Entrevista com Ricardo Patah

07 jun 2016 . 17:38

Depoimento
de Ricardo Patah.

Realizado no Sindicato dos Comerciários de São Paulo, em 23 de outubro de 2015.

Por Carolina Maria Ruy

Origens

Carolina: Depoimento de Ricardo Patah. 23 do 10 de
2015. 10:40.

Eu queria começar pedindo para você falar o seu nome
completo, local e data de nascimento.

Ricardo Patah: Ricardo Patah. Nasci em São Paulo no dia
12 de outubro de 1953.

Carolina: E qual que é a sua função atual?

Ricardo Patah: Aqui no Sindicato dos Comerciários de
São Paulo, onde nós estamos tendo essa conversa, eu sou o Presidente desde 2003,
e também, concomitantemente, eu ocupo a Presidência da UGT – União Geral dos
Trabalhadores desde 2007, na sua fundação.

Carolina: Vamos falar um pouco da sua infância, das
suas origens, tá? Eu queria que você começasse falando o nome dos seus pais e o
que eles faziam?

Ricardo Patah: Muito bem. Os meus pais moravam no
Bairro de Pinheiros, em São Paulo, eu nasci em Pinheiros, na rua Morato Coelho.
Meu pai é Fuad
Patah, tem 88 anos de idade. Ele trabalhou muito como um pequeno industrial, teve
uma fábrica de roupas, na Rua 25 de Março, no Bairro do Brás e depois se
aposentou. Nenhum dos filhos quis dar continuidade na empresa, então, ele
simplesmente fechou. Mas ele ainda é muito [elétrico], tem parentes em
Bebedouro. Com 88 anos de idade ele pega o carro, vai até Bebedouro, dirige 400
quilômetros e volta no mesmo dia. Eu não faço isso. Nunca foi ao médico. É
impressionante! E minha mãe é 
Yara Buazar Patah, ela tem 86 anos de idade, 87, se Deus
quiser agora em dezembro e ela nunca trabalhou. Ela nasceu numa família de
classe média alta onde, inclusive, o apartamento que ela mora foi construído
pela família dela. Eles tinham comprado na época a Hípica e construíram lá
dezenas de apartamentos. Entre eles onde ela mora. É uma pessoa bastante
especial, muito bacana minha mãe e ela fuma três maços de cigarros por dia – até
tomando banho. Eu não sei como, com 87 anos, ela tem pulmão ainda! Mas é um
casal muito simpático.

E tenho dois irmãos: um é o Eduardo Patah que agora se
aposentou, mas foi diretor do Banco Safra durante muitos anos e o outro é o
Fernando Patah que é ligado a produção de filmes, propaganda. Os dois estão bem
resolvidos. Eu fui o único que da família toda, não dessa família pequena que
eu estou comentando, mas da família toda, a ter participado e ainda estou
participando da atividade sindical. Quer dizer, para esse mundo da minha
família não sabe nem o que que é sindicato. Então eu sou o estranho no mundo na
minha família. De qualquer forma como eu já estou a muito tempo o pessoal já
está acostumado.

Carolina: Fala um pouquinho assim como que era a sua
infância lá em Pinheiros?

Ricardo Patah: Olha, eu tive uma infância espetacular.
Junto com os meus irmãos lá em Pinheiros, sempre tivemos muitas oportunidades,
muitos amigos, jogava bola, empinava papagaio, balão, pião. Nossa, era uma
infância deliciosa. Sempre recordo com muito prazer. A minha infância
proporcionou a todos nós, nós três, uma infância boa – éramos sócio de clubes…
na época era o Tênis Clube, depois o Monte Líbano. Viajávamos sempre na época
de férias, não é?! É, enfim, uma infância que eu aproveitei e muito. Nunca tive
nenhum problema. Meu irmão Fernando caiu umas três ou quatros vezes, quebrou os
braços. Eu subia em árvores, subia em prédio e graças a Deus na minha infância
nunca quebrei absolutamente nada. Foi uma infância realmente muito feliz.

Carolina: Você estudou aonde?

Ricardo Patah: Eu estudei no Elvira Brandão, um
colégio particular na Alameda Jaú. Fiz até o quarto ano – só tinha primário e
de lá eu fui para o Dante Alighieri onde eu fiz o meu outro ciclo de escola.
Foram duas escolas importantes também no sentido, escola na época muito boas
escolas, não é, me deram uma formação tanto na… no primário quanto no ginásio
uma formação bastante interessante pelo colégio que exigiam muito, não é?!
Também nessas escolas eu tenho lembranças muito especiais. Eu tenho amigos até
agora daquela época.

Aptidão
o meio sindical

Carolina: Certo. É você tem alguma lembrança assim da
sua infância ou juventude que que justifique uma aptidão que você teve para ir
para o meio sindical? Teve alguma coisa que te marcou, que te sensibilizou para
essa área?

Ricardo Patah: Olha, é até uma coisa interessante.
Quando eu tinha o que? Uns 8 ou 9 anos de idade, meu apelido era Lelo. Trazido
pelo meu irmão Eduardo que eu o apelidei de Dado. E eu escrevia nos posteres em
Pinheiro: “Lelo para Presidente da República”. Isso com 8 anos de
idade.

Carolina: Nossa.

Ricardo Patah: Eu sempre tive, vamos dizer essa
expectativa de participar de algum projeto importante. Trabalhando no mercado Bazar
13, lá em Pinheiros – que foi onde eu comecei a trabalhar, eu comecei ouvindo
os funcionários. A partir disso comecei a ter uma vontade de ter uma
participação além dessa questão do trabalho. Em 1976 eu fui candidato a
vereador em São Paulo. Eu tinha 21 anos de idade, 21, 22 anos.

Carolina: Época da ditadura ainda.

Ricardo Patah: É. Na época da ditadura. E aí eu fui
candidato e tive 8 mil votos. Sem recurso, sem dinheiro nenhum. Só minha
família ajudou um pouquinho e eu pensei que já fosse ganhar. “Vou lá e vou
ganhar”. Fiquei até muito decepcionado apesar que fui um suplente, vamos
dizer, 10º suplente ou coisa desse tipo. Como primeira eleição para uma idade
tão pequena, para essa finalidade foi, vamos dizer, formação para uma política
de uma forma geral. Em 1978 eu comecei a compreender um pouco o papel do
sindicato e me filiei.

Carolina: No Sindicato dos Comerciários?

Ricardo Patah: Comerciários. A eleição seria em 80.

Sindicato
dos Comerciários de São Paulo

Naquela época tinha uma chapa de oposição e foram me
procurar porque eu fui candidato a vereador, era de uma empresa grande e tinha
uma certa liderança em Pinheiros. Eu fui procurado pela oposição para encabeçar
a chapa de oposição aqui no Sindicato. O Presidente da época, Silvio
Vasconcellos, sabedor disso foi me procurar. Foi lá no Bazar 13 e me convidou
para entrar na chapa também. Aí eu preferi entrar na chapa da situação e fui eleito
secretário geral em 1980. Só que a minha participação era muito pequena. Eu passei
a me dedicar ao movimento sindical efetivamente em 1991.

Bazar
13

Carolina: Você trabalhava no…

Ricardo Patah: No Bazar 13.

Carolina: … mercado ainda?

Ricardo Patah: Supermercado. Para sair do Bazar 13 foi
muito difícil. O dono não queria que eu saísse. Eu demorei dois anos para sair
de lá.

Carolina: Você fazia o que lá?

Ricardo Patah: Eu comecei como auxiliar de tesouraria
e a minha última função foi ser responsável pelo marketing da empresa. O
marketing tem a responsabilidade de fazer o orçamento, a propaganda, ou seja,
tem a estratégia da empresa, não é?! Então durante 20 anos que eu passei por
várias funções. Aprendi muito, muito, muito, muito. O dono do Bazar 13, que
morreu recentemente, o Raja Nassar, foi a pessoa mais importante no sentido de
me posicionar a responsabilidade pela atividade e o compromisso com o trabalho.

Carolina: Você pegou a mudança do Bazar 13 para o
atual Pão de Açúcar, não é?!

Ricardo Patah: É. O Bazar 13 depois passou por
situações difíceis. Era um grupo muito forte, muito grande, mas tinha três
focos: a empresa comercial, um jornal chamado Jornal da Semana, que foi
importante na época, e tinha uma fazenda com três mil alqueires em Itapetininga.
Mas houve um desentendimento lá entre os donos e alguns problemas advindo disso
que resultou na venda da empresa. Foi vendida para o Pão de Açúcar e eu fui
junto para o Pão de Açúcar. Hoje eu sou funcionário do Pão de Açúcar,
registrado.

Do
mercado para o sindicato

Carolina: O que que aconteceu assim em 1991? Como foi
essa transição para você deixar de trabalhar no mercado para vim para o
sindicato?

Ricardo Patah: A empresa também já não estava no
formato de quando eu entrei. Quando eu entrei em 1972 era uma empresa do
tamanho do Pão de Açúcar, era muito grande e foi diminuindo por questões, entre
elas a que eu comentei. E eu já tinha um programa, vamos dizer, de vida, um
ideal, não é? Então saí dessa atividade junto a empresa primeiro como
funcionário, lógico e para buscar algo que fosse como uma atividade que eu
sonhava em desempenhar, não é?! Lembrando que eu queria ser Presidente da
República aos meus oito anos de idade. E foi aí que eu tomei a decisão. Cheguei
para o dono da empresa e falei: “Olha, eu realmente gostaria de sair. Fico
aqui até arranjar uma outra pessoa, mas o que eu estou buscando é realmente
estar diante de uma entidade que possa fazer um trabalho social mais
amplo”.

Associação
dos Amigos do Vale do Paranapanema

Podia até fazer um parêntese. Em 1977 dentro do Bazar
13 eu fiz uma atividade que foi muito importante que me foi apresentada pelo
dono Raja Nassar e pelo irmão dele Ramis Nassar.
Estavam querendo instalar no rio Paranapanema uma fábrica de papel celulose,
papel craft, para uma fábrica de papel craft. E ele polui o ar, polui o rio. É
uma coisa terrível. E o jornal Estado de São Paulo era sócio dessa empresa –
uma empresa multinacional muito grande. Ia ficar no rio Paranapanema onde era
as margens da fazenda que eu comentei que eles tinham. Então eles tinham
interesse não só porque tinham essa fazenda, mas também pela questão da
sustentabilidade. Eu trabalhei muito nessa atividade. Nós conseguimos criar uma
Associação dos Amigos do Vale do Paranapanema e conseguimos impedir que
colocassem a fábrica lá. O Governador Paulo Egídio era a favor da construção.
Nós fomos falar com ele. Fizemos um trabalho intenso e conseguimos. A
participação nessa atividade também foi muito interessante. Em 1977 nem se
falava em sustentabilidade…

Carolina: Claro.

Ricardo Patah: E eu, jovenzinho, dentro da empresa
tive essa oportunidade que fortaleceu a minha decisão de buscar alternativas de
trabalhar num campo de propor questões sociais importantes. Aí eu falei para
ele. Demorei dois anos para sair. Foi difícil, mas saí. Logicamente saí numa
boa com ele. Eu ia visitá-lo, conversávamos até… homem muito inteligente –
para mim foi uma das pessoas mais inteligentes no varejo no Brasil.

“Casei
muito cedo”

Carolina: Nesse processo todo como que era a sua vida
pessoal? Você se formou, casou?

Ricardo Patah: Eu casei muito cedo. Casei em 1975.
Muito cedo. Tanto que os parentes que foram ao casamento estavam se imaginando em
numa cerimônia daquelas que a gente tem com oito anos de idade quando você faz
a opção católica, me fugiu o nome.

Carolina: Crisma?

Ricardo Patah: Não. Não. Nossa, olha só que católico
que eu sou. Mas de qualquer jeito…

Carolina: Primeira comunhão?

Ricardo Patah: Primeira comunhão. Na primeira
comunhão: “Olha lá”. O pessoal falava: “Olha a primeira
comunhão!”. Com 20 anos. Mas fiquei 20 anos casado. E deste primeiro
casamento tenho três filhos: o mais velho, Felipe, hoje tem 38 anos de idade e é
advogado. Tem o Tiago que está morando em Brasília. Se formou na área de
comunicação e quer de qualquer jeito fazer concurso para o Rio Branco. Então
tem só que estudar. É um menino brilhante, inteligente, inglês fluente, fez
intercâmbio quando jovem, ficou um ano nos Estados Unidos, em Idaho. Fala um
inglês extraordinário. E a Camila, que é pedagoga, mas hoje volta o seu
trabalho para a arte de mosaicos. Tem mosaicos muito bonitos.

Fiquei casado 20 anos e, já aqui no sindicato, conheci
uma advogada e me apaixonei. Eu casado, ela também, foi um rolo, uma novela
mexicana! E aí separei. Ela separou. E estamos casados até hoje. Outros 20 anos
de casamento. Temos uma filha de 19 anos que estuda direito no Mackenzie e o filho
da minha atual esposa mora comigo desde tem três e meio, quatro anos de idade.
É como se fosse meu. Então entre “os seus, os meus e os nossos” temos 5 filhos
em dois casamentos.

Carolina: Ah que bom. Qual que é o nome da sua atual
esposa?

Ricardo Patah: É Claudia. Claudia Topázio Patah. Advogada
brilhante. Brilhante.

Atualizar
o sindicato

Carolina: Vamos voltar a sua vida sindical. Então daí
a partir de 1991 você começou a se dedicar só ao sindicato?

Ricardo Patah: Eu vim com uma ideia de atualizar o
nosso sindicato do ponto de vista administrativo. Naquela época não tinha nem
computador no sindicato. Eu implementei toda a estrutura de controle através da
informática. Me formei em administração de empresas em 1977, na PUC, e
aproveitei todo o instrumental aprendido, além da expertise adquirida nos 20
anos do Bazar 13, para iniciar um processo na área administrativa. O sindicato era
extremamente conservador. Grande, mas que não tinha essa, vamos dizer, essa
compreensão de uma vocação mais política. De colocar para fora uma série de
questões que os comerciários, como uma categoria enorme, sempre desejaram. O
sindicato sempre foi muito sério, tanto com o Presidente Silvio Vasconcellos e
logo em seguido com o Rubens Romano, que são pessoas bastante comprometidas com
a entidade sindical. Mas muito conservador. Nunca desviaram o caminho do
sindicato, mas ao mesmo tempo não tinham essa percepção fundamental que o
movimento sindical tem que estar na rua buscando alternativas de superar as
adversidades dos representados.

Quando eu fui eleito presidente, em 2003, nós
iniciamos um processo muito grande de abrir o sindicato. Então hoje para você ter
uma ideia nós fazemos 2500 sindicalizações. Talvez seja o sindicato que faz mais
sindicalizações por mês. Ao mesmo tempo nós perdemos muito por causa da
rotatividade. Mas as primeiras tarefas que nós fizemos foram abrir sub-sedes
porque São Paulo é muito grande e é muito difícil quem trabalha no comércio vir
ao sindicato aqui no centro. A mobilidade é difícil em São Paulo e o comércio
tem… tem em todos os lugares. Uma pessoa que trabalha na zona oeste ou zona
sul, para chegar ao sindicato demora duas horas. Então resolvemos ir ao
trabalhador, ao seu local. Tanto que fizemos 10 sub-sedes nos lugares de maior
densidade do comércio. Criamos um grupo de visitas chamado Amarelinhos, com 80
amarelinhos, com coordenadores, administradores e começamos a ir onde está o
trabalhador. Começamos a fazer 200 mil jornais por mês, ou seja, começamos a
tornar mais visível para o comerciário o sindicato dos trabalhadores nessa
área. Começamos a melhorar a prestação de serviços, e aperfeiçoamos o que já
existia. Hoje temos no ambulatório até um andar para mulher com mamografia, com
uma série de atividades a favor da mulher (porque por volta de 50% da nossa
base são mulheres). Fizemos um trabalho importante para trazer jovens tendo uma
parceria com mais de 100 universidades, trazendo o jovem para dentro do
sindicato. Hoje eu tenho 62 anos de idade, mas entrei jovenzinho, com 26 anos.
E hoje dentro da diretoria o mais jovem tem mais de 40 anos. Quer dizer, é
fundamental que a gente tenha o jovem. Isso é uma dificuldade. Mas é um
trabalho que estamos desenvolvendo nesse sentido.

Temos uma série de atividades que de uma certa forma
melhoraram a visibilidade do sindicato. Quer dizer, esse é o primeiro sindicato
do Brasil, por exemplo, a ter feito cota de negro no comércio porque o comércio
discrimina muito o negro, principalmente, a mulher negra. Você vai no shopping
center tem poucos negros trabalhando e, quando tem, ganham menos que o branco.
Então nós fizemos um trabalho e melhoramos bastante essa situação. Também
lutamos muito para acabar com o trabalho análogo a escravidão. Então nós
chamamos o Ministério Público e fizemos uma série de atividades nos porões de
certas lojas da Rua 25 de Março, em favor dos nossos queridos irmãos paraguaios
e bolivianos, que muitas vezes são vistos trabalhando em atividade muito
próxima da escravidão.

Também desenvolvemos uma ação importante com pessoas,
com moradores de rua. Tanto que um dos militantes mais importantes do Brasil nesta
área é daqui da casa. Ele se chama Anderson.

Ou seja, esse sindicato nos dez últimos anos se abriu
para a sociedade. E também continuamos a fazer os trabalhos iniciados na época
do Silvio e do Romano, do ponto de vista do assistencialismo, porque a maior
parte dos trabalhadores que advém da micro e pequena empresa não tem
assistência médica e aqui nós prestamos esse serviço. Para você ter uma ideia
dentro da sede e mais o ambulatório nós temos mais de 40 dentistas, 50 médicos
e um laboratório que atende tanto aqui quanto em laboratório sócio do sindicato,
que é o Fleury, um dos melhores laboratórios do Brasil. Temos uma prestação de
serviço muito adequada ao associado e fazemos um trabalho muito importante para
com todos os trabalhadores, mesmo que não sejam comerciários.

Força
Sindical

Ricardo Patah: Também foi muito importante na minha
trajetória ter participado da Força Sindical. Eu fui tesoureiro muitos anos. O
Romano foi o primeiro tesoureiro, mas ele ficou pouco tempo e, mesmo eu não sendo
o presidente do Sindicato, e ele sendo o presidente, eu assumi a tesouraria da Força
Sindical na época do Medeiros e continuei com na época Paulinho.

Carolina: Você assumiu logo depois da fundação?

Ricardo Patah: Isso em 1991. Nós fomos fundadores da força
sindical.

E foi, na realidade, um trabalho muito importante para
o Sindicato. O sindicato cresceu muito a partir do momento em que começou a
participar de uma central sindical. Nós fizemos, inclusive, o primeiro grande
ato do Sindicato fechando o Shopping Iguatemi, perto da época de negociação
coletiva. Nunca na história tinha ocorrido isso. Se não fosse a Força Sindical
eu jamais teria capacidade de fazer esse trabalho. Tive muitos companheiros,
como o nosso companheiro Juruna, que foi um dos grandes incentivadores para
duas atividades: primeira se filiar ao Dieese – esse sindicato nunca, nunca tinha
se filiado e quando eu assumi a presidência, um dos primeiros atos foi filiar ao
Dieese, o que nos deu muito capacidade técnica para compreender as necessidades
econômicas e, às vezes, até sociais dos trabalhadores. E a outra foi incentivar
a atividade efetiva de rua, de sindicalizações. Ele sempre nos provocava de
forma positiva com a finalidade de que esse sindicato tivesse mais sócios. Porque
era um sindicato grande, mas não tinha uma quantidade importante de sócios.
Hoje nós temos 52 mil sócios aqui no sindicato.

Então a Força Sindical teve uma importância para essa
entidade e para a minha vida. Eu tive a oportunidade de ser o delegado de todos
os trabalhadores na OIT, em 1999. Participei de vários conselhos. Fiz um curso
importantíssimo em 1993 lá em Israel. Foi um curso de 35 dias, que me capacitou
bastante, um dos melhores que eu fiz na minha vida. Tive no Japão. E tive tudo
isso através da Força Sindical. A Força tinha e tem das suas qualidades, mas
naquela havia algumas questões, que eu sempre colocava, que era a predominância
muito grande da produção. Nunca se falava chão de loja, era só chão de fábrica.

União
Geral dos Trabalhadores (UGT)

Em 2003 surgiu a oportunidade de criar um projeto onde,
a área do comércio e serviços, em especial, teriam predominância. Poderíamos
então falar em shopping de rua, dos nossos motoboys, chão de loja e assim por
diante.

Isso começou no fim de 2003, quando se iniciou um
processo de fusão das centrais sindicais: a CGT, a SDS e a CAT. E eles me
convidaram para construir um projeto diferente: uma central sindical que teria
entre as atividades quebrar alguns paradigmas. Desenhei, dentro do grupo, a
partir de uma leitura que fiz do Boaventura de Sousa Santos – o Boa Ventura
talvez nem saiba, mas ele foi um daqueles que me ajudou a pensar o conceito da
UGT, a ideia da central.

E a ideia era criar uma central sindical que tivesse
dois sentimentos: o primeiro de agregar. Porque o movimento sindical nos
últimos anos desmembra, divide por interesses diversos. Tem até interesse em
dinheiro, interesses que não tem absolutamente nada a ver com os representados.
E a UGT nasceu no sentido inverso. Nasceu agregando centrais sindicais que
deixaram de existir e sempre lutando para impedir esse divisionismo que traz
prejuízo enorme aos trabalhadores. O segundo é, essa quebra de paradigma,
aprendida com Boa Ventura de Souza, que nos anunciava que o movimento sindical
tinha perdido muito espaço para ONGs no Brasil e no mundo, e deixou de se
preocupar com o trabalhador enquanto cidadão. E foi neste sentido que desenhamos
e desenvolvemos o projeto com base em ter uma atividade efetiva capaz de
influir nas políticas públicas que vão ao encontro do trabalhador enquanto
cidadão: educação, saúde, segurança, sustentabilidade. Logicamente sempre
valorizando a questão dos benefícios e das necessidades do trabalhador nas suas
convenções coletivas ou no local de trabalho, mas ao mesmo tempo buscando
alternativas para que se possa ter decisões…

Então esse projeto se tornou realidade em 2007, com a
fundação da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Começamos com 180 sindicatos.
Hoje estamos em 1.300 sindicatos. Com certeza absoluta a maior central sindical
do país em relação a comércio e serviços. Temos comerciários, asseio e
conservação, motoboys, motorista de ônibus, bancários. Na indústria tem um
pouco, um pouco em Minas Gerais, no Pará, Rio Grande do Sul e na indústria
têxtil uma representação muito grande em Santa Catarina e um pouco aqui em São
Paulo, mas basicamente é muito comércio e serviços. Eu costumo dizer que quando
nós iniciamos esse projeto era como se nós fossemos “Os Miseráveis” do Victor Hugo com aquelas bandeiras esfarrapadas,
entidades sindicais com trabalhadores vulneráveis. Entre os comerciários existe
muita informalidade, precariedade, discriminação racial, salários baixos. Por
isso iniciamos um processo importante de dar voz para essas categorias que não
tinham articulações muito adequadas nas outras centrais sindicais. E foi nesse
processo que conseguimos, por exemplo, ter a regulamentação da categoria dos
comerciários no Brasil. Foi um passo importante. São 12 milhões de
trabalhadores, não é?!

Carolina: Mas não era regulamentado?

Ricardo Patah: Não. Foi regulamentado bem depois, e a UGT
foi uma das centrais que mais contribuiu para essa conquista muito recente.
Então eu tenho certeza que acertei o caminho. Não esqueço o passado, tenho uma
relação muito boa com as centrais sindicais de uma forma geral, em especial com
a Força. Tenho uma relação muito boa com alguns de seus dirigentes como o
próprio Juruna, o Miguel Torres, o Geraldino, entre outros. Sempre que eu os
encontro, nós temos aí uma relação fraternal, não existe por conta dessa
decisão da construção desse projeto, nenhuma sequela no relacionamento.

É um outro projeto que não significa absolutamente um
confronto com as outras centrais. É um projeto que agrega valor às categorias
que de uma certa forma estavam distantes de poder e resolver demandas
importantes.

Por exemplo, aqui em São Paulo, por conta dessa
unidade nós, conseguimos aumento real num momento de crise. Aumento real! Nesse
ano, 2015, teve um aumento real! O prefeito, num primeiro momento, não queria.
Tivemos que fazer uma paralização, mas depois conseguimos negociar e
conquistamos. São conquistas importantes, na medida que você tem e potencializa
dentro de uma central, atividades que tenham nessa unidade uma capacidade maior
de negociar e de ter uma interferência na formulação de políticas públicas.

O
momento atual no Brasil

Bom, eu costumo dizer que nós estamos vivendo tempos
muito estranhos. Esse é até o título de um livro que aqueles que estão nos vendo
e, para você que é uma jornalista muito especial, é importante ler. “Tempos
Muito Estranhos”, de Doris Kearns Goodwin, retrata a vida do Roosevelt, acho
que foi o único Presidente Norte-Americano eleito quatro vezes, e ele passou
por uma série de adversidades. A última delas foi a Segunda Guerra Mundial e
ele foi um dos maiores quadros, teve as maiores participações para se conseguir
a paz, e ele morreu um pouco antes de ter consagrado a paz.

Estou falando dele porque na década de 1930 ele criou
o New Deal para superar um mundaréu
de adversidades que assolava naquele momento os Estados Unidos e o mundo.
Roosevelt usou muito a força social para conquistar e superar aqueles tempos
muito estranhos. E acho que, de forma análoga, nós estamos vivendo esses tempos
estranhos no Brasil. Nós temos crise de tudo quanto é dimensão e forma,
entendeu? O Brasil é o país onde tem mais água no mundo e falta água. Tem uma
crise econômica que é mundial, mas aqui ela está profunda. Crise política
gravíssima e, principalmente, crise de confiança – ninguém acredita mais em
ninguém.

Nesse cenário como é que nós, como comerciários, ficamos?
Não foi a categoria mais importante na crise de 2008 porque, graças ao consumo
os guerreiros e guerreiras comerciários, que o Brasil a entrar mais tarde e
sair mais cedo da crise. O comércio ajudou o Brasil a desenvolver uma
capacidade de superação importante. O consumo de uma certa forma foi exaurido,
como objetivo de solucionar uma crise, não é?! E o Brasil não fez a sua lição
de casa que era a questão da infraestrutura, capacitação, formação que são nossos
principais gargalos.

Vivemos um momento difícil. Aqui no comércio nós
estamos tendo uma quantidade de demissões muito elevada. A rotatividade sempre
foi alta, a diferença da rotatividade do ano passado para esse é que agora as
pessoas que saem não têm onde ir trabalhar. No ano passado o pessoal saía e já
tinha emprego na hora. Hoje está difícil. Até a contratação de temporários, que
é grande nessa época, vai ser muito pequena em relação a anos anteriores. O que
nós temos buscado é que as empresas compreendam o momento que nós estamos
vivendo e não vejam o trabalhador simplesmente como custo começando a dispensar
por conta dessa crise que se avoluma. Estamos tentando, nas convenções
coletivas, que é justamente neste momento que nós estamos fazendo essa gravação
– a nossa data-base é setembro, nós já estamos em outubro, estamos um mês sem
conseguir fazer essa convenção e normalmente nos anos anteriores essa época já
tinha sido solucionado sempre com aumentos reais.

Esse Sindicato nos últimos dez doze anos sempre teve
aumentos reais. Esse ano já existe propostas muito difíceis de serem aceitas,
mas a nossa preocupação é tentar estruturar essas convenções e esses acordos a
manutenção do emprego.

Uma
pessoa que admiro

Ricardo Patah: Tem algumas que eu admiro. Por exemplo,
Getúlio Vargas, que nós temos um busto aqui até do lado. Não está sendo
filmado, mas está aqui do ladinho! Eu estou lendo, inclusive, o terceiro volume
do Lira Neto, que é um livro que eu sugiro que as pessoas leiam. O Getúlio
Vargas foi uma pessoa complicada, principalmente pelos paulistas, não é?

Mas do ponto vista geral eu acho que sua contribuição
foi essencial para o nosso país tanto do ponto de vista da política industrial,
tanto do ponto de vista da política dos trabalhadores, inclusive com a criação
da CLT. Ele promoveu uma autoestima muito grande para o nosso país, promoveu
mudanças muito importantes para o meio rural, para a esperança de um crescimento,
de um Brasil de inclusão social. É uma pessoa para mim muito especial.

Lições
de vida

Nesse período, desde 1980, o mundo sindical me
emprestou uma série de características que eu imagino que eu tenha. Uma delas é
ser uma pessoa humilde. Porque como eu nasci em classe média, sempre estudei em
colégios de classe média e minha vida sempre foi classe média, a minha relação,
vamos dizer, com a base da pirâmide era inexistente. Então o meu mundo, a
partir do momento em que eu iniciei esse processo, era outro. Comecei a enxergar
os invisíveis, a perceber os grandes valores. Acho que esse é um dos
aprendizados maiores da minha vida. Porque hoje eu tenho certeza que eu tenho o
pé no chão. E quem me ensinou a colocar o pé no chão foi essa vida sindical.
Conhecer pessoas, homens e mulheres que, enfim, com as suas vidas sempre nos
ensinaram valores importantes.

Até vi uma coisa interessante em um filme – eu gosto
muito de filme e de livro, então eu leio muito! Lia mais, eu lia no mínimo 3
livros por mês, hoje eu leio só um por mês em média, mas mesmo assim eu acho um
hábito delicioso. Assim como ver filmes. Mas o filme que eu queria conversar
com você chama-se “Duas Noites e Um Dia” – não sei se você chegou a ver. Um
filme francês e até muito pertinente para o momento que nós estamos vivendo. E
ele se passa em uma grande empresa francesa, na área administrativa onde trabalham
15, 16 pessoas, e coloca em debate se mandam embora uma pessoa e aí os que
ficam todos vão ter um bônus ou ninguém tem o bônus e mantem o trabalho dessa
pessoa. Então ele mostra que é a vida de uma pessoa. Às vezes, você vê num
momento de dispensas e pensa “pode ir embora, etc”. Ninguém está
enxergando como é que é a vida da pessoa. Como é que essa pessoa vai sobreviver
porque, às vezes, nessas dispensas e nesses momentos as pessoas são
consideradas como números, não são vistas como gente, não é? E esse filme
retrata exatamente esse debate. Algumas pessoas falam: “Não, eu quero o
bônus porque é mais importante. Se ela for embora eu estou pouco ligando”
e outras pessoas: “Não, é importante porque se eu estivesse no lugar dela
como é que eu ia viver sem o salário?”. Então ele nos dá essa compreensão.
De enxergar as pessoas, enxergar os valores, o meio ambiente, a natureza, o ser
humano.

O ser humano é extraordinário, principalmente o
brasileiro. O brasileiro para mim é o povo mais legal do mundo. Não existe como
o povo brasileiro. E o mundo sindical me fez enxergar melhor porque, às vezes,
a gente não enxerga. Às vezes a gente vai num espelho, você vai pentear o
cabelo e você não enxerga… não enxerga nem você, não enxerga tua alma. Tem
tanta gente tem que ser olhar para se enxergar. Então eu também era daquele
jeito: penteava o cabelo superficialmente ia para a rua. Hoje não. Hoje eu me
olho, vejo lá dentro da minha alma, saio e vejo as pessoas na rua.

Projeto de memória

Ricardo Patah: Bom, primeiro eu quero valorizar muito
esse projeto da memória sindical. Parece que o pessoal de Osasco que cuidava
disso, a Carmem, na época, e eu sempre achei muito interessante porque a gente
tem que sempre construir dentro dos projetos possibilidade de enxergar a história
e construir um futuro melhor. Então eu tenho certeza absoluta que o que está
sendo feito e agora, agradeço muito até a oportunidade de estar dentro do
projeto como uma pessoa simples – eu me considero uma pessoa simples, mas eu
acho importante que a somatória de todos os que participam, em especial do
movimento sindical, que tenham lá a sua contribuição participem. O nosso
companheiro Milton Cavalo, que é o responsável, é uma pessoa muito comprometida
com o projeto. E a Carol, como jornalista, que essa vai fundo! E o nosso
companheiro Juruna, sempre um incentivador.

O nosso Sindicato dos Comerciários é um daqueles que
valoriza e participa. E eu tenho dito na própria UGT para que outras entidades
sindicais iniciem um processo de participação porque a gente tem que ter
memória, em todas as áreas. É a memória sindical, a memória do nosso país, a
memória do nosso território, memória, enfim, das riquezas que nós temos. Nós
temos sempre que nos aprimorar, sempre melhorar. Então eu tenho certeza que a
minha participação neste projeto vai fazer uma pessoa melhor.

Por último que deixar registrado que os comerciários
na cidade de São Paulo representam 500 mil pessoas. Comerciários que vendem ou
na área de supermercado, loja de rua, que vendem também nas feiras, as flores
em… nos cemitérios e em outros lugares, joias. Comerciário vende de tudo até
sonho. É uma função bacana essa. Nós nos consideramos verdadeiros servidores
públicos. Só não temos aposentadoria integral e nem estabilidade no emprego,
mas está sempre a serviço da sociedade para uma sociedade melhor. Além disso, o
sindicato tem um trabalho muito importante junto as universidades porque eu, e
os nossos dirigentes acreditamos que o Brasil só vai melhorar com uma revolução
na educação. Esse Sindicato já dá os seus passos em direção a essa questão.
Todos os 600 funcionários desse Sindicato tem, os que quiserem, bolsa de estudo
porque nós achamos que é importante que estudem e todos os comerciários tem
acessos a bolsas nas universidades. O Sindicato também ajuda a diminuir o custo
para se aprender que na realidade não é custo, é um investimento. Nós temos que
investir em nós mesmos.

 

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