10 maio 2021 . 13:22
João Carlos Juruna, Wagner Gomes e Álvaro Egea
Em coletiva virtual de divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que o Brasil criou 401.639 empregos com carteira assinada em fevereiro.
Ele chegou a dizer que se trata de um recorde. Mas não disse que a mudança de método na coleta dos dados, ocorrida em 2020, alterou os resultados com relação à série. O novo Caged tornou obrigatório (antes era opcional) informar a admissão e demissão de empregados temporários, modalidade criada pela reforma trabalhista.
Segundo matéria do UOL, desde 2020 o levantamento passou a usar dados mais abrangentes, incluindo trabalhadores temporários. A matéria informou ainda que “Embora a mudança de metodologia seja informada nas notas técnicas do Ministério da Economia, ela é omitida em publicações oficiais e em discursos do alto escalão —levando a crer que há recordes e que são fruto apenas de medidas tomadas pelo atual governo”.
Os dados informados por Guedes destoam do elevado índice de desemprego, que ultrapassa os 14%, apontado pelo IBGE. Poucos dias após anúncio do governo, o IBGE informou que o desemprego se manteve no mesmo patamar de 14%, sendo o maior desde 2012, início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). A conta não fecha.
A precisão dos dados e a credibilidade na metodologia impactam diretamente em políticas públicas e em pautas que orientam o movimento social. A manobra do governo em divulgar um dado apurado segundo uma metodologia nova, que parece criada para esconder o desastre social que foi a reforma trabalhista, em comparação com dados apurados com a metodologia antiga, é uma forma de manipulação de resultados. O anúncio do ministro da economia, que induz à conclusão de que o país criou um número recorde de empregos, relativiza as reivindicações pela geração de emprego, pela qualidade dos empregos e pelo auxílio emergencial em tempos de pandemia.
Esse tipo de manipulação é uma artimanha típica de governos autoritários. Por exemplo, no início da década de 1950, embora já com Getúlio Vargas de volta ao poder, o Brasil, recém saído do governo repressor de Eurico Gaspar Dutra e dos oito anos do Estado Novo, viveu uma onda de greves e manifestações que, entre outras coisas, protestavam contra a falsificação de índices oficiais, como a greve dos bancários de 1951 e a Greve Geral contra a carestia, de 1953. Os dados oficiais não expressavam a realidade de desemprego e pobreza que assolava os brasileiros no período, e a pressão dos trabalhadores resultou em duas grandes conquistas.
A primeira delas foi o aumento do salário mínimo em 100%, articulado pelo então ministro do trabalho, João Goulart, e assinado por Vargas no dia 1º de maio de 1954.
E a segunda foi a criação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no dia 22 de dezembro de 1955 pelo movimento sindical, para suprir a necessidade de uma instituição confiável de dados econômicos.
Outro exemplo é a manipulação dos índices da inflação de 1973, denunciada pelo Dieese em 1977. Naquele ano, a equipe técnica do Departamento, dirigida pelo economista Walter Barelli, havia descoberto uma expressiva defasagem: a inflação de 1973 foi de 23,5%, e não de 15,4%, como anunciou na época, o ministro da Fazenda Delfim Netto. Por conta própria, o Dieese refez os cálculos salariais verificando as perdas que os trabalhadores sofreram no período. A denúncia foi o estopim para a deflagração das greves de 1978.
Não se sabe ainda qual o estrago e o alcance que terão os dados distorcidos apresentados pelo Ministério da Economia, mas conhecendo o perfil autoritário e simpático à ditadura militar do mandatário, essa distorção não parece casual. Ela se soma ao corte de recursos federais para o Censo de 2021, contra o qual a presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, e o diretor de Pesquisas, Eduardo Rios-Neto, publicaram carta aberta junto com oito ex-presidentes do Instituto. Soma-se à notícia um incomum comunicado interno que circulou no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) afirmando que “pesquisadores que divulgarem estudos sem autorização poderão ser punidos”. Segundo informou o jornal Folha de São Paulo, o procedimento já era adotado, e os técnicos estranharam o comunicado do Instituto, que é vinculado ao Ministério da Economia.
Soma-se à extinção do Ministério do Trabalho e, principalmente, à asfixia do movimento sindical, este que tem a legitimidade para averiguar as condições de trabalho, promover a organização entre os trabalhadores, reivindicar direitos e melhorias, e lutar pela geração de empregos decentes.
João Carlos Juruna é secretário geral da Força Sindical.
Wagner Gomes é secretário geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Álvaro Egea é secretário geral da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB).
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