29 abr 2020 . 05:03
Por José Luiz Del Roio
Quando o congresso socialista de Paris de 1889 decidiu sobre a manifestação internacional do Primeiro de Maio, o Brasil havia deixado de ser um país escravista há apenas um ano (1888) – o último país do mundo a pôr fim à vergonha da escravatura colonial.
O surgimento do Estado independente brasileiro, em 1882, praticamente não traz mudança substancial à estrutura social e econômica herdada do período da dominação portuguesa. Permanece a produção fundada na grande propriedade agrícola com a exploração do braço escravo. A partir de 1850, essa situação começa a se modificar lentamente. Com a lei de extinção do tráfico negreiro, liberta-se um bloco de capital que será empregado no desenvolvimento do café, produto com mercado em expansão na Europa de nos Estados Unidos.
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É evidente que diante desse quadro não se pode falar seriamente em leis sociais durante o período colonial. Recordemos o decreto de 1850 que regulava as relações entre empregados e empregadores do comércio, e o decreto de 1879, para os trabalhadores livres do campo, que extinguia uma série de obrigações feudais e proibia os castigos físicos, multas ou prisões por cláusulas não cumpridas no contrato. Mesmo as poucas leis elaboradas caíram imediatamente no esquecimento e o arbítrio dos mais fortes era total. Isso não quer dizer que não houve conflitos, choques, greves e até mesmo insurreições, com algumas vitórias parciais que ajudaram a acabar com a escravidão e o Império.
No momento da proclamação da República (1889), a condição do trabalhador era muito simples. Não possuía direito nenhum. Não havia limites de horas de trabalho, aposentadoria, salário mínimo, estabilidade, seguro contra acidentes etc. Os embriões das organizações de resistência operária são mal vistos ou perseguidos. Na prática são permitidas apenas associações de assistência e caridade.
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Os ecos do movimento internacional pelas oito horas alcançaram lentamente as terras brasileiras – terreno adverso, pedregoso, difícil de germinar, tanto pela violência do sistema repressivo quanto pela debilidade da classe operária que ainda está nascendo, constituída principalmente por grupos de estrangeiros que pouco conheciam do país, dividida por nacionalidades e espalhada por algumas cidades afastadas umas das outras. Surgem os primeiros grupos de socialistas e anarquistas que, entretanto, encontram dificuldades insuperáveis para conseguir contato direto entre as massas trabalhadoras.
As notícias que hoje possuímos sobre os albores do Primeiro de Maio no Brasil são poucas e fragmentadas. Podemos associar, mesmo que de forma indireta, as demonstrações do Primeiro de Maio de 1890 no mundo a uma reunião realizada na cidade de São Paulo. No dia 15 de junho desse ano, um grupo de ativistas se encontra no salão do teatro São José, para tentar formar um partido operário. Elege-se uma comissão composta por Francisco Cascão, Miguel Ribeiro e Carlos Hermida, para elaborar um programa, cujo segundo ponto diz: “Promover a fixação de oito horas de trabalho”. Esse partido desaparece rapidamente, mas a data merece ser anotada como a primeira expressão do movimento dos trabalhadores para as oito horas.
Trechos do livro Primeiro de maio, Cem anos de luta, de José Luiz Del Roio, Organizado pelo Centro de Memória Sindical, 2016
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