29 abr 2020 . 05:03
Por José Luiz Del Roio
Entre os cerimoniais da classe operária em nível internacional, o Primeiro de Maio é talvez o mais ambicioso. Nele, vieram desembocar velhas tradições de festas e lutas e uma vasta gama de simbologia: cores, bandeiras, flores, teatros, poesias, músicas, iconografias etc. O Primeiro de Maio é o momento em que a classe em ascensão se apresenta a toda a sociedade e deseja demonstrar sua cultura, sua força e, de certa forma, mesmo que de forma ritual, a conquista do poder. Em parte, isto foi transplantado para o Brasil.
Aqui entre nós, era importante inclusive o vestuário. Os trabalhadores, que quase sempre viviam com baixos salários, faziam grande esforço para adquirir um terno do tecido mais barato, para poder apresentar-se com dignidade nas praças ou nas associações. Quando não possuíam recursos para comprar, emprestavam ou alugavam. E assim podemos vê-los nas velhas fotos, todos engravatados e de chapéu no calor infernal do Rio de Janeiro ou do Recife.
Os anarco-sindicalistas, geralmente tão contrários ao “espírito de festa”, no qual estavam sempre vendo concessões à superstição e ao Estado, praticaram muitos desses rituais, que depois, modificados em alguns detalhes, deixaram de herança aos comunistas e ao movimento operário em geral.
As coisas simples pelas quais lutamos tanto
No dia Primeiro de Maio, os jornais da imprensa proletária, geralmente muito pobres, sempre se esforçavam para sair bonitos, com iconografias que requeriam considerável esforço técnico. Chegavam até mesmo a editar jornais em cor vermelha, uma verdadeira obra-prima para a época.
As comemorações eram preenchidas com declarações de poesias, cantos, representações teatrais e bailes. Eis como se desenvolvia uma reunião desse tipo em 1918:
“Com um programa soberbo em comemoração da grande data proletária, realiza o GT Cultura Social a trinta do andante no palco do salão do Centro Galego (rua Visconde do Rio Branco, 53), às 20,15h, um festival. Eis o programa:
Muitos eram os hinos que cantavam, principalmente A Internacional e Os Filhos do Trabalho. Para o Primeiro de Maio, especialmente, era normal uma canção italiana, com letra de Pietro Gori e traduzida por Neno Vasco, anarquista português responsável também pela tradução do hino A Internacional que conhecemos até hoje.
A estrofe inicial desta última, que usava a música do coro dos peregrinos da ópera O Nabuco de Giuseppe Verdi, começa assim:
“Vem, ó Maio! Saúdam-te os povos,
Em ti colhem viril confiança.
Vem trazer-nos cérula bonança.
Vem, ó Maio, trazer-nos dias novos. ”
Em 1918, fez-se uma composição brasileira, reflexo de um movimento operário que amadurecia e se sentia forte. Vejamos as primeiras palavras do hino escrito pelo pernambucano João Escorel:
“Salve! Ó Primeiro de Maio!
A data que tudo exprime.
De luz nos mandaste um raio,
Calcando a quem nos oprime.
Lutemos pelo direito
Registre-se um grande jeito
No livro da nossa história.
E diga-se ao mundo inteiro
Que o operário brasileiro
Também ganhou a vitória. ”
Ao longo de todos esses anos, outras músicas foram compostas – infelizmente muitas caídas no esquecimento -, a tal ponto que nas manifestações de praça atualmente sempre existe o problema de não se saber o que cantar.
Agora, terminamos recordando uma composição sobre o Primeiro de Maio feita por dois grandes músicos contemporâneos, Chico Buarque e Milton Nascimento:
“Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada, logo ali.
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar cheio de si
Que hoje ele é o senhor das suas mãos
E das ferramentas. ”
Trecho do livro Primeiro de maio, Cem anos de luta, de José Luiz Del Roio, Organizado pelo Centro de Memória Sindical, 2016
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