16 ago 2012 . 18:25
Por Miguel Wady Chaia
A classe trabalhadora, no Brasil, tem vivido uma experiência particular que é a unificação dos sindicatos e não a do movimento sindical, através de um organismo único: o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – DIEESE. Este Departamento constitui-se um interlocutor dos trabalhadores desde 1955, ano da sua fundação, tendo por base o conhecimento técnico produzido por um grupo de cientista sociais. Trata-se, portanto, da associação entre intelectuais e sindicalistas, com o objetivo de assessorar as ações sindicais.
A análise da origem e da expansão do DIEESE, nas suas diferentes fases, permite abordar a questão do conhecimento e da organização sindical, considerada sob dois aspectos. O primeiro refere-se à capacidade do próprio movimento sindical de engendrar uma instituição para orientação técnica das ações sindicais, na ausência de uma estrutura partidária representativa, na presença de temporária estrutura sindical paralela e em detrimento da legislação oficial, que impede a constituição de um organismo sindical único. O segundo aspecto diz respeito ao engajamento profissional de cientistas sociais, após o afrouxamento dos seus vínculos políticos com partidos de esquerda, ou seja, são intelectuais que, na falta de instituições de natureza político-sindical, passam a fazer diretamente a intermediação entre ciência e classe, produzindo conhecimento técnico para orientação da prática sindical.
Sinteticamente, o primeiro aspecto nasce da racionalidade aprendida pelos trabalhadores na luta sindical e o segundo é conseqüência da racionalidade aplicada através da concretização de projetos de intelectuais desencantados com as possibilidades da prática política partidária e/ou insatisfeitos com a exclusividade acadêmica.
De forma gradativa, o DIEESE vem se firmando como uma instituição geradora de informações com a finalidade de subsidir as lutas de reivindicações salariais, funcionando como um grupo de pressão em benefícios dos trabalhadores, conforme já transparece no primeiro Boletim do Departamento, de maio de 1960, onde se afirma que é objetivo da instituição “realizar estudos e pesquisas sobre problemas da classe trabalhadora. Representa, pois, uma inovação dentro do movimento sindical brasileiro, no sentido de uma tomada de consciência de que a situação do trabalhador e as condições de trabalho acham-se enquadradas num conjunto de fatores nacionais, e de que o conhecimento de uma e outra deve ser feito mediante a utilização de métodos modernos elaborados pelas ciências sociais”.
A racionalidade aprendida: mobilização sindical e quebra do monopólio da informação oficial
O DIEESE faz parte da estratégia do processo de racionalização experimentado pelos sindicatos a partir da década de 50, que procurou dar cunho técnico à política sindical, a fim de garantir suas ações frente aos empregadores ou ao Estado. Um dos momentos decisivos para originar o DIEESE foi a greve decretada pelo Sindicato dos Bancários em São Paulo, em 1951, quando os trabalhadores defrontaram-se – e ganharam – com uma guerra de número e de índices.
A greve de 1951 reacendeu a certeza da manipulação dos índices para o reajuste salarial, permitiu a discussão da defasagem salarial acumulada durante os anos anteriores e mostrou a necessidade de estudo e cálculo do aumento do custo de vida para avaliar a situação dos bancários. Desta forma, ficou claramente marcada a necessidade de argumentos racionais que se opusessem aos argumentos patronais e oficiais. Exemplificando, se os patrões ofereciam 7,0% de reajuste, se o cálculo da Prefeitura de São Paulo era de 15,4%, os bancários pediam 40,0% de reajuste, em função da avaliação do aumento do custo de vida. Surgiam, assim, três posições diferentes: a dos banqueiros, a do Estado e a dos trabalhadores que, por necessidade de sobrevivência e de desempenho político, mais se aproximava da realidade. Revela-se nestas circunstâncias que, para os trabalhadores, ter consciência da manipulação dos números não é suficiente; o ponto decisivo é que para eles não basta apenas conhecer, mas são necessários subsídios para argumentar e meios para pressionar.
Neste sentido, o Sindicato dos Bancários, já em 1951, apontava para o significado que o estudo e o cálculo próprio da realidade têm no interior da luta, no interior das relações legitimadas. Segundo depoimentos, o Sindicato chegou a contratar um economista para ajudar no levantamento do custo de vida.
Dado o longo período de greve e verificado o impasse, “o TRT arquivou o dissídio dos banqueiros e a Procuradoria Regional do Trabalho requereu a instauração da instância administrativa. Na nova audiência de conciliação, realizada na Delegacia do Trabalho, o Presidente do Sindicato recusou a proposta conciliatória… Mas o objetivo das denúncias aos falsos índices da Prefeitura foi atingido: a proposta foi de 30%, como resultado da nova tabela de custo de vida apresentada pela Prefeitura, elevada de 15,4% para 30,7%, em virtude da pressão grevista. Esta situação acabou estimulando as articulações intersindicais para a criação do DIEESE e a formação de uma Comissão Intersindical de Defesa do Trabalhador” (embrião do Pacto da Unidade Intersindical – PUI)1.
A partir dos anos 50, o movimento sindical seguiu rumos diferentes daqueles da década anterior, cm função da etapa alcançada pela economia brasileira e da mudança de governo, que enfatizava o nacionalismo, deixando vislumbrar a possibilidade da elevação da participação dos sindicatos na vida política brasileira. Se, de um lado, o movimento sindical mobilizava-se politicamente de maneira progressiva, ampliando o interesse por questões que envolviam desde o capital internacional e nacionalização até a organização dos trabalhadores rurais, por outro, a política de desenvolvimento industrial adotada pelo governo agravava as condições de vida dos trabalhadores urbanos. “Assim, os temas de política econômico-financeira tornaram-se objeto de atuação dos sindicatos. Percebia-se que a política cambial e creditícia adotada era também de aceleração do ritmo inflacionário e, de maneira crescente, a mobilização se fez no sentido de combater o custo de vida, ou seja, em termos antiinflacionários. Greves de grande envergadura como as que se registraram em 1953 e 1954 e depois em 1957 tinham na inflação sua causa primordial e constituíram expressão da força sindical ao mesmo tempo que motivo de fortalecimento pelos resultados práticos que proporcionavam”2.
À medida que os sindicatos politizavam-se, em decorrência do contato com problemas de ordem nacional que os afetavam, eles passavam a se organizar com objetivos comuns, o que facilitava uma nova integração das lutas sindicais para enfrentarem temas de interesses comuns. Tal tendência implica a necessidade de se conhecer diferentes aspectos econômicos, sociais e políticos da realidade, uma vez que a luta sindical esbarra em temas complexos da nação. Para tanto, um órgão intersindical, de cunho técnico-científico e que produzisse conhecimento, poderia responder a este conjunto de necessidades dos sindicatos, desde às vinculadas à luta salarial até aquelas relacionadas à avaliação de problemas estruturais e conjunturais. Desta forma, a classe trabalhadora teria condições de esclarecer a sua posição face a outros grupos da sociedade, ao Estado e à economia nacional.
Com o surgimento de novos temas para o movimento sindical, como inflação, desemprego, problemas de custo de vida e abastecimento, tornou necessário para abordá-los “que houvesse uma integração maior entre os sindicatos – pois a estrutura vertical do sindicalismo brasileiro impedia a existência de órgãos de coordenação horizontal”3. E assim, em situações de conflito, como a greve de 1953, aparecem organizações paralelas com o objetivo de unir correntes sindicais envolvidas com os mesmos problemas e temas.
Em meio ao debate sobre desenvolvimento econômico, à crise do acordo que integrava a Política de Conciliação de Vargas e ao apelo deste aos trabalhadores, é deflagrada a greve dos 300 mil, em março e abril de 1953, em São Paulo4.
A greve de 1953 foi deflagrada por cinco categorias, quais sejam, metalúrgicos, tecelões, vidreiros, gráficos e carpinteiros, que exigiam aumentos salariais e medidas para reduzir o custo de vida. A greve paralisou, nos 29 dias de duração, a maior parte dos trabalhadores, afetando fortemente os ritmos de produção e de vida da cidade, assim como acarretou violentos choques entre trabalhadores e policiais. Foi uma greve vitoriosa que só terminou “quando os operários presos durante a manifestação foram libertados. Os grevistas rechaçaram as ofertas, consideradas inaceitáveis, dos patrões, negaram-se a discutir as propostas conciliatórias feitas pelo Tribunal Regional do Trabalho (representando o Estado) e forçaram o governador do Estado a intervir como mediador, quando, na realidade, sua função era a de reprimir o movimento. No que diz respeito ao movimento operário, a greve abalou a política do Ministério do Trabalho, consoante com a Política de Conciliação de Vargas, de procurar harmonizar empregados e empregadores. Por outra parte, os líderes do movimento não tomaram conhecimento do decreto 9070, introduzido no Estado Novo e restabelecido pelo governo Dutra, e que proibia a greve”5.
A greve de 1953 revelou alto nível de mobilização e organização devido à atuação de lideranças sindicais que ascenderam nas atividades sindicais de oposição, que lutaram contra interventores e que se politizaram no debate do projeto nacional-desenvolvimentista, tais como os metalúrgicos Remo Forli, R. Martinelli e Eugenio Chemp; os tecelões Nelson Rusticci, Antonio Chamorro e Luis Firmino de Lima; os gráficos José Greco e Dante Pellacani; o vidraceiro José Chedink; e o marceneiro Salvador Rodrigues.
Conforme a reconstrução histórica e análise de José Álvaro Moisés, desde o seu início, com a assembléia geral dos tecelões, em 10 de março, a greve de 1953, embora voltada para o aumento salarial, tinha como alvo o Estado. Os trabalhadores “já começavam a acusar a Delegacia Regional do Trabalho, de ignorar que o salário de apenas 1,584 cruzeiros, pouco mais que o salário mínimo nacional, era o recebido pela grande maioria. Os trabalhadores tratavam de rechaçar também as informações oficiais sobre o custo de vida, segundo eles distorcidas para evitar aumentos maiores e reais de seus salários”6.
Em 26 de março, o Sindicato dos Metalúrgicos se reuniu, declarando-se em greve em solidariedade aos trabalhadores da indústria têxtil e para pressionar os patrões que não haviam aceito suas exigências. Gradativamente, carpinteiros, gráficos e vidreiros anunciaram sua adesão à greve, à medida que suas exigências não eram atendidas. A greve alastrou-se também com vigor para o interior do Estado de São Paulo.
À medida que a greve se desenvolvia, com a seqüência de categorias que iam se aderindo a ela, começou a nascer um sentido de unidade intersindical, fortalecendo a tendência de se constituir uma força única a ser formada como resposta à série de condições objetivas de então. As diferentes categorias envolvidas estabeleciam pactos comuns de ação e organização. No vigésimo dia da greve, foi formado o Comitê Intersindical de Greve, composto pelos comitês de greve de cada categoria. Esta Comissão Intersindical acelerou a criação do Pacto dos Quatro Sindicatos: têxteis, metalúrgicos, madeireiros e vidreiros, “pelo qual cada categoria se comprometia a só terminar a greve quando houvesse condições gerais que atingissem a todos, de forma a evitar divisionismos no movimento que poderiam ser introduzidos pela própria política da Justiça do Trabalho e do Governador do Estado que, a esta altura funcionava como mediador do conflito. Outro ponto comum do Pacto dizia respeito à unanimidade quanto a obtenção de um aumento mínimo de 600 cruzeiros (valor da época) para todas as categorias e todos os trabalhadores (…) O Pacto apresentou-se, ao conjunto da classe operária, como um resultado da greve de massas. Em realidade, mais do que uma fusão de greves – que é o que ocorreria se houvesse uma Central dos Trabalhadores no âmbito do Estado de São Paulo – ele representou um compromisso de luta comum entre os principais sindicatos envolvidos no conflito”7.
Assim, a tendência espontânea de mobilização e organização dos operários começou a ser dirigida por uma estrutura de cúpula, que se apoiava na estrutura sindical vigente. A partir de 1954, reúne-se o Pacto de Unidade Intersindical (PUÍ) em São Paulo, que junto com os sindicatos do Rio de Janeiro formaria, mais tarde, o Pacto de Unidade e Ação, que terá relação com a formação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).
Conforme José Albertino Rodrigues, embora a primeira tentativa de criar um órgão de cúpula paralelo à estrutura sindical date de 1946, por ocasião do Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, a mais importante tentativa da década de 50 foi o Pacto de Unidade Intersindical que “durante cinco anos comandou as ações políticas e sindicais, sobretudo na cidade de São Paulo, constituindo uma espécie de plenário permanente de organizações sindicais aderentes que chegaram a atingir mais de uma centena”8. Este órgão passou a tratar de vários assuntos e necessidades dos trabalhadores, constituindo-se num fórum de debates e decisão. Entre eles, pode-se citar o debate e a criação de um órgão intersindical de estudos socioeconômicos, o DIEESE.
Ainda em relação à greve de 1953 e ao desenrolar dos acontecimentos que levaram à criação do PUI e do DIEESE, deve-se considerar, também, a presença dos bancários, que auxiliaram no rumo tomado pelos acontecimentos. Aliás, tal aspecto tem sido desconsiderado pela bibliografia a respeito do PUI.
O Sindicato dos Bancários, já livre da intervenção desde 1950, alcançou bons aumentos salariais para a categoria nas campanhas que se sucederam após a greve de 1951, que demonstrou a capacidade de organização e combate. Esta greve tornou os banqueiros mais sensíveis às reivindicações apresentadas.
Desta forma, o índice obtido no reajuste salarial funcionava como um parâmetro para as demais categorias, uma vez que o vencimento do contrato coletivo dos bancários era em setembro, meses antes do vencimento das demais categorias envolvidas na greve de 1953. Diz Antonio Chamorro, do Sindicato dos Tecelões: “Todas as categorias, com raras exceções, reclamavam dos dados estatísticos oficiais que vinham. Então a gente jogava um pouco no escuro. Nesse sentido, eu acho que quem mais aprimorou nessa questão foi o Sindicato dos Bancários aqui em São Paulo… É que começou a fazer pesquisa nesse sentido; quando nos nos reuníamos eram eles que traziam mais dados”9. Esta declaração reafirma, de um lado, a existência de um grupo que levantava índices de custo de vida entre os bancários e de outro, o uso do sindicato desta categoria como um parâmetro que fosse referência para o “jogo no escuro”.
Assim, nas assembléias do PUI, passou-se a debater e a decidir sobre questões que afetavam o conjunto dos trabalhadores como, por exemplo, aquelas referentes à futura criação do DIEESE. Tal empreendimento foi iniciativa do PUI, mas também participaram da criação do Departamento Intersindical outras tendências sindicais não integrantes do Pacto. Ampliou-se, desse modo, a base para a criação da instituição, à medida que se tentava responder a urna necessidade coletiva dos trabalhadores: o cálculo do índice do custo de vida.
Até 1955, com a criação do DIEESE, que representa um avanço rumo à democratização da informação, os sindicalistas não dispunham de um indicador confiável do custo de vida, sempre ascendente em uma economia com espiral inflacionária. Desde 1939, tendo como base a pesquisa de Samuel Lowric junto ao pessoal de limpeza pública, feita dois anos antes, a Prefeitura de São Paulo calculava o índice do custo de vida tomando os lixeiros como representantes da categoria de mais baixo padrão de vida. “A amostra era de lixeiros, pois a concepção do índice de custo de vida, naquela altura, era de que ele deveria retratar a elevação dos preços da família mais pobre. Era uma concepção técnica da época. Escolhia-se sempre o segmento mais pobre da população para acompanhar o custo de vida”10. Os levantamentos do índice do custo de vida da Prefeitura de São Paulo eram utilizados pelos patrões para a proposta do aumento salarial e “eram divulgados através de um boletim interno, de restrita circulação, portanto, editado pelo Serviço de Documentação Social, vinculado ao Departamento de Cultura, em que era publicado o referido índice com um certo atraso. As informações eram prestadas somente às autoridades e à Justiça do Trabalho, mediante um ofício onde se apresentava não o índice propriamente, mas o cálculo do aumento do custo de vida referente a um determinado período. Era difícil comprovar a veracidade da informação, uma vez que não se tinha fácil acesso ao índice original, além de não se dispor de uma informação atualizada do mesmo”11.
Além do índice ser calculado a partir de um segmento específico e de baixo padrão de vida, a Prefeitura Municipal garantia o monopólio da informação, disponível apenas aos patrões e ao Estado que dele faziam os mais diferentes usos, agravado pelo fato de que os mesmos tinham acesso ao cálculo e ao índice final. Assim, os trabalhadores, além de não terem acesso aos dados, sequer podiam comprovar a veracidade dos mesmos e, situados em uma posição que impedia a crítica metodológica e a escolha da amostra, suspeitavam de manipulação dos índices apresentados pela Prefeitura, uma vez que “o professor Oscar Egydio de Araújo – estatístico que trabalhava junto com Samuel Lowrie, que montou o levantamento de padrão e custo de vida naquele Serviço de Documentação Social – tornava-se, após o retorno do professor Lowrie aos Estados ‘ Unidos, o Chefe desse Serviço, mas era também funcionário da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, onde chefiava o Departamento Econômico. Ficava evidente a intenção patronal de ter acesso direto aos dados do custo de vida, e fundamentavam-se as suspeitas quanto à sua manipulação no interesse dos patrões”12. Durante os anos de 1951 e 1952, Oscar Egydio refez a pesquisa junto aos trabalhadores da limpeza pública e os dados obtidos foram desmascarados, em confronto com os primeiros dados do DIEESE, durante a greve de 1956, como se verá mais adiante. Em 19’17, a Fundação Getúlio Vargas, retroagindo para 1944, iniciou o cálculo do índice de custo de vida, mas apenas em 1956 realizou uma pesquisa para fundamentar o cálculo.
Os trabalhadores agitaram o Pacto de Unidade Intersindical ao discutirem, entre outros temas, o aumento do salário mínimo, tabelas móveis de salários, congelamento e o índice da prefeitura, como mostra a seguinte notícia na imprensa em 1955: “Unidos os líderes para a Batalha dos Preços… A reunião da última quarta-feira à noite no Sindicato dos Metalúrgicos, para onde fora convocada ‘mesa-redonda’ para encontrar uma plataforma comum de ação, poucos sindicatos se fizeram representar. Estando presentes representantes dos seguintes sindicatos: garçãos, aeroviários, marceneiros, vidreiros, sapateiros, brinquedos e gráficos foi debatido o problema criado pelos cálculos errados do Serviço de Estatística da Prefeitura quanto ao custo de vida, sendo anunciado pelo Sr. Santo Riso, secretário dos metalúrgicos, que estaria sendo estudada a criação de um órgão estatístico intersindical para ocorrer a estas falhas”13. E noticia-se a seguir debates sobre outros temas citados anteriormente.
Neste sentido, pode-se constatar que, com a criação do DIEESE, não apenas reverte-se o quadro do controle e manipulação dos dados do índice de custo de vida, democratizando a informação, mas inclusive rompe-se com o monopólio “legítimo” da informação, criando um foco gerador de informações objetivas e controlado por interesses da classe trabalhadora.
Em função dos objetivos propostos e alcançados pelo Departamento, coloca-se a questão da quebra do monopólio da informação oficial. Conforme lembrado anteriormente, a estrutura montada pela CLT conduz, em certas circunstâncias, as negociações salariais entre patrões e empregados coordenadas pelo Ministério do Trabalho. Este organismo federal utiliza-se de dados estatísticos referentes ao aumento do custo de vida, fornecidos por órgãos oficiais, quando intermedia as negociações para limitar o reajuste salarial dos assalariados. Neste sentido, verifica-se que o Estado impõe-se sobre a sociedade através de uma série de mecanismos, inclusive através da produção e manipulação da informação. Parodiando Max Weber, o Estado no Brasil não possui apenas o monopólio legítimo da violência, mas também o da informação e o da decisão nela baseada para interferir na relação capital-trabalho. Números, medidas, dados etc. fazem parte do mecanismo autoritário de intervenção do Estado brasileiro. Antidemocrática e parcial, tal prática do Estado no Brasil permite o acesso à informação oficial apenas a restrito segmento ligado ao interesse do capital, que manipula a informação utilizando-a contra os trabalhadores assalariados.
A produção e o uso da informação, nas sociedades modernas, fazem parte da estrutura dos poderes político e econômico, auxiliando a perpetuar as relações de dominação que se estabelecem na sociedade. Neste sentido, a racionalização crescente do Estado brasileiro e a modernização das organizações criadas pelo capital implicam historicamente perdas dos assalariados, sejam elas políticas ou econômicas. Em vários momentos, os trabalhadores têm reduzidos seus espaços de atuação assim como têm arrochados os seus salários.
Desta forma, a articulação dos líderes sindicais durante o Pacto de Unidade Intersindical, os debates entre os trabalhadores sindicalizados nas assembléias do pacto em função da consciência da manipulação dos dados por parte do governo e a percepção da necessidade de se criar um organismo intersindical com objetivo tão claros de produção de conhecimento – alcançando-os gradativa e ampliadamente nos anos seguintes – permitem constatar que o D1EESE nasceu para contestar os dados oficiais quebrando, assim, o monopólio da informação. Se no início isto significou contrapor-se aos dados da Prefeitura Municipal de São Paulo, mais tarde a produção de informação do DIEESE passou a se constituir referência para outras informações oficiais ou patronais geradas pela EGV (Fundação Getúlio Vargas), FIESP (Federação das indústrias do Estado de São Paulo), F1BGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), etc. Entre outros, dois momentos da história do DIEESE exemplificam bem a possibilidade da contestação dos dados oficiais: a campanha salarial de 1957 e a manipulação dos índices do custo de vida de 1973.
Algumas avaliações podem sintetizar o que foi exposto anteriormente a respeito da necessidade e da origem de um órgão como o DIEESE:
– o DIEESE é resultado do avanço da experiência da classe trabalhadora que tem como momento expressivo a greve de 1953 que, unificando as campanhas salariais, estabelece um comando único, aumentando o poder de resistência e combate dos trabalhadores. Condições específicas propiciaram, assim, a ampliação do grau de consciência e mobilização dos trabalhadores e politização dos sindicalistas que não só reivindicaram justos salários, mas também entraram em confronto com o Estado, os patrões, interventores e pelegos. Neste sentido, alcança-se a compreensão não apenas da exploração salarial da força de trabalho mas, também, dos mecanismos institucionais que encobrem, legitimando essa exploração;
– tendo origem no Pacto de Unidade Intersindical, mas funcionando com direção e organização independentes dele, o DIEESE é a confissão de que a unidade sindical é desejada, necessária e pode se concretizar, com sentido democrático. É possível compartilhar o espaço de unificação com setores diferentes do sindicalismo;
– a conjuntura que permitiu a criação do DIEESE é marcada não só pela discussão de problemas de ordem nacional, pelas lideranças sindicais combativas que surgem após o final da década de 40, mas também pela compreensão por estas lideranças do significado do estágio alcançado pela luta sindical e compreensão da capacidade de mobilização e força dos trabalhadores. Conseqüentemente, desenvolveu-se entre estes sindicalistas a vontade de estruturar o movimento sindical em base diferente daquela possível pelas regras ditadas pelo Estado. Vários níveis de possibilidade e de ação são tentados e atingidos; um desses níveis pode ser percebido no movimento para a criação do DIEESE;
– o problema salarial é o primeiro a ser enfrentado pela classe trabalhadora, pois permite a sua sobrevivência c reprodução. Nesse sentido, coloca-se à classe o caminho institucionalizado que ruma para a negociação. A greve, como mostrou 1953, é o recurso para avançar os limites impostos na negociação pelos patrões e burocratas do Estado e obter, assim, um salário próximo do real a fim de atender às necessidades mínimas dos trabalhadores. A junção desse caminho institucionalizado com a pressão da greve passa, no Brasil, pelo significado do aumento do custo de vida, cruel em uma economia com espiral inflacionaria. Os trabalhadores e, principalmente, os sindicalistas politizados vêem-se envolvidos assim: de um lado, com o problema do arrocho salarial e da reposição da perda salarial e, de outro, com a necessidade de compreender e explicitar o rápido e complexo processo econômico-inflacionário. São, portanto, levados a entrar num universo pautado por números, proporções, quantidades e avaliações que sofrem mutações permanentemente. Arma-se, dessa forma, uma estratégia racional, criando-se um Departamento de Estatística Intersindical, que possa se tornar um instrumento tão valioso quanto uma greve, tendo em vista pressionar patrões e burocratas do Estado nas negociações salariais. Assim, as greves poderiam se transformar em instrumentos de movimentação sócio-política dos trabalhadores, como nas economias mais avançadas, e não apenas instrumentos de reivindicações salariais;
– o grupo dirigente do PUI funciona como “intelectuais” no sentido gramsciano, como articuladores, portadores da consciência quando decidem e lutam pela implantação do DIEESE. A idéia nasceu de discussões em assembléias do PUI, mas muitos se consideram o “pai da idéia”. Enfim, são poucos homens – talvez não mais de meia dúzia – que entendem o significado de um órgão produtor de conhecimento para o movimento sindical e que se dispõem a implantar o projeto, arregimentando, convencendo e ampliando a base de apoio da instituição;
-o DIEESE foi pensado como um órgão que permitiria fugir do jogo às escuras, através do qual os trabalhadores conseguiriam se armar de argumentos contra a exploração salarial. Enfim, um órgão que desmascararia a manipulação e a realidade fetichizada. Neste sentido, para superar as contradições claro-escuro, desmascaramento-realidade fetichizada, o DIEESE nasceu, mantendo a ciência como fundamento. Só assim, poder-se-ia estabelecer um mediador científico e confiável;
– nas articulações e justificativas para a criação do DIEESE, fica visível que a informação pode vir a se constituir em poder – de negociação e de pressão. Contra a manipulação ideológica dos números, coloca-se a necessidade da veracidade e objetividade da informação, como contraponto à informação oficial e crítica ao sistema instituído.
A racionalidade aplicada: intelectuais e a viablizaçao de um órgão técnico sindical
Se por um lado a experiência do confronto, a nível sindical, dos trabalhadores com os patrões e com o Estado engendra uma incipiente concepção racional para aquele primeiro segmento, por outro, a presença de cientistas sociais engajados com a classe trabalhadora deverá acelerar o avanço desta em direção ao acesso do conhecimento científico, necessário para equacionar novamente o instável equilíbrio com a burguesia e com o Estado. Contra a visão parcial e utilitária dada pela manipulação de informações, os cientistas sociais deverão contribuir para viabilizar a possibilidade da apreensão mais abrangente, senão totalizante, da realidade vivida pela classe trabalhadora.
A associação de sociólogos e economistas com lideranças dos trabalhadores, no movimento sindical, através do DIEESE, deverá criar uma situação específica – diferente de associações partidárias ou produtivas – que apressará o aprendizado iniciado na sua prática de classe dominada, mas atuante e consciente.
Inicialmente, o DIEESE realizou sua primeira incursão no meio sindical sem a contribuição do cientista social; porém, esta experiência não se repetiu e sociólogos e economistas alocaram-se no Departamento Intersindical com eficiência.
Logo após a criação do DIEESE, Salvador Romano Losacco, então seu presidente, contratou um contador para implantar a pesquisa sobre o custo de vida em São Paulo. Aliás, Losacco, que tinha formação em contabilidade e vinha do Sindicato dos Bancários, neste primeiro momento, deu continuidade à tendência de considerar o contador como o profissional adequado para a função de calcular o índice do custo de vida. Isto traduz, também, a tendência de se criar e manter um órgão intersindical de atuação restrita. Contudo, como Losacco admite, foram desastrosas tanto a atuação como a pesquisa deste contador. Em seguida, ele foi demitido, permanecendo vago o cargo técnico no DIEESE. Além de problemas de ordem pessoal, o contador cometeu sérios erros metodológicos, conforme avaliação de José Albertino Rodrigues, sociólogo e primeiro Diretor Técnico do DIEESE: “Examinei o questionário elaborado por ele e imediatamente percebi deficiências…Mas também, neste questionário, havia duas falhas. Uma lamentável: não era listado o feijão. A outra não era assim tão importante: não incluía a manteiga. É um problema sério. Naquela altura, mais do que hoje, o feijão tem sua importância… A única maneira de corrigir seria voltar às famílias, mas já há alguns meses as famílias tinham preenchido o questionário e voltar a elas era, então, impossível”14.
Após a demissão do contador e um período de vacância, o cargo técnico no DIEESE começou a ser ocupado, consecutivamente, por sociólogos e economistas. A instituição intersindical passou a se fundamentar, a partir de então, no conhecimento científico da sua equipe técnica. Outros fatores externos à instituição aproximaram o DIEESE do conhecimento objetivo. O primeiro deles diz respeito a um antigo desejo, que desaparece em seguida, de pensar o DIEESE como uma instituição educacional, algo semelhante a uma Universidade do Trabalho.
Do ponto de vista de um projeto individual, Losacco depõe: “Eu tomei conhecimento na França, no exílio, da Universidade Popular de Paris… eu ouvia falar dela mas só fui conhecer em 65… mas 10 anos antes, em 1955, eu já falava na criação de uma Universidade Popular onde nós iríamos formar os quadros da classe trabalhadora. Essa Universidade teria uma série de institutos e um deles seria o DIEESE”15. Embora o DIEESE recebesse contatos – inclusive a nível latino-americano -para discutir aspectos vinculados a uma provável Universidade do Trabalho, o projeto de Losacco era individual16.
O outro fator externo relativo à aproximação entre o DIEESE e a ciência foi dado pelo interesse de intelectuais e cientistas sociais pela instituição. Na mesma época da criação do DIEESE, o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo, Aziz Simão, dedicava-se a estudar o movimento sindical. Em constante contato com lideranças sindicais, voltava sua atenção para o DIEESE através de sugestões de nomes de cientistas sociais para ocupar o cargo técnico da instituição e de produção de textos para publicação do Departamento. Poder-se-ia dizer que o professor Aziz Simão foi o primeiro elemento de ligação entre o DIEESE c a Universidade. Inclusive, no primeiro Estatuto do DIEESE, de 1956, alterado em 25 de setembro de 1979, constava um Conselho Técnico Consultivo como órgão do Departamento. Este Conselho tinha significado apenas formal, por isso acabou desaparecendo. Mas foi composto, mesmo que por pouco tempo, por Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes e Aziz Simão, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, entre outros.
A presença do Conselho Técnico Consultivo indicava a aproximação do DIEESE com “especialistas em Ciências Sociais de reconhecida capacidade para opinar sobre estudos e pesquisa”, conforme o primeiro estatuto.
À medida que se fortalecia a posição do cientista social no interior da instituição – e isto se fez rapidamente -, o conhecimento técnico aí gerado começou a ser suficiente para respaldar o Departamento.
A Seção de Estudos do DIEESE, que funciona sob a responsabilidade de um Diretor Técnico designado pela Diretoria, continua sempre coordenada por sociólogos e economistas, especialistas de reconhecida capacidade técnica.
Desde os primeiros estatutos até nos atuais, definem-se como órgãos do DIEESE, a Assembléia Geral, a Diretoria e o Conselho Fiscal, as Representações Regionais (apenas nos Estatutos de 1979) e os Escritórios Regionais. Além desses órgãos, o DIEESE conta com uma Seção de Estudos, o que o particulariza, sob a coordenação de um Diretor Técnico. Esta separação de funções do quadro dirigente e do quadro técnico garantirá o desempenho técnico e científico do órgão, inclusive porque os técnicos serão recrutados em função da excelência do seu conhecimento. Veja-se como o capítulo VIII dos Estatutos, Da Seção de Estudos, permite validar as formulações anteriores: “Art. 30 – O departamento contará com uma Seção de Estudos, para a realização dos estudos e pesquisas, a serem desenvolvidos conforme preceitua o Art. primeiro desses Estatutos. Art. 31 – A Seção de Estudos deverá ser constituída por especialistas de reconhecida capacidade técnica que serão contratados para a prestação de serviços regulares (…) Art. 32 – A Seção de Estudos funcionará sob a responsabilidade de um Diretor Técnico, designado pela Diretoria, que deverá orientar trabalhos técnicos de acordo com a mesma, devendo participar de todas as suas reuniões ordinárias (…)” (Estatutos de 1979).
Ao discutir a perspectiva da aplicação do conhecimento científico da realidade social, Florestan Fernandes apresenta uma formulação sintética que torna-se relevante para situar urna instituição como o DIEESE. Criticando as técnicas tradicionais de manipulação dos problemas sociais conclui que “essa é uma tarefa ‘prática’ que naturalmente cabe às ciências sociais. A elas compete descobrir os conhecimentos que permitem encarar, cientificamente, os problemas sociais e construir as técnicas racionais para sua manipulação e tratamento prático. Em suma, fornecer conhecimento e meios científicos de tratamento dos problemas sociais é uma das funções das ciências sociais no mundo moderno. Os problemas sociais alcançaram tamanha complexidade, que os homens só podem tomar consciência do modo pelo qual eles se manifestam e dos efeitos persistentes deles no plano da vida social organizada através do conhecimento científico”17.
Com efeito, na sua prática de gerar informações para auxiliar e situar a classe trabalhadora no conjunto das relações sociais e econômicas no país, o DIEESE conta com um grupo de cientistas sociais, que se caracterizam como um tipo de intelectual.
No Brasil, a tradição de pessoas com conhecimento associarem-se à administração do Estado é bastante antiga e forte, sendo que os exemplos podem vir desde a fundação do Seminário de Olinda até a criação da Universidade de São Paulo. Homens de saber, como Azeredo Coutinho, Oliveira Vianna, passando pelos participantes do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, até vários intelectuais contemporâneos, são cooptados pelo Governo. A presença das ciências no Estado, dando legitimidade a governos, vem de encontro à necessidade de decisões objetivas por parte da burocracia estatal, bem como tende a substituir tecnicamente a vontade popular no aparelho de Estado. As decisões políticas (planos, projetos etc.) ganham a aparência de consenso por estarem endossadas pelo conhecimento.
Diferentemente, o DIEESE faz parte de uma tendência das ciências que beneficia as práticas institucionais das classes subalternas. Assim, o contraponto à tecnocracia é engendrado pelo grupo de intelectuais que se alojarn em uma organização trabalhadora, colocando a nu o conflito entre a decisão tecnocrática (governamental e patronal) e a proposta técnica sindical.
Ao se fazer tais colocações, é pertinente lembrar que a ciência social engendra uma atividade humana específica, onde sujeito investigador e objeto estudado estão irremediavelmente ligados. A atividade científica deve ser tomada como “atividade humana, com sentido histórico. Assim, a ciência não é apenas uma forma evoluída de consciência como também é um modo de atuação concreta. Conhecer é sempre atuar, não somente porque conhecer é, em si, uma atividade que modifica o objeto, como também porque o conhecimento, assim que é formulado, passa a fazer parte do objeto, que é um ser social coletivo ou da coletividade… Esta interpretação do conhecimento nas ciências sociais nega pela raiz a possibilidade de uma ‘neutralidade ética’ do cientista, como quer a doutrina liberal ou o positivismo… À ‘ luz deste entendimento, o técnico não pode formular a sua atividade como um sistema de ações exteriores e independentes do objeto…”18.
Ao analisar a produção sociológica brasileira dos anos 1945-1974, Octavio Ianni classifica dois tipos de produção intelectual: a sociologia crítica e a sociologia técnica. Engloba nesta segunda “as várias modalidades de trabalho sociológico nas quais a descrição e a interpretação tomam os fatos como coisas, numa perspectiva deliberadamente externa “enquanto que a sociologia crítica por sua vez, “aborda os fenômenos em termos de relações, processos, qualidades, significações, configurações históricas, estruturas internas e externas. Não se restringe aos fatos sociológicos, mas sim aos fatos significativos, sejam eles sociais, econômicos, políticos ou culturais que se revelam nas relações, processos e estruturas que caracterizam o problema em estudo”19 Ao se considerar os produtos do DIEESE, conforme esta distinção de Ianni, pode-se perceber que estes dois tipos de produção intelectual perpassam a instituição. De um lado, o conhecimento social gerado pelo DIEESE possui o aspecto técnico, vinculado à concepção original do Departamento, ou seja, elaborar os índices de custos de vida para o movimento sindical. Neste sentido operacional e utilitário, necessário ao desempenho de suas atividades, o DIEESE, e portanto seus cientistas, desenvolve pesquisa sobre vários temas ligados aos trabalhadores, assessora sindicatos, cria núcleos educacionais, participa de seminários, congressos, etc. Por outro lado, sua produção possui também o aspecto crítico, que nasce do rigor metodológico dos seus trabalhos, da criação e aprimoramento de técnicas e metodologias e, fundamentalmente, da análise a respeito da situação real da classe trabalhadora. Verifica-se, desta forma, uma mescla dos aspectos técnicos com os críticos, que se expressam em função de conjunturas diferentes e que nascem de diferentes exigências solicitadas à instituição. Assim, se de um lado reitera a tendência da racionalidade capitalista, alimentando o espírito corporativista nascido dos sindicatos, e que deságua na negociação, de outro, o DIEESE rompe com a lógica do mercado e realça os vínculos de exploração nele existentes.
A contemporaneidade entre trabalho, capital e Estado
Nos países de economia desenvolvida, a definição dos níveis salariais é dada pelas relações que se estabelecem no mercado de trabalho, formado e ajustado gradativamente a partir da industrialização. O surgimento do socialismo e o desenvolvimento da classe operária permitiram avanços no interior do sistema capitalista, que resultaram não só no aprimoramento do regime democrático e conquista da cidadania, mas também na criação de mecanismos – estruturados a partir da luta pela redução da jornada de trabalho e aumento salarial – que regulam a negociação salarial. Essas sociedades desenvolvidas experimentaram um processo jurídico-político sensível às pressões dos trabalhadores e compatível com uma acumulação de capital que impõe limites na exploração da força de trabalho. Os trabalhadores, neste caso, deslocam gradativamente a luta sindical com objetivos salariais, para lutas que envolvem melhoria das condições de trabalho, reconhecimento de sindicato e ampliação e conquista de novos direitos sociais.
A economia brasileira engendra uma sociedade que desconhece mecanismos de mercado de trabalho que possam ditar os níveis salariais. Alguns aspectos particularizam e tornam dramática a questão salarial do trabalhador brasileiro. Primeiro, ao invés de se terem mecanismos gerados pela luta operária, interrompida várias vezes pelos ciclos econômicos e políticos, os trabalhadores tem, no Estado, controlador da criação e atuação dos sindicatos, o centro regulador da negociação salarial. A legislação trabalhista, que gerencia a relação capital-trabalho, transfere para a Justiça do Trabalho as disputas referentes às questões do trabalho. O segundo aspecto refere-se à insensibilidade do Estado com relação à classe trabalhadora. Paradoxalmente, embora fale em nome do trabalho, o Estado no Brasil quando age em nome dos trabalhadores é para evitar sua participação a níveis de decisão, reduzir seu espaço político e arrochar seus meios de sobrevivência econômica. O terceiro aspecto refere-se ao vendaval inflacionário que afeta a economia brasileira, generalizando o aumento do custo de vida, criando um descompasso constante entre o salário nominal e o real. O processo inflacionário aguça a diferença entre salário nominal e real, joga ciclicamente o trabalhador a níveis de subsistência e não permite negociação salarial nem a médio, nem a longo prazos20.
Ao se considerar o conjunto do sindicalismo brasileiro, o D1EESE emerge corno parte da estratégia sindical, arranhando os limites impostos pelo sindicalismo oficial. O Departamento, por ser intersindical, representa a resposta do sindicalismo crítico à proibição da união dos interesses dos trabalhadores, organizada a partir de baixo. Desta forma, surge como necessidade de integração dos sindicatos para enfrentar novos temas e fatos que emergem na relação trabalhador-sociedade. Fruto da luta sindical, o DIEESE é a expressão da formulação de uma nova ação necessária aos trabalhadores assalariados e possibilidade concretizada dos próprios sindicatos se constituírem em associações voluntárias, criando e gerindo suas ações face aos patrões e ao Estado. O Departamento Intersindical cria, enfim, um determinado espaço autonômo no interior de um setor controlado pelo Estado e, conseqüentemente, pelos patrões.
Se há, de um lado, uma relação entre a complexidade da luta e da estrutura interna dos sindicatos e o DIEESE, por outro, existe também uma contemporaneidade entre a modernização e a sofisticação da sociedade e dos sindicatos. A sociedade no seu conjunto organiza-se, moderniza-se e tende à racionalidade crescente. O DIEESE configura-se assim no locus onde se manifesta, a nível sindical, o que acontece em outros níveis da sociedade que gozam de menor controle estatal. É o locus que sintetiza uma necessidade e experiência de aprendizado.
Alguns fatores podem ser destacados na análise da racionalização, por parte dos sindicatos, permitindo entender melhor porque os sindicatos são levados a lançar mão do conhecimento técnico-científico. O primeiro e fundamental aspecto vincula-se à maneira peculiar do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Diferentemente do transcurso clássico do capitalismo, aqui o crescimento do setor industrial se dá em ligação direta com o setor agrário-exportador. No desenvolvimento das economias de tipo colonial, diminui-se a importância relativa das atividades agrárias exportadoras em benefício das atividades de transformação. Embora não alcançando com a sua produção o mesmo valor do setor agrário-exportador, a indústria torna-se o núcleo dinâmico da nova economia. Contudo, o setor industrial cresce através de surtos descontínuos, em grande parte decorrentes do processo capitalista internacional. Assim, de um lado, mantém-se significativamente no país a presença da força agro-exportadora, e, de outro, é afetada substancialmente a constituição da burguesia e do proletariado. Ou, como coloca Florestan Fernandes, verifica-se no país a revolução burguesa em atraso – as revoluções burguesas retardatárias. A burguesia brasileira realiza, assim, um movimento histórico, segundo Florestan, que é contra-revolucionário à medida que, desenvolvendo-se em cima da importância do setor agrário-exportador, tendo como referência um horizonte cultural oligárquico, não realiza plenamente nem a revolução industrial, nem a democrática.
Acompanhando o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a burguesia avança descontinuamente, vivendo mudanças que levaram, “gradualmente, nas últimas quatro décadas, a uma nova filosofia política e a ações de classe que puseram em primeiro plano o privilegiamento da situação de interesses da burguesia como um todo. Ela serviu, pois, de fundamento para uma solidariedade de classes que deixou de ser ‘democrática’ ou, mesmo, ‘autoritária’, para tornar-se abertamente ‘totalitária’ e contra-revolucionária…”21. Desta forma, o modus operandi do capitalismo no Brasil, em torno de uma burguesia que não se constitui em paladina da civilização ou defensora da democracia, pressupõe uma selvageria expressa pela expoliação e excesso do lucro, assim como uma aliança do capital com o Estado, que se articulam para o uso do trabalho – onde o último se fortalece em detrimento do primeiro. Como conseqüência, a ingerência do Estado é total nas relações capital-trabalho e a articulação capital-Estado desequilibra a relação empresários-trabalhadores, tornando possível não só a redução do espaço dos trabalhadores, como também a manipulação de informações e, principalmente, o arrocho salarial.
O outro fator da racionalização sindical e da utilização do conhecimento técnico-científico, na luta contra patrões e governos, refere-se à experiência da própria classe trabalhadora, que desenvolve atividades de classe subalterna, a partir da ordem burguesa. Neste caso, a atuação de setores de ponta do proletariado ganha significação, como por exemplo e, paradoxalmente, os sindicatos. Esta ponta atuante dos trabalhadores, em contato permanente com patrões e Estado, constata a existência de uma lacuna que deve ser preenchida para o sucesso do confronto de classes. Ou seja, os sindicalistas tomam consciência de que não possuem os instrumentos racionais modernos (dados estatísticos, avaliações é, etc.) que já existem a nível do Estado (Prefeitura Municipal e suas pesquisas, Departamento de Estatística, a nível estadual, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a nível federal) e dos empresários (CIESP/FIESP). Aliás, é conveniente frisar que os industriais paulistas criaram, em março de 1928, o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, que se transformou, a partir de 1931 – com o decreto governamental que permitiu a sindicalização das classes patronais e operárias – em Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Após a Primeira Guerra -Mundial, a luta dos industriais, na defesa de seus interesses, já estava relacionada com as entidades de classe e não mais canalizada por grandes nomes22. Em 1904, foi fundado no Rio de Janeiro o Centro Industrial do Brasil e, no transcorrer da década de 20, os patrões aumentaram o número de suas organizações por setor, para fazer face aos operários em greve, defender a produção do setor23 e representar os empresários perante o poder público.
A representação dos patrões industriais, já na década de 20, mostrava como este setor era atingido por padrões de racionalidade, senão antes, simultaneamente com o Estado.
Neste sentido, o desenvolvimento da sociedade e a experiência dos trabalhadores conduziram à necessidade destes atingirem o mesmo grau de contemporaneidade que os patrões e o Estado. A crescente racionalização e organização horizontal dos sindicatos patronais e do aparelho do Estado exigia como resposta dos trabalhadores a racionalização das suas lutas, novo ordenamento para se defrontarem com a nova ordem burguesa.
Tradicionalmente, o Estado no Brasil caracteriza-se pela força centralizadora que favorece um alto grau de separação nas relações entre Estado e sociedade civil. Acrescente-se a isto a sua vocação de guardião, moderador e árbitro da sociedade, que vem desde o Império. O Estado Novo deixou claro este caráter centralizador e monolítico, que continuou existindo nas décadas seguintes.’ Ele criava, assim, instrumentos inovadores para equacionar a problemática econômico-social do país, realizava reformas político-administrativas e trabalhistas que acabaram propiciando, entre outros aspectos, o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle e a implantação de mecanismos para supervisão das diferentes esferas da vida social. Reestruturaram-se o aparelho e o poder de Estado, ao mesmo tempo em que remodelaram-se os diferentes setores da sociedade. Mesmo com o declínio e fim do Estado Novo, esta modernidade e lógica racional por ele implantadas continuaram presentes nos governos seguintes.
Ao analisar o desbloqueio da arte de governar, à medida que o governo pôde isolar os problemas específicos da população desenvolvendo a ciência do governo, Michel Foucault coloca que a estatística, que “no mercantilismo não havia mais podido funcionar a não ser no interior e em benefício de uma administração monárquica que também funcionava nos moldes da soberania, tornar-se-á o principal fator técnico, ou um dos principais fatores técnicos, deste desbloqueio da arte de governar”24. Contudo, se a estatística permite a governabilidade, ela não apenas pode também se tornar um instrumento de interesses para induzir ao falseamento da realidade, mas permite a expressão de interesses divergentes no interior da sociedade.
Nos esquemas de racionalização do Estado estão presentes várias inovações sócio-políticas recentes, entre as quais inclui-se “a tendência – também observada em muitas outras áreas da política – de ‘cientifizar’ a política social, de fazer participar decisivamente especialistas científicos no desenvolvimento e na avaliação de programas políticos… “25, motivada pela necessidade de conciliar reivindicações institucionalizadas, reduzir a carga do sistema de decisões e evitar a possibilidade de aparecimento de conceitos contrários.
Desta forma, “o desenvolvimento econômico do Brasil faz-se com a incorporação crescente do pensamento científico relativo aos processos econômicos. A economia política tem sido uma técnica importante na formulação da política econômica do governo, e se torna relevante também nas atividades empresariais do setor privado (…) O dirigismo estatal no Brasil orienta-se em duas direções principais (…) De um lado, a atuação do Estado visa defender ou preservar o fluxo de renda em setores determinados da economia nacional (…) Por outro lado, no entanto, a atuação estatal tem por obejtivo dinamizar as atividades produtivas, incidindo sobre os setores em funcionamento ou criando novos”26.
Como decorrência da estrutura montada pela CLT, a negociação pelo reajuste salarial passou a ser coordenada pelo Estado que fornecia os limites do reajuste salarial dos trabalhadores assalariados, tomando por base dados estatísticos proporcionados por órgãos estatais. A intervenção do Estado em tal nível da vida operária e a inflexibilidade dos patrões em se sensibilizarem com as necessidades dos trabalhadores são elementos condicionadores para a criação de um órgão do trabalho que fizesse frente a este Leviatã verde-amarelo. Paradoxalmente, da estrutura sindical montada pelo Estado nasce uma organização autônoma dos trabalhadores, que deverá produzir uma linguagem equivalente àquela produzida pelo Estado quando vem interferir na negociação pelo reajuste salarial. Se para o funcionário público da Justiça do Trabalho, que tem o poder final de dar a quantidade de pão diário ao trabalhador, só tem importância o que está escrito, torna-se, então necessário produzir e apresentar também uma constatação escrita que mostre o fato objetivamente. Cálculo contra cálculo, racionalidade contra racionalidade.
Em um sentido específico, o caráter técnico-científico do DIEESE traduz-se no uso da estatística como método para classificar, de maneira mais homogênea possível, a diversidade do real manifestada em dados e como lógica que garanta o raciocínio e cálculos realizados a partir das ciências humanas. No interior de um sistema de troca de informações, onde estas possuem a particularidade de convencimento e uso legítimo de comprovação, o DIEESE utilizará as estatísticas como parte da matemática aplicada a fim de obter conclusões dos fenômenos observados, na área do trabalho. Para criar uma estrutura de confronto para os sindicalistas, contra a estrutura do capital, nucleada pelo Estado, o DIEESE deve elaborar seqüências de dados e alternativas de cálculos ou de números contestatórios.
O empresariado brasileiro, mesmo contando com a tradição do esforço de cientistas de diferentes áreas sob seu comando, mesmo subsidiado por um Estado que se utiliza de inovações racionais para manutenção do poder, foi incapaz de criar bases que permitissem equilibrar, institucionalmente, as relações capital-trabalho. Na ausência dos ideais burgueses clássicos, a burguesia conta com um Estado que cria uma base técnica autoritária para ordenar a sociedade. Frente a esta particular manifestação histórica, os sindicalistas combativos têm necessidade também de um Departamento técnico para atingir o próprio sistema, como ele foi armado. A criatura contra o criador.
Funcionamento e estrutura interna do departamento intersindical
Atravessando várias crises de ordem financeira, às vezes de ordem sindical e até política, o DIEESE consolidou-se como um produtor de dados insuspeito e independente do Estado e do capital, voltado fundamentalmente para o movimento sindical, mas apropriado também pela sociedade.
Nascido do movimento sindical e dele expressão, o DIEESE, hoje, continua a ter sua grande base na tradição técnico-científica, tendo em vista atender ao sindicalista, ao trabalhador e, inclusive, ao cidadão brasileiro. Esta base é voltada, de forma efetiva, à classe trabalhadora, traduzida conjunturalmente tanto pelo segmento sindical, como por outros conjuntos de trabalhadores.
Apoiado nesta base comum, o Departamento constrói duas linhas ou ramos organizacionais e inter-relacionados, onde se desenvolvem as atuais atividades da instituição.
Um dos ramos da organização intersindical possui sua natureza originada na prestação de serviços ao movimento sindical, através do uso ou intermediação das metodologias e técnicas científicas.
O DIEESE possui, assim, uma estrutura montada que permite o cálculo e o acompanhamento dos índices de custo de vida, a realização de pesquisa sobre orçamento familiar, condições de vida, mercado de trabalho, automação e outras mais. Neste sentido, o DIEESE tanto avança teórica e metodologicamente, acumulando conhecimento e inovando cientificamente, quanto faz retornar ao movimento sindical os resultados obtidos. A aplicação do conhecimento técnico à realidade, conforme esta dinâmica, e o fornecimento de elementos para a transformação da sociedade imprimem ao DIEESE o caráter de uma “universidade engajada”, como algumas vezes foi chamado.
Este caráter está constantemente presente, como recuperação do original espírito da Universidade do Trabalho, que acompanha o DIEESE desde a sua fundação.
O outro ramo do DIEESE, nascido das contingências verificadas a partir do início da década de 80, possui sua natureza originada também na prestação de serviços ao movimento sindical, quando se fazem necessárias a ampliação nacional da instituição e o aprofundamento da assessoria aos sindicatos. Cria-se, assim, no Departamento, uma estrutura para permitir o atendimento a particularidades sindicais através das subseções situadas em diferentes sindicatos. Crescendo o movimento sindical, o DIEESE acompanha-o inclusive na criação de escritórios regionais, que são subseções avançadas e devem atender aos pólos sindicais de algumas regiões do país. Para que estes escritórios regionais funcionem como tal, é necessário que realizem o levantamento do custo da ração mínima para o cálculo do índice do custo de vida, divulguem boletins, etc. Assim, estes escritórios tendem a reproduzir, a nível local, o mecanismo instaurado pelo DIEESE e sedidado em São Paulo.
Esta estrutura organizacional conquistada, eficiente no atendimento ao movimento sindical e à sociedade, coloca, por sua vez, novos problemas ao Departamento e aguça os já existentes.
A garantia de uma direção independente das demais organizações sindicais facilita o assessoramento e o atendimento às mais variadas tendências ou agrupamentos sindicais, assim como possibilita a emergência de uma organização capaz de agir em nome da unidade sindical, colocando-se acima dos conflitos existentes no movimento sindical. Contudo, tais características geram pontos de desgaste, à medida que algumas facções sindicais, ao exigirem do DIEESE uma posição de quebra de sua neutralidade, afastam-se temporariamente da instituição porque nela não identificam os seus objetivos imediatos de luta. A relação entre os quadros sindicais e intelectuais do DIEESE imprimi-lhes especificidade, particularizando-o como uma instituição sui-generis.
Os membros do quadro sindical que dirige o Departamento têm origem na classe trabalhadora, sendo sindicalistas atuantes que galgaram posições de lideranças no movimento sindical e possuem experiência no processo de trabalho em unidades de produção e no corporativismo da estrutura sindical oficial. Portanto, o acesso à direção do DIEESE é determinada pela condição de trabalhador e pela militância na burocracia sindical.
Por sua vez, os componentes do quadro técnico do DIEESE são recrutados entre os intelectuais, habitualmente cientistas sociais da área acadêmica. O acesso destes cientistas ao quadro técnico está vinculado ao poder originado pelo saber, isto é, à capacidade de gerar conhecimento ou informação. Estes intelectuais, principalmente os que compõem a direção técnica, por terem a vivência de uma experiência política no interior de movimentos de esquerda, assumem, pois, uma posição de classe, colocando o poder de gerar conhecimento à disposição do movimento sindical e da classe trabalhadora.
Enquanto para os participantes do quadro dirigente sindical, a concepção de trabalhador é tomada no seu aspecto corporativo, para os componentes do quadro técnico o trabalhador é concebido como o homem no uso de sua força de trabalho. As duas concepções evidenciam a relação de exploração do trabalho, a primeira restringindo a compreensão da situação e a segunda ampliando-a. Se o dirigente sindicalista apreende a relação capital-trabalho a partir do avanço possível do movimento sindical, o técnico detecta esta mesma relação a partir de uma formação teórica associada a um projeto sócio-político para a classe e para a sociedade, dado pela prática política.
Essa organização composta por indivíduos de diferentes formações, interesses e perspectivas imprime ao DIEESE uma permanente tensão, levando os seus dois segmentos procurarem a manutenção de um equilíbrio. Neste caso, ganha significado a sensibilidade política individual no cumprimento de um pacto sutil. O DIEESE aparece como local de atuação de lideranças representativas que, destacadas pela instituição, ganham relativa autonomia, aparecendo como interlocutores individualizadas dos trabalhadores. Veja-se, neste sentido, o papel que desempenham os presidentes e, principalmente, os diretores técnicos do Departamento.
O quadro técnico, articulado por um diretor designado anualmente pela Diretoria Sindical, representa o elemento de continuidade do DIEESE. Tal característica decorre da formação teórica dos seus componentes e do uso da técnica para produção de dados e informações, imprimindo o aspecto universal à instituição. Observe-se que durante toda a sua existência, até os dias atuais, o DIEESE possuiu apenas quatro diretores técnicos: José Albertino Rodrigues, Lenina Pomeranz, Heloisa Helena de Souza Martins e Walter Barelli.
Desse modo, o Departamento tem garantido o seu funcionamento, independentemente das mudanças de diretorias sindicais ou das facções hegemônicas que se sucedem no interior do movimento sindical.
Por sua vez, o quadro sindical dirigente, eleito a cada três anos com revezamento anual de 1/3 de sua composição, permite a permanente adequação do DIEESE às diferentes conjunturas. Esse quadro, principalmente o presidente, funciona como elemento que atualiza regularmente a instituição às novas épocas do movimento sindical e aos específicos períodos da política brasileira. Desde a sua criação até os dias que correm, o DIEESE foi presidido por doze sindicalistas: Salvador Romano Losacco, Remo Forli, Rubens Vasconcellos, Antonio Navas Martins, Joaquim dos Santos Andrade, Lázaro Augusto da Cruz, Alberto Marcelo Gatto, Orlando Malvezi, Alci P. Nogueira, Augusto Lopes, Hugo Roberto Perez e Joel de Oliveria. Alguns deles foram reeleitos para a presidência do Departamento.
Os dirigentes sindicais do DIEESE são recrutados entre três tipos de lideranças: as oficiais, burocráticas, geralmente afastadas das bases sindicais; lideranças de esquerda, normalmente ligadas à corrente comunista; lideranças emergentes, nascidas de conjunturas específicas, portadoras de uma visão democrática e, de forma geral, vinculadas às bases sindicais. Ocorre que o DIEESE aparece como um local onde estes diferentes tipos de lideranças convivem em nome da união sindical.
Os presidentes do DIEESE articulam as diversidades internas assim como atualizam a instituição às diversidades externas. Assim, o seu primeiro presidente, Salvador Romano Losacco, foi o articulador inicial para obter apoio à criação do DIEESE, tarefa possível por ser, na época, o presidente do Pacto de Unidade Intersindical e uma das lideranças da combativa categoria dos bancários. Quanto a Remo Forli, presidente do Sindicato dos Metalúrgico de São Paulo, colocou à disposição do DIEESE,a estrutura de uma das mais avançadas categorias sindicais do país e que se expandia rapidamente. Antonio Navas Martins, expressando o sindicalismo oficial após o golpe de 1964,
garantiu a reorganização da instituição, evitando graves conseqüências advindas da repressão militar. Joaquim dos Santos Andrade, na época um sindicalista com estatura de homem público, reconhecido politicamente, possibilitou ao DIEESE a passagem pelo período de repressão e permitiu o desafogo interno, facilitando o crescimento técnico da instituição. Lázaro Augusto da Cruz, sindicalista ágil e de fácil trânsito, levou ao DIEESE o peso da Federação dos Metalúrgicos, o que garantiu a aproximação com os núcleos dinâmicos sindicais da época, mobilizando os recursos necessários para o crescimento organizacional e técnico do Departamento. Alberto Marcelo Gatto, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos, reaproximou os comunistas da instituição, mas afastou algumas federações de forte cunho situacionista. Logrou montar um esquema de articulação política contra as pressões do Estado sobre o DIEESE (o então Ministro do Trabalho Julio Barata, não conseguindo fechar o DIEESE como desejava, ordenou aos Delegados Regionais que desaprovassem a contabilidade dos sindicatos que lançassem contribuição ao Departamento). Orlando Malvezi foi eleito deliberadamente, através de uma articulação dos metalúrgicos de São Paulo, por ser membro da diretoria nacional da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido do governo, como tática para evitar as crescentes pressões contra a instituição e os ataques contra os técnicos – os associados reuniam-se assim em torno da necessidade da sobrevivência da instituição. Malvezi facilitou a criação de condições para reconstruir o DIEESE, reformando o sistema de contribuição dos membros associados e dinamizando o Departamento. Alei Nogueira, presidente da Federação dos Químicos de São Paulo, com fácil trânsito pelos diferentes grupos sindicais, fortaleceu a diretoria sindical no seu conjunto, atraiu novamente as federações e implantou a fase de expansão nacional do Departamento. Augusto Lopes, também da Federação dos Químicos, dá continuidade à expansão nacional. Hugo Peres dinamizou as atividades técnicas e científicas, enfatizou a recuperação da unidade intersindical e garantiu o espaço necessário para o Departamento polemizar com as fontes de governo. Com o avanço sindical e a conseqüente divisão do movimento, fundamentada na criação de várias centrais, Joel Alves, atual presidente do DIEESE, mesmo defendendo a criação de uma única central sindical no país, representa o equilíbrio e o compromisso face à CUT e à CGT.
O quadro-técnico dirigente também funciona como elemento inovador do DIEESE, mas principalmente através do avanço técnico-científico. A avaliação sócio-econômica pelos técnicos aponta tendências no movimento sindical e suscita recomendações sobre os rumos da instituição. Convém destacar que o quadro técnico tem atuado com independência, fixando os critérios técnico-científicos que orientam os trabalhos, conforme os recursos disponíveis.
Considerando esta estrutura interna, é possível dizer que o DIEESE é simultaneamente um órgão intersindical de trabalhadores e de pesquisa da classe. Se a instituição foi criada funcionalmente como um departamento de natureza sindical, a presença de cientistas sociais ganha relevância, engendrando um horizonte científico e político específico para a classe trabalhadora. Complementam-se sindicalismo e ciência, mas também tensionam-se corporativismo e classe social.
O que garante a existência e o funcionamento da instituição é o delicado equilíbrio entre os dois segmentos internos do Departamento, o que implica um duplo esforço dos seus técnicos: não se deixarem envolver nem por projetos político-partidários, nem por confrontos de facções sindicais.
A garantia da realização da unidade intersindical, e até da unidade interna, é dada pela dimensão técnico-científica, que equivale a um poder moderador, por supor uma lógica objetiva e contínua, obedecido e legitimado porque nasce do conhecimento científico em benefício dos trabalhadores em geral.
Enquanto o recrutamento do quadro sindical dirigente nasce do próprio movimento sindical, através de arranjos para a sucessão, o recrutamento do quadro técnico nasce do aprendizado interno na instituição e de regras aí estabelecidas. Neste sentido, reafirma-se a autonomia do quadro técnico com relação ao quadro sindical. Os seguintes itens regulam o recrutamento do quadro técnico: exigência de capacitação teórica; identificação com um projeto que considere a defesa e o avanço dos trabalhadores; e a proximidade com posição política crítica ou de esquerda. Articula-se, a nível institucional, um grupo que mantém e reproduz um espírito coletivo voltado para a causa do trabalhador, que enfatiza idéias como “dedicação”, “contribuição à causa”, “vestir a camisa”, etc. Este espírito conduz os técnicos a viverem dois tipos de dilemas. O primeiro pode ser dado ou pelo encontro da posição de esquerda dos técnicos com as facções sindicais mais conservadoras, que tendem a impedir o avanço do aspecto político do DIEESE, ou pelo encontro com as facções sindicais radicais de esquerda, que tendem a atrair alguns técnicos em direção à sua proposta específica. O segundo é dado pelas dificuldades financeiras, permanentes na instituição, que tendem tanto a expulsar os técnicos para outras áreas -geralmente áreas afins – quanto a reduzir a aceitação dos sacrifícios impostos pela parca remuneração, atrasos salariais e até excesso de trabalho. À medida que o Departamento cresce, aumentando o quadro técnico e o pessoal administrativo, também este problema amplia-se até tornar-se crucial, colocando em risco o funcionamento da instituição.
Do ponto de vista organizacional, o fato de a direção técnica, teórica e politicamente informada assumir a diretriz permitida ou possível pelo sindicalismo e simultaneamente transgredi-la, imprime uma tensão ao DIEESE, resultando em duas conseqüências. Da perspectiva da direção sindical, o DIEESE é um exercício de trabalhadores comandarem intelectuais. Deve-se considerar que os diretores do DIEESE, principalmente presidentes, são pessoas que estão em pleno processo de ascensão burocrático-sindical ou até política. Dependendo do sentido deste processo, a tarefa de comando poderá ou não ser facilitada.
Uma outra conseqüência, agora da perspectiva da direção técnica ou do quadro técnico, refere-se à aceitação do comando sindicalista e à adequação das suas práticas aos objetivos do movimento sindical. Tanto é valorizado o fato de serem dirigidos por sindicalistas, com eles estabelecendo uma relação contratual de trabalho, quanto estão conscientes de que executam tarefas que tendem a atravessar os limites sindicais.
Desta forma, o sindicalismo impõe limites à vocação e à prática científica dos técnicos do DIEESE. Por outro lado, a busca pela direção técnica de formulações mais abrangentes amplia as possibilidades do sindicalismo.
Da dimensão técnica à dimensão política
Embora tenha sido criado para fornecer dados e informações técnicas para o movimento sindical, o DIEESE nasce em uma conjuntura política de avanço do processo democrático, onde se verifica também a convivência do sindicalismo corporativo com o fortalecimento de oposições sindiciais não subservientes ao governo. Tais aspectos, convergindo na tomada de consciência da manipulação dos dados oficiais e da busca da unidade sindical, imprimem ao Departamento, já na sua origem, uma dimensão política que se amplia gradativamente e ganha destaque em certos períodos da sua história.
Torna-se, assim, uma organização apta a atender às necessidades técnicas do sindicalismo, ao mesmo tempo que ganha capacidade de desvendar determinados aspectos da realidade e de esclarecer as relações formais que se estabelecem entre capital e trabalho, em decorrência do tipo de desenvolvimento do capitalismo no país. O sindicalismo engendra uma instituição que, ao invés de reafirmar o seu caráter corporativista, transveste-se em uma organização moderna da classe trabalhadora. Uma vez estabelecidas as condições para permitir a produção de conhecimento, o DIEESE consolida-se e tende a ampliar uma dimensão política abrangente, isto é, não partidária, não faccionai, que capacita os trabalhadores para embates com o governo e patrões, aguçando o grau de consciência e possibilitando realizar uma articulação intersindical. Expressa, portanto, um momento histórico do avanço e da resistência desta classe social.
Embora o Departamento não assuma – e até evite – uma posição política, a dimensão política é parte dele à medida que problematiza e questiona as relações jurídico-institucionais que envolvem o trabalho, constitui-se em um órgão que permite a unidade e, também, a proposição de alternativas aos trabalhadores.
Devido a esses aspectos, o DIEESE vê-se envolvido em um pardoxo: a instituição possui um caráter técnico que frisa a neutralidade e, simultaneamente, um caráter político. Conseqüentemente, os diretores do Departamento encontram-se, freqüentemente premidos entre a realização de tarefas de caráter técnico-científico – que conduz à análise das condições de produção e de vida dos trabalhadores – e a realização de tarefas exigidas pelo significado político ganho na história – que tende a conduzir a instituição desde a análise das relações de poder até à definição por uma tendência política. A dimensão técnico-científica do DIEESE é expressa plenamente, porém a sua dimensão política não totalmente, uma vez que não tem se definido por qualquer tendência ou corrente.
Ao se considerar estes aspectos, coloca-se a necessidade da diferenciação entre os espaços ocupados pelo DIEESE, pelas centrais sindicais e pelos partidos de trabalhadores.
O DIEESE expressa uma forma original de unidade de conhecimento e contestação. A legislação brasileira tanto impede a unidade sindical, quanto atrela o sindicalismo ao Estado. O Departamento traduz,, na sua origem, a quebra da burocracia sindical e representa, assim, uma instituição autônoma dos trabalhadores que se encaminham rumo à unidade sindical. Onde impera a unicidade sindical é criado um único organismo para o movimento sindical. Para conseguir manter-se como único organismo de unidade entre distintos sindicatos únicos e diversas facções sindicais, o DIEESE tanto deve reforçar o seu caráter de neutralidade, não em relação ao conjunto da sociedade, mas ao conjunto dos trabalhadores, quanto recuar no seu significado político. Independente do DIEESE conseguir agregar ou não a maioria dos grupos sindicais, importa a ele continuar oferecendo esta possibilidade.
Dessa forma, o Departamento diferencia-se das centrais sindicais e dos partidos políticos. Escudando-se no binômio ciência-trabalho, cria sua própria natureza e evita confrontos ideológicos e partidários, quando referentes à diversidade da classe trabalhadora. Nascendo do despertar da consciência operária de que só os trabalhadores poderiam promover o conhecimento de sua própria situação e fazendo avançar a luta dos sindicalistas, o DIEESE constitui-se em um canal aberto para informação, comprovação e denúncia, na unicidade e na diversidade. Ele é parte do conjunto de conquistas da classe trabalhadora e um organismo que deve ser entendido na complementaridade com outras associações de classe, mesmo que, por vezes, o Departamento as tangencie.
É comum ao DIEESE, às centrais sindicais e aos partidos de trabalhadores o fato de constituírem associações complexas de defesa dos interesses da classe trabalhadora. Porém, são as diferenças entre elas que delimitam claramente as suas particularidades. As centrais sindicais expressam o movimento sindical, ao se considerar a aglutinação da heterogeneidade política e ideológica. Elas dizem respeito ao encaminhamento da luta sindical, tendo por base perspectivas definidas por tendências programáticas políticas. Em função destas tendências, as centrais sindicais facilmente alinham-se a partidos políticos, mantendo adversidade sindical. Os partidos políticos, por sua vez, considerados como partidos formais dos trabalhadores, expressam a classe social em torno de um projeto que implique a transformação da sociedade, estabelecendo a luta que visa a obter o poder político.
Tratando-se das centrais sindicais e dos partidos políticos, o fundamento da ação deriva da consciência política voltada para a realização de um projeto após a vitória de confrontos.
Tratando-se do DIEESE, o objetivo é a produção de informações, estando voltado, portanto, para o alcance do saber, que permite apreender a realidade que envolve os trabalhadores. O Departamento Intersindical não se propõe a criar uma nova ordem – seja como proposta ou como projeto – e nem tornar-se um condutor ou criador de uma vontade coletiva. Em nome da objetividade técnico-científica e da unidade sindical, o DIEESE abdica atender exclusivamente a uma facção qualquer da classe ou alinhar-se a um programa político ou a mobilizar trabalhadores. Assume tanto os interesses imediatos de uma categoria sindical, que necessita de assessoria técnica, quanto os interesses da classe dos trabalhadores, genérica e amplamente concebida.
O DIEESE diferencia-se, portanto, de outros tipos de organizações sindicais e políticas dos trabalhadores, mas sem dúvida alguma constitui um momento na tendência que leva à criação destas associações, cada qual representando instantes significativos do avanço da classe trabalhadora.
Como se constitui em organismo que atende à diversidade, através da possibilidade da unidade, em certas circunstâncias o DIEESE pode funcionar, excepcionalmente, ou como uma central sindical ou como um temporário partido político. Por isso mesmo, também vê reduzido seu espaço de ação quando ressurgem organismos políticos dos trabalhadores e centrais sindicais.
Contudo, contra a perspectiva da restrição de suas ações, devido ao surgimento de outras associações sindicais e políticas, e para garantir o seu espaço, mesmo quando recua para não invadir os espaços circundantes, o DIEESE enfatiza a sua base composta pelo triângulo sindicalismo-ciência-classe trabalhadora. Esta base garante a existência de um órgão de informação com autonomia tanto face ao capital e ao Estado como face a grupos políticos dos trabalhadores, municiando qualquer associação -seja ela sindical ou política – na luta institucional.
Poder-se-ia dizer que, quebrando o monopólio da informação oficial, o DIEESE separa duas épocas do movimento operário. A primeira, de conteúdo dependente, é caracterizada pela fraqueza na negociação salarial devido à falta de argumento próprio, fragmentação na luta salarial devido à ausência de um denominador comum pertinente a todos os trabalhadores, posição desigual face ao capital e ao Estado no que concerne ao conhecimento da realidade e visão parcial da situação do trabalho no conjunto da sociedade brasileira.
Uma outra época, de conteúdo técnico-científico, é marcada pelo surgimento do DIEESE, à medida que este permite elevar o nível de organização dos trabalhadores em suas lutas. Esta época é caracterizada pela busca de racionalização e unidade na ação sindical, pela constituição de uma força geradora de informação para o confronto com o capital e o Estado, pelo aumento do conhecimento científico que eleva o grau de consciência da exploração da força de trabalho, e pela criação de um denominador comum para trabalhadores dispersos horizontalmente em diferentes categorias.
O DIEESE pode ser visto como uma insituição que tensiona os limites do tradeunismo ao permitir aos trabalhadores o acesso a uma visão técnica baseada nas ciências sociais, para contestar a lógica perversa da acumulação e reprodução do capital no país e denunciar os escusos objetivos da burocracia estatal.
O Departamento representou, na sua origem, a modernização sindical que passava pelo fortalecimento técnico-científico do movimento. Algo próximo ao modelo dos países desenvolvidos nucleado em um sindicalismo interessado em informações de ordem econômica para constituir uma força de pressão no instante da negociação. Contudo, o DIEESE diferencia-se deste modelo ao se tornar um órgão produtor de conhecimento intersindical único e relativamente autônomo em relação ao sindicalismo oficial.
A racionalidade apropriada pela classe trabalhadora, através do DIEESE, conserva todos os elementos constitutivos da racionalidade gerada pela sociedade abrangente. Porém, o Departamento inverte o sentido desta lógica ao entender e questionar a racionalidade do capital, substituindo-o por uma racionalidade do trabalho ainda que mantido na relação com o capital. Por criar capacidade de pressão, por fundamentar grupos para o confronto e por acenar com a possibilidade de unidade, o DIEESE representa um núcleo de poder da classe trabalhadora, fundamentado no sindicalismo e no conhecimento técnico-científico.
No mundo moderno das organizações complexas, os trabalhadores também criam organizações que ihes garantem uma forma específica de poder de pressão. No embate de racionalidade, contra os números que dominam e se impõem de cima para baixo, a organização dos trabalhadores também produzirá números e informações que podem ser aceitos e legitimados. O DIEESE emerge então como uma autoridade racional e técnica contra as relações econômicas e jurídicas instauradas. Poder e contrapoder. Informação e contra-informação.
Uma vez tornado legítimo e representativo, o DIEESE deixa de ser fonte de referencia apenas para o sindicalismo e para os trabalhadores em geral, ganhando significado e importância também para os vários níveis do poder institucionalizado que neles encontram os limites das suas argumentações. Sindicalistas, trabalhadores e cidadãos que exigem seus direitos alcançam um patamar de onde é possível o embate com o poder, o que permite estabelecer o confronto no interior do próprio sistema. Desloca-se, assim, o eixo da questão técnica para a questão política.
Miguel Wady Chaia é Professor do Departamento de Política da PUC-SP e editor da Revista São Paulo em Perspectiva da Fundação SEADE
* Para uma análise detalhada das questões tratadas neste artigo ver: CHAIA, M. W. Conhecimento e Organização Sindical, a Trajetôria do DIEESE» São Paulo, 3 988. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Fonte: SciELO – Brasil http://migre.me/ak0dF
Referências Bibliográficas:
1 CANÊDO, L.B. Bancários Movimento Sindical e Participação Política. Campinas, Ed. da UNICAMP, 1986, p. 94 (grifo nosso). [ Links ]
2 RODRIGUES, J.A. Sindicato e Desenvolvimento no Brasil. São Paulo, DIFEL, 1968, p. 161. [ Links ]
3 MARTINS, H.H.T. de S. O sindicato e a burocratização dos conflitos de trabalho no Brasil. São Paulo, 1975, p. 79. Dissertação de Mestrado, Departamento de Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia, Letras c Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. [ Links ]
4 MOISÉS, J.A. Greve de Massa e Crise Política (Estudos da Greve dos 300 mil em São Paulo 1953-54). São Paulo, Ed. Polis, 1978. [ Links ]
5 MOISÉS, J.A. op. cit., p. 70.
6 MOISÉS, J.A. op. cit., p. 81-82.
7 MOISÉS, J.A. op. cit., p. 147.
8 RODRIGUES, J.A. op. cit., p. 163.
9 Depoimento ao autor cm 19/11/1987.
10 Lenina Pomeranz, depoimento ao autor em 11/11/1987.
11 RODRIGUES, J.A. DIEESE: 30 anos. [ Links ] Artigo inédito (manuscrito).
12 RODRIGUES, J.A. – manuscrito inédito. Ver a respeito o artigo deste autor: Padrão de vida da população brasileira. Revista de Estudos Sócio-econômicos. São Paulo, DIEESE, ano 1, n. 3, 1961. [ Links ]
13 ÚLTIMA HORA. São Paulo, 12 ago. 1955. [ Links ]
14 JOSÉ ALBERTINO RODRIGUES, depoimento ao autor em 18/03/1988.
15 Depoimento ao autor em 04/11/1987.
16 Após a vitória de Jânio Quadros, Roberto Gusmão foi nomeado Delegado Regional do Trabalho em São Paulo e convidou o DIEESE para participar de um grupo de estudos, tendo em vista criar uma Universidade do Trabalho na área de Volta Redonda. Esta iniciativa do governo, independente do DIEESE, implicou na realização de um seminário em Belo Horizonte, que foi interrompido pela renúncia de. Jânio Quadros. José Albertino Rodrigues participou como convidado.
17 FERNANDES, F. Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada. São Paulo, Livraria Editora Pioneira, 1960, pp. 297-298. [ Links ]
18 IANNI, O. O Estado e Capitalismo. São Paulo, Civilização Brasileira, 1965. [ Links ]
19 LANNI, O. Sociologia e Sociedade no Brasil. São Paulo, Alfa-Omega, 1975, p. 77-79. [ Links ]
20 Ver a respeito da relação inflação-mercado de trabalho-salário as obras de Paul Singer c Francisco de Oliveira.
21 FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1976, p. 316. [ Links ]
22 Ver a este respeito: LEME, M.S.. A Ideologia dos Industriais Brasileiros (1919 – 1945) Petrópolis, Vozes, 1978, pp. 9-17. [ Links ]
23 No discurso pronunciado quando da criação da CIESP, Roberto Simonsen declara ao defender a indústria como fator de progresso: “constitui crime de lesa-pátria combater qualquer forma de produção do país, criando tropeços a seu desenvolvimento e procurando erguer leis perturbadoras do trabalho”, cf. LEME, M.S. loc. cit.
24 FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janiero, Graal, 1986, p. 288. [ Links ]
25 OFFE, C. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro, 1984, p. 46-47. [ Links ]
26 IANNI, O. op. cit., 1965, p. 185-187.
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