que era assessor dele. Não envolveu alguém da diretoria, outros companheiros. Não houve negociação com o conjunto da diretoria
Carmem – A conversa era sempre com o Joaquim e o Huertas…
Vital – Isso.
Carmem – O único assessor que participava era o Huertas, os outros, o Tarciso, a própria Oboré, ninguém participava…
Vital – Houve uma outra vez que o Tarciso chegou a participar. Também não acompanhei. Acompanhei depois no processo da revisão. Foi um pequeno grupo, os mais participantes foram o Huertas e o Joaquim.
Carmem – Quando vocês decidem entrar e compor com o Joaquim vocês o apoiam ou tentam ser oposição…
Vital – Nossa perspectiva era que não achávamos que o Joaquim tivesse mudado. Ele prestou um serviço a ditadura, aos patrões. O que mudou foi a realidade política. Em função dessa mudança e da conjuntura, ele e os outros pelegos tiveram que se reciclar, para sobreviver. Quando entramos no sindicato, nossa ideia era fazer um trabalho. Achávamos possível, em função desse novo quadro, lutar para ser um dia uma força, não hegemônica, mas de penetração na categoria. Foi uma tática que adotamos no sentido de entrar na diretoria. Tentamos isso um pouco, na época da composição da Chapa Dois, que não fomos vitoriosos. Mas a perspectiva era essa.
Carmem – Vocês tinham alguma proposta concreta para atuação na diretoria…
Vital – Assim, explícita, não. Era a primeira vez que eu e o pessoal, como o Neleu, fazíamos parte da diretoria de um grande sindicato. No primeiro momento para nós foi mais de sentir como eram as coisas, até dominar um pouco. Como funcionava, como era a máquina, a situação da diretoria e a própria composição de forças ali. Não tínhamos esse quadro. Quando entramos, era tudo igual, tudo pelego. Depois que fomos compreendendo as coisas e vimos como era. Sabíamos que tinha mais explicitamente um pessoal do PCB lá, que tinha um pessoal da OBORÉ. Mas não tínhamos clareza de como estava. Sabíamos que tinha companheiros da estrutura do PCB, que tinham rompido, mas não conhecíamos de fato. Levamos quase um ano até dominar.
Carmem – Qual foi a maior dificuldade nesse período…
Vital – Foi de adaptar aquela estrutura. Primeiro éramos novatos do ponto de vista sindical, não tínhamos experiência. Vínhamos de uma prática de atuar na oposição, sem muita máquina, sem poder de influência. Aí deparamos com um sindicato daquele tamanho, com a categoria querendo lutar, ser um instrumento de impulsionar essa luta.
Carmem – Vocês tinham algum poder dessa máquina, ou ficava tudo na mão do Joaquim..
Vital – A análise que faço sobre a nossa atuação, cada diretor tinha seu trabalho, o Joaquim não interferia. No que diz respeito a política mais geral do sindicato, como na campanha salarial, tinha uma briga desgraçada. Por um carro, por uma perua. Se estava numa greve, para arrumar um lanche, era uma briga, você tinha que sair aos gritos, com o tesoureiro.
Carmem – Qual era a infraestrutura que você tinha quando entrou lá… Quantos carros, quantos auxiliares…
Vital – Quando entrei, tinha uma perua, que era velha, foi reformada, e três assessores. No processo de luta, conseguimos ampliar para dois carros e cinco assessores. Através de um enfrentamento, conseguimos ampliar nosso espaço.
Carmem – Quando vocês entram em 1984, é o ano da Campanha das Diretas nas ruas. Como foi sua participação e do sindicato nesse processo…
Vital – Do ponto de vista do movimento sindical, o único sindicato que participou de forma organizada. Com todos os problemas. Acho que o movimento sindical no Brasil peca por não ter participado das últimas lutas políticas. Nossa participação ainda foi aquém da necessidade, mas fomos os únicos que participamos. No mais, o movimento também não influenciou na Assembleia Constituinte. Foi muito tímida a participação, em termos urbanos. O movimento rural que colocou em Brasília cinco mil camponeses. Nós não levamos ninguém. Quando eu estava na diretoria, cheguei a propor debates no sindicato sobre a Constituição, mas nunca foi levado a frente.
Carmem – Como foi essa discussão na diretoria de participar das Diretas…
Vital – Nem houve muita discussão. Vamos participar, peitar e acabou. Naquele momento o Joaquim também sentia necessidade de se reciclar, de aparecer para a opinião pública como um cidadão avançado e progressista. Mesmo tendo oposição dentro do próprio pessoal dele, havia a necessidade de aparecer como um cidadão que participou desse processo político.
Carmem – Logo que vocês tomaram posse, teve a greve da Tormec, que foi um cotidiano novo no sindicato. Pelo menos parte da diretoria tinha outra cara, mas isso não era muito bem recebido na oposição. Como se dava esse relacionamento…
Vital – Com o sindicato, acho que foi umas das nossas falhas não ter tido uma conversa com o conjunto das forças que estavam atuando. Cada um ficou no seu canto. Acho que dificultou, pelo menos na Zona Sul. Trabalhava lá com o Walter, o Juruna, o Magela, mas cada um tocava o seu. Ficou um clima de certa desconfiança, cada um fez o que pode. O positivo nesse processo, do ponto de vista sindical, o trabalho caminhava e a luta era impulsionada. Greves, mobilizações, congressos, reuniões, faziam parte do cotidiano da diretoria. No meu setor na Zona Sul, não discriminávamos ninguém. Claro, íamos para a disputa, isso é natural. Mas eram disputas políticas. Com o tempo a oposição foi obrigada a reconhecer. Ou participavam no sindicato, ou estavam enterrados. É só ver as eleições de 1987. Eles sentiram, uma coisa era fazer oposição ao pelego, ao Joaquim, outra é a quem luta, que leva o embate e defende a categoria. Você vai ter que ficar mais no meio ideológico. Vários setores foram obrigados a se compor conosco. O problema era se você tinha uma parcela da diretoria que tinha uma postura aberta, a outra fazia o contrário, continuava com os mesmos métodos. Boicotavam mesmo, se pudessem botavam ativista na rua. Não aceitávamos esse tipo de coisa. Isso não vinha claramente nas reuniões da diretoria.
Carmem – Não aparecia…
Vital – Não. Às vezes desconfiávamos e brigávamos, mas ficava meio por debaixo do pano. Teve a greve geral de 1985, que a diretoria toda tirou de fazer. Dois diretores foram contra, o Bigode não encaminhou nada e no setor dele a massa não vai fazer greve. Acho que faltou uma articulação maior do pessoal mais avançado, mas não tinha como intervir. O cara se sentia dono daquele feudo. Como era dividido em setores, cada um mandava no seu. Então era isso, não conseguimos. Acho que foi uma deficiência nossa. Tinha aquela complacência do Joaquim, pela própria postura. Em alguns momentos ele estava conosco, em muitas posições. Tinha a própria diretoria que emperrava, simplesmente não queria tomar partido. Uma série de mecanismos prejudicava nosso trabalho. De um lado tinha uma oposição que ajudava-nos até nessa luta, e tinha a direita. Tinha que travar uma luta em dois flancos.
Carmem – Voltando as eleições de 1984. Tradicionalmente, depois de 1978 as eleições acabavam em pauleira. Como é que isso passou para a diretoria, como a categoria viu essa briga… Foi só da vanguarda… Como é que passou, porque a imprensa explorou muito na época…
Vital – Logo nos primeiros momentos, quando assumimos, algumas empresas, como a Filtros Mann. Íamos na porta da fábrica, o pessoal pegava o jornal, jogava fora, não queria conversa. Na Sharp, a mesma coisa, na Metal Leve. Nas outras empresas a massa não queria saber. Uns dois meses que tinha tomado posse, chega um pessoal da Filtros Mann na sede. Já estava indo embora, eram oito da noite. Viemos aqui para conversar com você, sem ninguém ver. Estamos parados, a ferramentaria, e queríamos que ninguém mais soubesse. No outro dia fui lá e paramos o resto da fábrica. A partir daí, não tínhamos essa de negociação com o patrão. Sempre tinha que negociar, mas não escondido do trabalhador. Não tem negociata. Uma coisa é negociação, outra é negociata. Com o passar do tempo, criamos uma confiança mútua, um respeito. Mesmo nas fábricas, como a Pirelli, que era tido como oposição, não tínhamos problema com o pessoal. Até hoje vamos lá e eles aceitam fazer reuniões. Se havia disputa, foi com o passar do tempo, do ponto de vista ideológico. No campo da atividade sindical não pode ficar. Claro que tinha formas de encaminhar como conduzir uma luta, mas com o tempo não senti que a categoria questionou. São determinados episódios que ficam mais na vanguarda, nos ativistas. A categoria não participou. Ativistas de outras categorias, políticos, mas os metalúrgicos mesmo, não.
Carmem – Na categoria isso não repercutiu de forma alguma…
Vital – Sim, houve comentários. A massa já era desconfiada com o sindicato, particularmente naqueles setores onde havia uma diretoria.
Carmem – De 1984 a 1987, o sindicato passa de 44 mil sócios para 110 mil. Estourou. Como eram as dificuldades para as campanhas de sindicalização… Que tipo de posição você tomam…
Vital – Foi feito o 7º Congresso, em que aprovamos a abolição das fotografias. Isso em 1986. Antes disso, já estávamos impulsionando a questão de sindicalização. Logo que assumi, a Metal Leve tinha 750 sócios. Fizemos um processo de sindicalização um ano após e passamos para 1500 sócios. A Filtros Mann, noventa por cento da fábrica. Foi um processo em todas as empresas. Senti mais dificuldade onde a oposição tinha força.
Carmem – Porque… Eles não queriam a sindicalização…
Vital – Por causa dessa postura de controle, que é um erro.
Carmem – Lembro-me que a oposição cobrou do Juruna que ele estava contra. Eu estava no sindicato esse dia e o Juruna disse que ia fazer um pacote com umas mil fichas, mandar para a oposição.
Vital – Sim, na Sharp aconteceu isso. Promovemos a sindicalização, fomos para dentro da fábrica. Tinha um trabalho organizado pela oposição, não encaminhava. A mesma coisa na Pirelli. Toda vez que propunha de fazer lá, nós mesmo fazíamos. Uma coisa é ir nas fábricas fazer campanha, outra é o ativismo na empresa. Por mais liberdade que se tenha, é limitado. Na Filtros Logan, sempre tinha. No meu setor, quando entrei, tinha excluída a Metal Leve, que tinha 750 sócios. Não chegávamos a mil e quinhentos sócios, tirando a Metal Leve. Fomos para mais de seis mil sócios, no setor do Socorro. Não duplicamos a sindicalização. Passou de 40 mil para 100 mil, aumento de 150%. Em alguns setores, foi mais. Na Zona Sul esse aumento foi de 300%, porque eram 44 mil sócios, nós espalhamos. Esse quadro mudou a partir da nossa gestão, a Zona Sul é hoje a região que tem o maior número de sócios.
Carmem – E é a região que tem as grandes empresas, o que correspondeu a uma política de atacá-las.
Vital – Sim, e foi uma política estabelecida por uma parcela dessa nova diretoria.
Carmem – Na sua avaliação, a oposição dificultava a sindicalização…
Vital – Sim. Não posso dizer no geral, tinha que ter um quadro fábrica por fábrica. No meu setor, dou o exemplo da Pirelli e da Sharp. Na Sharp fizemos duas vezes, fomos lá, fizemos um boletim. Não era nem que dificultava propositalmente. Se criou na massa uma postura contra o sindicato. A massa pensa vou ficar sócia pra que. Essa posição política fez parte dos motivos pelos quais houve a ruptura do PCdoB com a oposição. Como é que você admite querer fazer oposição ao sindicato e não fazer sócios. Acho que hoje cometemos esse erro. Você vê como as coisas são contraditórias. Propositalmente, o Luís Antônio tenta enxugar os associados, em várias formas. Tenho notícias que empresas simplesmente deixam de mandar recibo. Nesse mês deixa de mandar vinte e cinco, daí a um mês mais esse tanto. Com o tempo a massa de duzentos cai para sessenta. O pelego tem interesse em um pequeno colégio eleitoral. Se eles tem condições de ser hegemonia em uma fábrica, eles tem interesse que aquela seja toda sócia do sindicato. Não era uma tendência geral. A comissão de fábrica da Ford sindicalizou a fábrica todinha, mas na Caterpillar, os companheiros mais antigos tem pavor do sindicato.
Vital – A Caterpillar é uma fábrica que tem em média quase dois mil trabalhadores. Se tem setenta sócios é muito. A mesma coisa na MWM, que tinha comissão de fábrica, não segue a mesma linha nesse processo. Foi discutido e tentado, acho que consegui mudar algumas coisas lá. Mas ainda tem baixo nível de sindicalização. Isso foi revertido na Villares, que hoje é uma das de maior número de sindicalização.
Carmem – Lá, a diretoria como um todo também tinha uma proposta de sindicalização, ou vocês tiveram todo o tipo de dificuldades…
Vital – Não, não tinha. Tivemos todo o tipo de dificuldades.
Carmem – Qual era o argumento que mais usavam contra a sindicalização…
Vital – Era a questão burocrática. Às vezes não usavam argumento. Não me lembro assim de que tiveram dizendo “somos contra”. Mas se você começar, como vamos fazer para cobrar isso. Primeiro colocavam um empecilho. Tem que pagar na hora, nem sempre o cara tem dinheiro. Tem que ter a carteira profissional. Aos poucos fomos quebrando isso. Isso de pagar, descontamos, vamos negociar com a empresa, com o RH da empresa. Já bastava o trabalhador ter a ficha de sindicalização, estava autorizado a descontar. Até hoje esse mecanismo existe. O grande empecilho para sindicalizar. Não conseguimos derrubar a joia, que o cara paga na hora de ficar sócio. Isso não existe em Osasco. Lá a primeira mensalidade é descontada em folha de pagamento. Já existia isso na época do Enos Amorina. Brigamos e não conseguimos eliminar isso. Era uma briga infernal. Eu pessoalmente comprei essa briga na diretoria. Acontece que tinha dois votos, e para que carteirinha.
Carmem – Quem era o segundo…
Vital – Era eu, o Walter, e às vezes o Luís Antônio. Tinha uma grande briga por causa da carteirinha. Qualquer documento de identificação, um cadastro, você é sócio, passa no computador, te dão uma ficha. Você está em dia. Vai lá no médico, passa lá. Tem um computador no ambulatório. Mas era mil e uma dificuldades, para impedir mesmo a sindicalização. Diziam que iam estourar o ambulatório médico. Lembro-me de uma argumentação, estávamos eu e o Walter. Tivemos o apoio de alguns outros diretores, o Flores era favorável. Hoje ele faz o contrário do que ele falava na época.
Carmem – Na realidade, o problema que está além do controle político das fábricas que tem sindicalização e o problema do imposto sindical. Sem ele você não consegue manter esse assistencialismo.
Vital – Sim. Por princípio acho que quantos mais sócios você tiver no sindicato, mais difícil fica para ter o controle político, inclusive do eleitoral. Se você tem quarenta mil sócios você pode dar Colônia de Férias para todo mundo, prestar um bom atendimento médico. Até para você estourar com o assistencialismo, tem que sindicalizar. Nesse problema, às vezes eu era incompreendido pelos companheiros, pelo Walter, pelo Magela. Você está sindicalizando dizendo que tem ambulatório médico. Depois com o tempo, vai ganhar a consciência do pessoal. Se for preciso fazer isso, vou fazer. Vai chegar uma época que não vai dar para ter atendimento médico se sindicalizarmos trezentos mil. Como fica para dar atendimento para trezentos mil. E depois explicamos porque estourou, e vamos fazer outro tipo de sindicalismo. Um pouco isso. Tinha e tem essa resistência. Também elimina do ponto de vista eleitoral, essa era a nossa compreensão. Tem dez mil associados, em um colégio de quarenta mil, pesa, é um quarto. Em um colégio de duzentos mil, é cinco por cento. É uma mudança da água para o vinho.
Carmem – Houve um problema na construção da sede da Galvão. Como foi isso…
Vital – Entra um pouco o nosso desconhecimento da máquina. Fui favorável a construção da Galvão Bueno.
Carmem – Prédio de vinte andares.
Vital – Fui favorável a construir ali um auditório, uma escola. O meu projeto era fazer curso profissionalizante, um pouco na linha de formar o companheiro do ponto de vista profissional e sindical. Houve esse tipo de atrito.
Carmem – A proposta era a construção de um prédio de vinte andares.
Vital – O projeto final era esse, vinte andares. Mas o projeto inicial, pelo menos a informação que o Joaquim prestava para a diretoria, e o Huertas também, era que no primeiro momento iria construir dois andares. Primeiro um salão embaixo, e depois dois andares. Não ia ser vinte. Mas, no intervalo da conversa surgiu uma outra proposta. Ao invés de construir na Galvão Bueno, vamos vender aquilo. Vamos comprar este terreno aqui do lado e construir a sede do sindicato. Defendo que num regime capitalista, ainda mais com a tecnologia, tem que ter uma certa aparelhagem, senão você não compete. Tem que ter um certo grau de profissionalismo. Não só o sindicato, mas qualquer partido político. Não que você vá burocratizar, mas tem que ter uma estrutura. Senão como você forma, discute, enfrenta a organização patronal. Tem que ter essa estrutura. Hoje a CUT já tem uma escola lá em Cajamar, acho que é uma iniciativa que tem que ter. Formar sindicalistas, ter assessores, economistas, advogados, um bom assessoramento político, jurídico. Se você não tiver, dança mesmo. Até para prestar assistência para os trabalhadores, no campo de prevenção de acidentes de trabalho, de CIPAs. Esse sindicato nosso, na verdade, nunca prestou, e nem sei quando vai fazer isso.
Carmem – Vocês tinham serviço de saúde. Que fim levou… Como é que foi o processo.
Vital – Tínhamos, mas muito amador. Foi feita uma única vez um encontro de cipeiros, não com o objetivo que propúnhamos, mas eleitoreiro. Acabou que não encaminhou. Não temos comissões de fábrica em São Paulo. Temos CIPAs que são eleitas pelo trabalhador. Era uma argumentação que eu sempre tive na diretoria. Podem ser eleitas e devem, é o único mecanismo que temos. Aqueles representantes dos trabalhadores passam por um crivo eleitoral. Acho que a medida que o cidadão é eleito, se você assessora, está junto, é um pessoal que no mínimo tem a confiança deles. Por isso, têm uma influência na massa e podem ajudar um trabalho sindical. Nunca tivemos investimento nesse sentido. Cheguei até a discutir com os companheiros que eram médicos, depois foram mandados embora. Fui contra. Teve uma briga também, uma discussão. Não acompanho o processo, não sabia o plano dos companheiros. Tinham um projeto, cheguei até a conversar com vários deles.
Carmem – Era o Márcio, o Hélio, o Mário…
Vital – Cheguei até a conversar com o Márcio. Depois houve aquela briga com o pessoal da Oboré. Não sei que fim levou aquilo. A coisa se desmininguiu. Através da direita, eles foram contra mesmo, e jogaram para baixo. Era onde podíamos investir um trabalho mais consequente para a categoria. Acho que poderia ser feito um trabalho com as mulheres, foi um atrito que houve, entre nós e o Magela, na Sul. Acho que o movimento feminista deve discutir isso também. Hoje ele não pegou a questão central, que é o problema das reivindicações das mulheres trabalhadoras, principalmente as operárias. Ele fica girando na órbita da pequena burguesa, profissionais liberais. Enquanto não for para essas, que é mais importante, não vai sair do rumo que está. Vai fazer de vez em quando um ato na cidade, que vem a pequena burguesia. Mas não vai mesmo jogar um papel que deveria. Enfrentamos vários problemas nas fábricas. Mulher que é perseguida, discriminada. Fui processado uma vez por ter enfrentado o chefe de uma empresa, foi toda a diretoria parar no Fórum. Denunciei o cara e ele abriu um processo contra nós. Fui em defesa de uma companheira, na Logan. O patrão colocou duas operárias de castigo, arrancou as portas do banheiro. Devido a própria formação política, íamos para cima dessas coisas, mas também não tínhamos respaldo da diretoria. Não havia um trabalho nesse sentido.
Carmem – Gostaria de perguntar, durante essa gestão mais progressista que teve no sindicato, não havia uma proposta cultural. Porque…
Vital – A cultura no Brasil, acho que você tem que destacar antes de 1964, era mais de massa. Tanto é que surgiram vários artistas populares. Depois teve um negócio mais elitizado. A cultura hoje é da elite e pequena burguesia. Quem vai ao teatro hoje… Quem pode pagar para assistir uma peça… Quem vai ao cinema… Não é de massa. Quando muito é importado, traz lá um Sting da vida, e leva aquela massa jovem que nem sabe o que está ouvindo. O próprio poder público não investiu, e o sindicato muito menos. Não houve um processo, nos acomodamos frente a essa situação.
Carmem – Lembro-me que em 1985, uma peça de teatro sobre a vida de Getúlio, era muito boa. Conversei com o Huertas sobre a possibilidade de pegarmos uma sessão para o Sindicato dos Metalúrgicos. Levei ao Joaquim essa proposta e ele nem cogitou.
Vital – Porque a cultura popular abre a consciência. Até um episódio interessante, tem um diretor do sindicato que me disse, o Jaime, que não queria formar ativistas, porque não quer que tomem sua cadeira. Ainda hoje essa é a mentalidade. Para que formar, depois vem disputar comigo. Sempre houve isso. Um diretor sindical que tenha essa mentalidade, você acha que ele vai promover a cultura, debate, curso de CIPA, curso sindical… Não vai. Nesse sentido, não contamos com o apoio da oposição que poderia ter vindo, mesmo tendo divergência conosco. Contamos com o apoio de alguns setores, mas não todo mundo. Mesmo na minha área, um companheiro que, apesar de ser do MONSP, foi o Chiquinho. Discutíamos em todas as greves, e trabalhávamos em conjunto, mas não compreendiam. Outra coisa é tratar com o Joaquim, o Campos, o Jaime, o Vital…
Carmem – O Vital, na campanha salarial de 1985, que os metalúrgicos vão unificados com os químicos, plásticos, se decreta greve. Na realidade foram os metalúrgicos que fizeram, porque os químicos e plásticos não pararam, nem os têxteis. Quem segurou foram os metalúrgicos. Numa análise que eu faço, foi dali que se conquistou as 44 horas na constituinte. Houve um trabalho em conjunto com a oposição, ou não…
Vital – Houve, inclusive com a CUT. Foi uma das grandes vitórias nossas, do sindicalismo em São Paulo. Se avaliarmos o conjunto da nossa gestão e dizer que ela não valeu para nada, só de termos conseguido. Depois daquilo não houve mais campanha salarial unificada. O Luís Antônio fala unificada, mas é São Paulo, Osasco e Guarulhos. Foi pela primeira vez que eu ouvi o pessoal dizer os metalúrgicos estão juntos. Também nas greves gerais com o Chico Gordo. Foi só com a direção dessa parcela mais avançada da diretoria. Teve resistência, nós peitamos, vai ter que ter. Sentamos frente a FIESP e estavam os metalúrgicos, químicos e plásticos. Foi um jogo de cena dos patrões, mas eles foram obrigados a admitir, na mesma negociação, esse pessoal todo.
Carmem – Tem uma ala da CUT que diz que quem conduziu a campanha foi o Sindicato dos Químicos. Eles chegaram a parar alguma fábrica…
Vital – Não, eles tentaram. A condução dessa campanha estava nas mãos dos metalúrgicos.
Carmem – Vocês ficaram dois dias de greve. Havia uma proposta da diretoria de continuar. Como vocês se posicionaram… Você, enquanto diretor e militante do partido…
Vital – A greve devia continuar enquanto desse.
Carmem – Vocês pararam para avaliar…
Vital – A avaliação, depois daqueles episódios todos, da Caloi, no segundo dia, você tem que organizar. A greve não tinha condições de continuar. Para fazer uma greve na categoria, você tem que pôr um palmo de língua para fora, por causa do estado de desorganização. Apesar do esforço que fizemos, tínhamos um ano e meio de mandato, éramos nós quem jogávamos. Tanto é que contávamos com a contribuição maléfica do Jaime e do Bigode, que além de serem contra a greve, fizeram de tudo para não parar. Foram contra na reunião da diretoria. Vi no setor do Jaime que a massa estava parada. Ele chegava lá e falava para trabalhar. Isso aconteceu na El Fonte, ali no Ferreira. Estava no piquete, por ali. No outro dia, ele mandou trabalhar. É uma greve por tempo indeterminado, depende da correlação de forças, da quantidade de metalúrgicos, da categoria que tem adesão. Mas era por tempo indeterminado.
Carmem – Você acha que ela não tinha condições de continuar…
Vital – No segundo dia, acredito que não. Depois do que houve na Caloi. Saímos cedo para fazer o piquete, ninguém apareceu. Como é que você mantém uma greve nesse sentido, não tem condições. Nossa avaliação era de que não tinha condições de continuar.
Carmem – Um dos problemas que percebíamos era a campanha eleitoral para prefeito que estava acontecendo e seria dez dias depois. Você acha que isso teve alguma influência, fora a participação do Bigode. Ele era contra a greve em função disso. Você acha que foi pensada aquela greve para a desmoralização do Fernando Henrique, do PMDB…
Vital – Não, não acho. Aquela greve estava sendo preparada desde o início do ano. Em abril, começamos a luta pelas 44 horas, que não começou naquela greve, mas antes. Vem daí a minha briga com o Luís Antônio. Preparei a Metal Leve, a Pial, a Filtros Mann, várias empresas para parar. Na morte do Tancredo que aconteceu, foi a salvação. Vamos fazendo as assembleias, vamos parar e de repente não para, o processo volta. Fiquei com raiva, porque estava a fim de parar mesmo
Carmem – Aquela greve, na véspera, a morte do Tancredo abortou.
Vital – A categoria não tinha força para levar a frente. A massa é preparada e aí… Fizemos um trabalho, assembleias, panfletagem, reuniões, e a ideia era parar a Metal Leve, a Sharp, a Pial, a Metafil, e o resto no bolo. Aquilo abortou. Não foi pensado. Naquele momento, a minha cabeça não estava se importando com a luta eleitoral. Não misturo, o movimento sindical tem que ter independência. Se a Luiza Erundina é prefeita hoje, se uma greve ajudar, paciência. Não vou subordinar a luta da classe operária. Não soube de ninguém que tivesse na diretoria a intenção de boicotar a candidatura do Fernando Henrique. Cheguei a discutir isso na reunião. Se ele tiver uma postura de apoiar a greve, deixar que as coisas caminhem normalmente, no mínimo vai ganhar pontos. Se ele baixar o pau, o problema é dele. Estava falando, depois da morte do Tancredo, estava em ponto de bala. Uma luta pela redução da jornada, pode falar o que for eu não vou, pode ser até, fazer a greve. Porque sei que é uma luta com o capitalismo mesmo, com a classe dos capitalistas, seu conjunto. Pensar que vou conseguir isso numa fábrica, fazendo greve, não vou conseguir. Pode ser até que aconteça um milagre, mas tenho a concepção de que não é por aí. Mas a massa foi radicalizado, então aquele negócio não para. Em junho, teve a greve dos trabalhadores rurais em Sertãozinho e Guaíba. Numa reunião da diretoria aprovei que ia para dar apoio. Fui para Barrinhas. Lá, o pessoal passou a mão na Kombi do sindicato. Fui sozinho, deixei os assessores aqui. Ligaram dizendo que tinha aberto uma luz no túnel da Metal Leve. Ia ter uma negociação às quinze horas. O Jamil, um companheiro nosso, disse que era bom eu ir para lá, senão iam me passar uma rasteira. Quando cheguei na negociação, estava o Luís Antônio, o Amorim, o Ramiro e o Miguel e um tal de Chicão. Cheguei, já tinham feito um acordo, de reduzir a jornada de trabalho. Vamos tirar o horário do café. Eu disse não. Vamos ver o que os trabalhadores acham. Já estava acertado, aquilo passava. Conversei com os companheiros do partido e disse que ia denunciar essa droga. Fui para a porta da fábrica na saída, avisei os trabalhadores. No outro dia, na assembleia, denunciei. Esse negócio de troca de horário de café, eu não aceito. Deu um mal estar geral. A partir daí é que São Bernardo tinha feito um acordo, que descontavam da jornada de trabalho o horário do café. A diretoria disse que não aceitava isso, porque era um direito conquistado. Criou até um impasse com a FIESP. O Walter me acompanhou nessa posição, o Juruna. Não tem essa de trocar, horário de café é conquista. Até porque o nosso acordo depende de uma aprovação da assembleia. Foi em função dessa briga que eu travei na diretoria, que na Metal Leve, hoje, tem horário de café. Mesmo depois que foram feitas as assembleias, o pessoal foi aceitando. Na última greve conseguimos faturar em cima. A Constituição aprovou as 44 horas, e está um rebu porque não foi regulamentado. Em função disso, reduzimos mais oito minutos por semana. A briga vai continuar até 2000, até passarmos para as 44 horas, preservando os dez minutos por dia. O início dessa conversa foi essa luta na Metal Leve. Hoje temos mais oito minutos, porque resistimos naquele momento. Comecei a formular a minha opinião que o Luís Antônio, depois na greve de 1985, tem aquela coisa de que é patronal, é homem da FIESP. Em função desse episódio.
Carmem – Logo em seguida temos o Plano Cruzado, congelamento de salários. Antes disso, vocês conquistaram o trimestral, como foi isso…
Vital – Travamos várias lutas na categoria pela antecipação. Quando chegou na campanha salarial, isso teve que fazer parte do acordo. Foi no de 1985, em que conquistamos as 44 horas para a categoria toda. Foi o primeiro acordo do trimestral e o primeiro no nível de categoria que proporcionava a redução da jornada de trabalho. Na minha avaliação, as lutas travadas no início do ano no ABC ajudaram a impulsionar a categoria. Se criou nos operários que a luta pelas 40 horas tinha que acontecer.
Carmem – 40 horas, aquela janela com o sol abrindo, aquele cartaz…
Vital – Isso, isso.
Carmem – Em plena vigência do Plano Cruzado, vocês estouram uma série de pequenas greves. Lembro-me que o sindicato não dava conta de absolutamente nada. Aquilo foi política da diretoria ou mera casualidade que depois vocês reverteram fazendo a campanha do Aumento Já… Você lembra desse processo…
Vital – Não digo que tenha sido mera casualidade. Quando tem um trabalho sindical na categoria, a luta é consequência disso. Você sempre faz reuniões, boletins, jornais. Nessa época eu era diretor, criei vários jornais de empresa, além do jornal do Sindicato. Tinha na Metal Leve, na La Fonte, na Pirreli, na Sharp, em milhares de empresas.
Carmem – Vamos fazer um aparte sobre isso. Como era o apoio da imprensa no sindicato… Que tipo de dificuldades vocês tinham…
Vital – Tinha de todo tipo. Tinha quem boicotava, não fazia boletins. Brigava-se para fazer boletins. Até a gráfica. Se você quisesse um boletim, tinha que ir lá e esperar rodar, senão o cara ficava embromando.
Carmem – E os jornalistas, fotógrafos, como era a relação…
Vital – Fiz várias greves. Se tiver três fotos minhas lá, é muito.
Carmem – Eles não mandavam, vocês não pediam, como era…
Vital – Não pedíamos e não mandavam, não tinha interesse.
Carmem – Vocês tinham a iniciativa de pedir, ou não passava pela cabeça…
Vital – Não passava. Ninguém sabia como era o esquema. Não adiantava pedir, então não esquentávamos.
Carmem – Os funcionários de forma geral e a imprensa em particular respeitavam o mandato de vocês…
Vital – Na nossa frente, sim. Se não respeitassem, brigávamos. Nós da executiva, era outro tipo de tratamento. Nós peitávamos. Muitos pepinos chegavam ao diretor, no Jorge, no Juruna. Na executiva tinha hierarquia, era uma mentalidade no sindicato. Quem é diretor é executiva, que manda. Você tinha um certo respeito. Mesmo assim, boicotavam. Mas, por sermos da executiva, tínhamos respeito. Porque essa imagem também era passada pela direita.
Carmem – O que estou querendo saber, a assessoria, imprensa, principalmente, respeitava o fato de vocês serem diretores ou tinha diretor privilegiado…
Vital – Ah, tinha.
Carmem – Quem eram…
Vital – Era a direita, o senhor Campos, o senhor Jaime.
Carmem – Eles eram diretores privilegiados. Isso se refletia no trabalho de imprensa… Que participação vocês tinham na formação, no fazer do jornal…
Vital – Foi uma briga. Depois conseguimos criar uma comissão de imprensa. Fui eu, o Juruna, o Bigode, que íamos redigir boletins. Começamos a peitar uma briga, reverter algumas coisas. Não foi por obra e graça, mas por briga, mesmo. Não chegava a trocar tapa, porque ficava até deselegante. Os avanços que houveram foram devido a esse trabalho sindical. De repente começou a haver uma série de greves, puxadas pela diretoria. Vimos que não dava para tocar do jeito que estava acontecendo. Reunimos a diretoria e tomamos uma posição, lançamos a campanha de Aumento Já. Mesmo essas discussões políticas eram difíceis na diretoria. Chegava lá, vinha o Miguel, o Huertas, falavam, resolvido e pronto.
Carmem – Era o Miguel e o Joaquim que falavam…
Vital – Era. Não tinha um fórum, em que pudesse ter uma discussão política, um aprofundamento. Era uma diretoria muito heterogênea. Quando foi a questão do colégio eleitoral, defendíamos que devíamos participar. Outros companheiros achavam que não. Não tinha como estabelecer um certo acordo, porque não discutia a questão. Não tinha nenhum fórum em que pudesse pelo menos analisar as divergências, era uma briga de foice. A direita se aproveitava de uma posição política nossa, outra hora, de outros companheiros. Jogavam um papel até de mediador da oposição. Nosso erro foi esse, enquanto força mais consequente, não jogamos esse papel, e podíamos tê-lo jogado. Na greve de 1985, programa com o PCB, contra a greve, era uma divergência política clara. Mas a direita, o Jaime, era contra a greve por outro motivo. Então tinha essa aliança.
Carmem – A diretoria não atuava enquanto diretoria…
Vital – Não, que nada.
Carmem – E como é que vocês vão para compor a Chapa Dois… Como foi esse processo… Quando vocês decidiram que não podiam compor com o Joaquim ou o Luís Antônio…
Vital – Essa discussão foi anterior já a greve de 1985. Aquele processo, tira ou não o Joaquim. Aquela carta dos dezoito pontos, que o Luís Antônio assinou.
Carmem – Você não assinou porquê…
Vital – Primeiro é que não participamos da discussão. Não tinha conhecimento prévio que aquela carta ia ser elaborada. Concordávamos literalmente com os dezoito pontos, mas por causa daquela posição que tínhamos em função da campanha salarial, achávamos que aquele movimento era para melhorar a campanha salarial. Hoje achamos que deveria ter feito numa roupagem nova. Talvez não usando os mesmos métodos. Fizemos autocrítica, que devia ter capitalizado a luta e o sentimento, que o Joaquim saiu por causa de nós. Isso reconhecemos, ficamos um pouco embolados ali, tanto é que rompemos, mas não tivemos clareza do momento que deveria ser iniciado aquele processo.
Carmem – Se a carta tivesse sido apresentada, discutida com vocês antes, vocês teriam assinado…
Vital – Sim, é claro, teríamos. Pode ser que não fosse o mesmo método, de fazer as coisas como se deram, mas no fundo concordávamos com aquilo.
Carmem – Quando vocês viram a carta no Notícias Populares, na primeira página, qual foi a reação…
Vital – Uma certa perplexidade. No Estado de São Paulo, passávamos por uma luta interna muito violenta. Era fim de 1986, agosto. Já havia discussão, até a própria revisão da postura nossa contra esse problema, que ocorreu com a forma que tinha sido feita a eleição. Do nosso relacionamento com o governo do Estado. Isso redundou na reestruturação de nossa direção aqui em São Paulo. Um processo de eleição que culminou com a nossa derrota em 1986. Vivemos também um processo interno.
Carmem – Como aquele documento chegou na diretoria, qual foi a atitude…
Vital – Teve drama, o Joaquim chiou, que queriam puxar o seu tapete. Do nosso ponto de vista, não tínhamos tomado conhecimento prévio. Ficamos na dúvida, apoiamos o documento, ou não. Fomos pegos no meio dos acontecimentos. De um lado víamos que tinham companheiros bem intencionados, mas havia pessoas que queriam tirar proveito da situação, como o próprio Luís Antônio, o Flores…
Carmem – O Flores não assina. Assina o Walter, o Magela, o Juruna, a Nair, o Jorge, o Xepa, o Bigode…
Vital – Achávamos que era um movimento que havia diretores interessados em se promover. O nosso enfrentamento não tinha nada a ver com o Joaquim. Não o apoiaríamos numa chapa da diretoria. Essa avaliação que já tínhamos. Houve um processo, em um sindicato do interior que um diretor fez essa manobra, com medo de perder. Havia também esse grau de desconfiança entre nós, com medo daquela diretoria perder o controle do sindicato. Fizeram um acordo com o presidente, para ele aparecer como cara que estava peitando os pelegos. Esse esquema não tinha nada de novo, ele capitalizava para a massa esse sentimento. Então, avaliávamos que também tinha isso. O pessoal achava que estávamos afinados com o Joaquim, por causa da nossa participação na CGT. Achávamos que era uma posição atrasada, do ponto de vista do avanço da luta. Se você é contra a Central, pode até achar que não é CGT, que é CUT, mas não pode negar o fato dos trabalhadores terem a necessidade de se organizar. Tinha tudo isso no processo. Era melhor não nos metermos além dos problemas internos que vivíamos. Mas não passava na nossa cabeça naquele momento nos aliar com o Joaquim. Tanto é que quando se deflagrou o processo eleitoral deixamos claro para os companheiros. Até o Magela se assustou.
Carmem – Quando vocês decidem que não dava para compor com o Luís, nem com o Joaquim…
Vital – Já tínhamos essa avaliação desde a eleição. Vamos entrar aqui, depois dar um chega para lá. A avaliação não era nem no Joaquim, era em todo mundo. Não dizíamos isso nos corredores, porque também tinha uma tática para atuar ali. As coisas foram ficando claras para nós a partir desses episódios que aconteceram na Metal Leve e outros.
Carmem – Qual foi o episódio que realmente colocou o ponto em que não dava mais para compor…
Vital – Aquele da greve de 1985, da Metal Leve. Não foi específico. Depois desse processo de briga com o Joaquim. No mesmo lado que o Luís Antônio assinava um documento, ele conciliava para o lado de lá. Deixa o Joaquim com o carro dele, vamos colocá-lo como presidente da CGT. Nós observando o movimento, vamos ver como é que vai. Ficou claro que o Luís Antônio era um cidadão que estava sendo preparado para assumir o posto que o Joaquim tinha.
Carmem – Quem preparou…
Vital – A própria FIESP, por uma série de informações que conseguimos. Ficou claro que ele tinha um acordo com o Joaquim. Entrou o problema da Confederação dos Metalúrgicos, se ele ia ser presidente. Foi feita a eleição provisória, acompanhamos o processo. Era um acordo que já havia com os empresários no meio. Vamos tirar o Joaquim de cena e projetar o Luís Antônio, que é um cara novo. Aparece que combateu o Joaquinzão, mas no fundo vai fazer aquilo que queremos. Não tínhamos isso claro, mas indícios, que com o passar do tempo e o decorrer dos acontecimentos foram ficando claros. No processo de composição da chapa até alguns companheiros disseram que estávamos conversando com o Luís Antônio. Passou uma certa imagem que estávamos pressupostos a compor com ele. Como tínhamos independência, essa era uma fórmula que vimos de fazer a política. Não dizer para o inimigo qual a sua intenção. Se você declara que que está a fim, o que quer, acaba ele tanto o seu aliado como o seu adversário. Esse era o plano. Até quando houve aquele problema na Chapa, que excluíram o Aurélio, achamos que foi um veto ideológico. Avaliamos que não tínhamos condições. Se saíssemos com uma chapa própria, era ajudar objetivamente o Luís Antônio e não estávamos a fim disso. Resolvemos compor naquela situação. Achamos desfavorável para nós, mas em função de que era uma posição nossa de não compor com o Luís Antônio.
Carmem – Como é que eram as discussões para a composição da Chapa Dois…
Vital – O mesmo processo. Achamos que ficamos alijados da discussão da chapa. Participamos no início, mas depois se formou uma frente, com o Lúcio e o pessoal da Ford. Ficamos alijados e fomos um pouco entrando, porque não dava para ficar de fora. Tínhamos a avaliação que era difícil de ganhar a eleição. Porque, na nossa avaliação ela se estreitou.
Carmem – Porque…
Vital – Não conseguimos incorporar forças mais amplas da categoria. Poderíamos ter incorporado o Chico Gordo, o Zico, Pereirinha, uma série de outros companheiros. Se estreitou na medida que inclusive não participamos desse processo de discussão, num processo posterior.
Carmem – Mas o Pereirinha participou da discussão, mas saiu depois…
Vital – O Pereirinha continuou até o fim, mas saiu parte do pessoal da Alternativa.
Carmem – Saiu para compor…
Vital – Exatamente, para compor com o MOSMSP.
Carmem – Porque o pessoal saiu…
Vital – Acho que foi um pouco por isso. O fato da Ford ter três cargos na executiva da chapa, não corresponde à realidade. Por mais que estivesse organizada, a categoria é muito mais ampla. Não conseguimos isso. Fizemos uma chapa, o Lúcio tudo bem, se fortaleceu, mas do ponto de vista das eleições…
Carmem – Era o Lúcio e o Adão.
Vital – Numa executiva de sete. Fizemos aquele processo todo, vamos mudar, fazer um novo estatuto.
Carmem – Como foi a posição de vocês na assembleia do dia 20 que rachou.
Vital – Tivemos um papel destacado naquilo. Quem começou o racha fui eu. Os caras tentando manobrar a assembleia e subi na mesa.
Carmem – Lá em cima ainda.
Vital – Na rua do Carmo. Subi na mesa. O Juruna lá embaixo e eu em cima. O Luís Antônio tentando legitimar a assembleia ali. A Nair levou até uns tapas também. Falei sem microfone mesmo, fiz um discurso e acabou. Fomos para baixo e fizemos a assembleia na rua. Nosso papel ali foi destacado.
Carmem – Você acha que se o Luís tivesse descido e assumido aquela assembleia, como presidente do sindicato teria tido alguma chance de composição…
Vital – Acho que sim. Ali foi a gota d’agua. Podíamos até ter dúvida contra ele. Mas entre ficar com o incerto e com ele, ficou com o certo. Ali ficou claro que ele tinha um compromisso do lado de lá. Ele poderia ter assumido conosco aquela assembleia.
Carmem – Como vocês viram o desenrolar disso, que foi a greve de fome…
Vital – Já era a campanha eleitoral, já era oposição. Foi muito positivo, a luta, o processo eleitoral.
Carmem – Durante esse processo, foi complicado. Teve tumulto. Correu o boato que o roteiro das urnas ia ser modificado de forma a permitir que ficassem pouco tempo nos locais de votação. A chapa dois disse, correu atrás de imprensa, jornalistas, para garantir o roteiro das urnas. Você acreditava…
Vital – Nesse ponto não só era inviável, como em outro episódio.
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