Walter Barelli, uma grande personalidade do movimento sindical

19 jul 2019 . 10:48

Barelli participa de palestra sobre os 50 anos da ditadura militar, na ALESP, em março de 2014. Ao seu lado estão o secretário geral da Força Sindical, João Carlos Juruna, e os sindicalistas Vital Nolasco (CTB), Nair Goulart (Força Sindical) e Valdir Vicente (UGT).

Walter Barelli, foi uma grande personalidade do movimento sindical, um dos principais responsáveis pela consolidação do Dieese como uma entidade reconhecida nacionalmente. Paulistano, nascido em 25 de julho de 1938, filho de um mecânico de manutenção e uma tecelã, formou-se em economia na USP, foi professor universitário e em 1966 tornou-se diretor técnico do Dieese. Barelli ficou no Dieese até 1990. Entre de 1992 e 1994 foi ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, entre 1995 a 2002 foi secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo (SERT), nos governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin e entre 2003 e 2007 foi deputado federal pelo PSDB-SP.

Barelli morreu em São Paulo, na noite gelada da última quinta feira, dia 18 de julho, a exatamente uma semana de completar 81 anos.

Barelli e a descoberta da manipulação dos índices da inflação, em 1977

Walter Barelli e Joaquim dos Santos Andrade concedem entrevista coletiva sobre a manipulação dos índices de inflação em 1977.

No Dieese, Barelli foi o responsável pela denúncia da manipulação dos índices oficiais da inflação, em julho de 1977. A denúncia foi o estopim para a deflagração da onda de greves no ABC em 1978. Isso porque as contas apresentadas pelo Dieese eram mais verossímeis e destoavam das oficiais. A equipe técnica do Departamento, dirigida por Barelli, havia descoberto uma expressiva defasagem: a inflação de 1973 foi de 23,5%, e não de 15,4%, como anunciou na época, o ministro da Fazenda Delfim Netto.

Por conta própria o Dieese refez os cálculos salariais verificando as perdas que os trabalhadores sofreram no período e constatou que os trabalhadores haviam perdido 34,1%. Em depoimento por ocasião dos 50 anos do Dieese, Barelli falou sobre este fato e seus desdobramentos:

Havia uma suspeita quanto à veracidade dos dados oficiais de 1973, que confirmavam que o então ministro da fazenda, Delfim Netto havia atingido sua meta de conter a inflação naquele ano ao nível de 12%. Nós tivemos sorte ao descobrir, nos porões do Ministério do Trabalho, em Brasília, as publicações onde o IBGE tinha manipulado os números. Foi um trabalho franciscano. Franciscano não, beneditino. Eu e a Annez Andraus Troyano acabamos descobrindo a coisa toda. Quem manipulou os índices foi a turma do Delfim. E aí começou aquela briga. Os trabalhadores foram perdendo continuamente, em termos de política salarial. O movimento estava dividido, porque o Joaquinzão abriu um processo na Justiça Federal, reivindicando a reposição. E o Lula, que estava surgindo como líder sindical, disse: “nós não vamos entrar com processo, vamos recuperar os 34,1%, ao longo do tempo, nas nossas campanhas salariais”. Foi um período importante de crescimento do movimento sindical, das primeiras greves em 1978, do novo movimento grevista. E, dentro disso, foram multiplicados os escritórios do Dieese nos estados. Nossa expansão também se deu em cima disso (trecho de depoimento gravado em 2006).

Leia aqui o depoimento completo:

Barelli participa de palestra sobre os 50 anos da ditadura militar, na ALESP, em março de 2014.

Depoimento Walter Barelli

Infância

Meu nome é Walter Barelli, nasci em São Paulo, no dia 25 de julho de 1938. Meu pai chamava-se José Barelli e minha mãe Elza Grande Barelli. Ele trabalhava como mecânico de manutenção na Nitroquímica e minha mãe era tecelã, mas no fim da vida passou a ser passadeira, que é um grau maior do que tecelã. Assim que eu nasci, fui para o bairro de São Miguel onde meu pai trabalhava na Nitroquímica. Com quatro anos, mudei para o Belém. Rua Arinaia, pois meu pai sofreu um acidente na Nitro, pediu demissão e foi trabalhar na fábrica de papel e papelão do Matarazzo. Aí mudei para uma vila, que alguns chamavam de Vila Bois, outros de Vila Matarazzo. Que era uma vila operária, na Avenida Celso Garcia. Lá, minha mãe morou até mais ou menos 1958. Meu pai morreu quando eu tinha nove anos. Então eu não tenho muita memória da rotina geral. Mas, quando meu pai estava vivo, minha mãe não trabalhava fora, tomava conta da casa. A gente levantava, tomava café e ia para a escola. À tarde, depois do almoço tinha lição de casa e as brincadeiras. A vila que dava toda essa condição para a gente. A casa tinha um quintal onde a gente plantava algumas coisas e tinha umas galinhas. Isso aí é uma coisa de antigamente em São Paulo.Foto atual da Vila Matarazzo. Foto Ana Rita Corrêa

Meu pai ficou doente durante quatro anos e morreu em 1947. Ele tinha uma aposentadoria, um auxílio de saúde ou alguma coisa assim, mas que era muito pequena. Ele precisava comer uma comida especial, precisava de farinha, mas não tinha, por que a Guerra tinha acabado há pouco tempo e havia racionamento. Então a solução era comprar macarrão para moer e fazer farinha, para preparar a comida do meu pai. Lembro-me de ir às quatro horas da madrugada com a minha mãe nas padarias para ficar na fila. Aí havia as invasões de padaria, por causa do racionamento, e era até perigoso. Quando ocorria isso minha mãe se afastava e a gente ia para outro lugar. Mas, foi assim que eu tive um pouquinho da experiência da guerra mundial.  Conheci, à distancia, como a gente sofria as restrições desse tempo de guerra.

Minha mãe fazia muito tricô para vender. As blusas de tricô, sustentaram a família. Tem um negócio que encontrei nos papéis do meu pai que eu acho importante. Os trabalhadores da fabrica de papel e papelão do Matarazzo, que era ali ao lado da vila fizeram uma lista onde estava escrito: “Para você passar o Natal melhor.” Para mim, isso mostra a solidariedade que o pessoal tinha. Meu pai tinha liderança. Todo mundo falava muito bem dele, mas não deu para conviver para saber todas as coisas.

Meu pai sofria do coração. Ele dizia: “Se me levarem para os Estados Unidos eles me curam.” Ele queria fazer uma operação, mas no Brasil você ainda não tinha tido o Zerbini [Euryclides de Jesus Zerbini], e “companhia bela”, o pessoal que faz a cirurgia toráxica. Ele tinha muita falta de ar, não podia fazer esforço. Meu pai era habilidoso, passou a consertar relógios do pessoal da vizinhança. E aí devia ganhar um dinheirinho pequeno, mas era o “bico” que ele fazia. Quando ele morreu minha mãe voltou a trabalhar na fábrica. Mudou o regime da família. Porque ela trabalhava oito horas em dois períodos, acho que era das sete às onze, e depois da uma às cinco horas. Então, quando ela saía, eu estava dormindo. Ia para a escola, voltava da escola tinha de fazer a comida. Depois tinha que lavar louça, lavar o quintal, a casa inteirinha. Quando minha mãe passou a trabalhar por turno, o turno da manhã era das cinco a uma da tarde e o da tarde das duas às dez horas da noite. Aí, eu passei a almoçar na casa da vizinha da frente, era uma espécie de pensão que a minha mãe pagava, e depois na casa de uma tia que morava no bairro, mas era mais longe. E minha mãe também pagava uma pensão, um dinheirinho lá para essa minha tia.

Mas a vila era um bom lugar, porque eu tinha muitos amigos da mesma idade. Todo mundo trabalhava, os pais trabalhavam, mas algumas mães não trabalhavam fora. Então era uma comunidade. Por ser filho único, eu tinha muitos brinquedos que os outros não tinham. Então o pessoal vinha brincar na minha casa. O problema de limpar a casa, essas coisas, era um negócio meio imposto, mas em parte eu aceitava. Porque alguém tinha que fazer, minha mãe fazia a faxina mais grossa, mas limpar, varrer, essas coisas, eu fazia.

Formação Acadêmica

Minha primeira escola foi o Grupo Escolar Amadeu Amaral que fica no Largo São José do Belém. A gente ia a pé, nós saíamos em turma pra estudar. Lembro-me que eu me saí bem na escola. Quando terminei o quarto ano, tentei estudar numa escola profissional chamada Piratininga, que era do governo e ficava na Rua Piratininga. Uma espécie de Senai. Só que eu não tinha idade para entrar na escola, eles só aceitavam depois dos doze anos. Como não pude entrar nessa escola, eu fiz o quinto ano, que era chamado de admissão. Quando eu estava na admissão uns amigos meus me levaram para a Congregação Mariana de ‘Menores, que tinha ali na Igreja São José do Belém. Tinha as reuniões normais, mas também tinha um esquema de jogos, pingue-pongue e outros. Vários jovens da região passaram a ir para o Seminário, ainda adolescentes. Havia um padre italiano, que era colaborador lá da paróquia, coadjutor, ele levou um dia toda a meninada para conhecer o Seminário de São Roque. O Seminário era uma maravilha. Para entrar naquela escola precisava querer ser padre. Pra mim, tanto fazia: “vamos entrar no Seminário”. Eu fui para o Seminário. Eu fiquei em São Roque de 1951 a 1956, onde fiz o ginásio e o colegial. Depois, fiquei um ano no [Seminário] Central do Ipiranga, onde comecei o curso de Filosofia. Diferente dos amigos da vila, eu tive uma oportunidade de educação mais aprimorada. Mas, fazer seminário pra mim não era tão importante. A minha mãe dizia: “Olha, toda profissão é boa. Lixeiro, mecânico, padre.” Quando fui para o seminário ela passou a frequentar bastante a igreja. Agora, não tive nenhuma motivação da família para ir para lá. Mas foi uma decisão que eu tomei e foi muito bom para mim. Mas foi uma decisão muito apressada, porque escolher o caminho de vida aos doze anos é uma coisa complicada. No Seminário de São Roque tinha coisa boa, tinha futebol, vôlei, piscina, estudo, tinha muita coisa interessante. Quando sai, o problema era escolher o que fazer, eu não tinha muita orientação para onde ir.

Fiz um cursinho para Engenharia, mas percebi que não tinha base para Engenharia. Eu não queria fazer Direito para onde iam, normalmente, os que saiam do Seminário. Fiz um curso de Administração Racional do Trabalho, no IDORT [Instituto de Organização Racional do Trabalho], para ver como se trabalhava em uma empresa. Aí descobri que tinha faculdade de Administração. Fui atrás da GV [Fundação Getúlio Vargas], mas era muito cara. Não tinha dinheiro para pagar a mensalidade. O que eu ganhava como bancário era pouco. Aí me falaram: “Olha, tem a Faculdade de Economia da USP.” Aí fui para Economia. Fiz o vestibular e passei. Passei bem, se não me engano fui o quarto colocado no vestibular. Aí, começou outra trajetória.

Eu fui procurar fazer Administração de Empresas. Pensei na Administração de Empresa que era uma coisa charmosa que estava surgindo. Só que entrei na Faculdade de Economia e Administração da USP, que era pública. Fiz um bom curso de Introdução à Administração, outro de Introdução à Economia, que eram matérias do primeiro ano. Mas, logo em seguida veio a visão política da JUC [Juventude Universitária Católica], da chamada Realidade Brasileira: estudar o Brasil e buscar saídas para os problemas do Brasil. Então a opção foi em função disso. Quando eu passei para o terceiro ano houve uma reforma do currículo e passou a ter dois anos básicos, dois anos de Economia, dois anos Administração. E eu já fui para Economia, não era mais Administração o que eu buscava.

Octavio IanniNo ano de 1967, fui fazer pós-graduação em Sociologia do Desenvolvimento com o Octavio Ianni, lá na USP da Rua Maria Antonia. No final do primeiro ano, tinha que apresentar uma espécie de monografia e eu tinha gostado de uma aula onde ele havia falado de inflação e salário. Eu fiz um trabalho chamado: Inflação e Reivindicações Trabalhistas. Nesse período, eu e outro economista da minha turma, que era da agência Ipiranga do Banco do Brasil, nós estudávamos pela manhã. Revíamos economia, porque aquilo que a gente tinha aprendido na faculdade nos pareceu insuficiente. .Por isso, nós dois nos reuníamos para estudar. E como nós dois éramos do Banco do Brasil, guardávamos uns livretos com a lista de preços da Cooperativa dos Funcionários do Banco do Brasil. O nosso raciocínio era: “O DIEESE está fechado, mas um dia ele vai voltar. E ele vai precisar recuperar a série de preços. Então pelo menos uma parte da série de preços nós temos aqui.”

Então todo mês a gente guardava e a ideia era oferecer para o DIEESE. Fazendo essa monografia eu descobri que o DIEESE tinha voltado a existir. Fui procurar dados no Sindicato do Gás, que era onde o DIEESE estava. Peguei uma série de dados, e fiz o trabalho que o Octávio Ianni gostou muito e publicou na chamada Revista Civilização Brasileira, que era uma revista de esquerda. E ele apresentou meu trabalho para o Enio Silveira, que foi publicado na Revista.

Militância Política

No primeiro ano, quando houve a renovação do Centro Acadêmico na Faculdade de Economia, me convidaram para fazer parte da chapa. Então eu comecei já no segundo ano no Centro Acadêmico. Existia um movimento forte na universidade era a JUC – Juventude Universitária Católica, e na economia só tinha um terceiro-anista, chamado Pedro Kalil Padis que era da JUC. Ele queria ampliar o grupo e fazer uma equipe na Faculdade. Insistiu tanto que eu comecei a participar.Celso Furtado

A JUC foi uma coisa importante no movimento estudantil. Eu fui da equipe regional de JUC, que fazia a coordenação do movimento estudantil universitário em todo o Estado de São Paulo. Um grande ícone nosso era o Celso Furtado: “Olha, dá para consertar o Brasil. Vamos planejar. Tem isso, tem aquilo.” Em 60, teve um congresso da JUC do qual eu não participei, o chamado Congresso dos 10 Anos, onde pontificou uma turma da Universidade de Minas Gerais, que passou a ser grande liderança entre nós.

BetinhoUm era o Betinho [Herbert José de Souza], que era sociólogo, outro era Aldo Arantes, o Paulo Haddad, o Vinícius Caldeira Brandt e outros. A ideia do congresso era discutir a realidade brasileira. E foi uma coisa que envolveu muito levou todo esse pessoal que militava na JUC a uma posição política que depois vai desembocar nas chamadas Reformas de Base. Então essa fase é uma fase muito rica. Os paulistas que foram para o Congresso dos 10 anos, quando voltaram disseram: “Nós precisamos fortalecer aqui a nossa base de economistas. Nós não entendemos muito o quê aqueles mineiros falam, mas eles estão falando coisas interessantes. Nós precisamos refletir essas coisas aqui.” Aí procuraram muito o Kalil e a mim para sermos os fundamentadores de uma série de discussões e documentos sobre o Brasil, analisando os gargalos do nosso desenvolvimento. É daí que cresceu o chamado movimento político dentro da JUC. Como conseqüência nós começamos a disputar eleições na UEE [União Estadual dos Estudantes] e no DCE [Diretório Central dos Estudantes].

Nos congressos da JUC a gente apresentava documentos sobre a situação brasileira, análise de conjuntura. E o pessoal ia se engajando, e era um momento muito rico na política nacional. Os estudantes estavam tomando a frente da movimentação. Era uma geração que tinha de fazer alguma coisa. Eu me lembro, por exemplo, quando houve a renúncia do Jânio [Jânio Quadros], houve um movimento sério que perguntava: como fazer? Foi dado um golpe, como que a gente refaz a democracia? Então as reuniões que a gente fazia, todas escondidas, mas pensando em como tomar posições. Lembro-me de uma dessas reuniões em que o Plínio de Arruda Sampaio, que tinha sido de JUC, foi chamado para falar. Ele disse que “em 1900 e antigamente”, devia ser 1955, o Padre Lebret tinha dito para a geração dele: “Vocês têm cinco anos para estarem preparados para tomar o poder no Brasil.” E já era 1961, tínhamos perdido a chance. Então fiquei com aquela coisa na cabeça. Bem, houve a solução de conciliação no caso do Jânio [Jânio Quadros], mas o movimento estudantil estava cada vez mais forte. O Jango [João Goulart] com as posições, “uma no cravo, uma na ferradura”, que ele tinha. Mas que permitia grandes discussões. Pelo nosso lado nós começamos a perceber que: “Olha, a política não é uma coisa confessional. Então nós temos que ter um partido.” Foi daí que surgiu a chamada Ação Popular que era um agrupamento que nasceu desses militantes. Uma parte grande eram os que tinham participado ou participavam ainda da JUC. Outros eram pessoas que não aceitavam tranqüilamente as coisas do Partido Comunista e eram de esquerda. Então a Ação Popular foi essa experiência, que estava começando a se afirmar, mas acabou tendo de enfrentar a ditadura dos militares. Aí ela passou por transformações. Uma parte praticamente saiu. Porque quando ela chamou-se Ação Popular Marxista Leninista, foi um divisor de água, e uma parte foi para o PC do B [Partido Comunista do Brasil]. Essa militância foi uma questão importante. Por exemplo, o José Serra era um jovem da Politécnica, e, o que eu vou dizer, ele conta no livro que ele fez quando saiu para ser presidente, em 2002. O Serra começou como presidente da UEE. Só que o candidato do grupo era eu. Quando foi feito o conchavo das lideranças apresentaram o meu nome. Eu disse: “Olha, vocês estão loucos. Eu trabalho, minha mãe é viúva, vocês querem que eu largue o Banco do Brasil? Não vai dar para ficar trabalhando e sendo presidente da UEE. Vocês escolhem outro que eu vou continuar trabalhando no movimento estudantil, mas não preciso de cargo para isso.” Aí, o pessoal da Poli [Faculdade Politécnica da USP] apresentou o José Serra, que era pouco conhecido nas outras faculdades. Nós ganhamos com o Serra, eu participei ativamente para a campanha dele, tanto para a UEE como para a presidência da UNE.

Aldo Arantes, presidente da UNE, 1962José Serra, palanque da UNE, 1979. Foto Milton Guran

Durante o tempo da faculdade, a militância também era me preparar profissionalmente. Estava me especializado em crédito rural porque no Banco do Brasil eu trabalhava na Carteira de Crédito Agrícola e Industrial. A ideia era: “Olha, nós precisamos de alguém na área de crédito rural para SUPRA – Superintendência de Reforma Agrária, órgão da Presidência da República.” Então eu estava precisando me formar para poder ser contratado pela SUPRA. Só que a minha formatura foi marcada para o dia primeiro de abril de 1964 um dia depois do Golpe Militar, Tinha um carro de combate na frente da faculdade. Não houve minha formatura e eu também não fui procurar a SUPRA, porque o presidente foi cassado naquele movimento. Depois houve o INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], essas coisas todas, mas já dentro de outro contexto. Não em um contexto de reforma agrária como a gente pensava.

Lembro-me de um momento importante dessa época que foi a “Greve de Um Terço”. Que foi uma greve nacional que a UNE fez. A minha faculdade era uma faculdade conhecida como “de direita”. Mas resolvemos parar. Foi uma grande dificuldade. Aí, houve um debate na faculdade sobre reforma universitária. Os debatedores eram o Paulo Singer [Paul Israel Singer] e o Delfim Neto [Antonio Delfim Neto]. Cada um dizendo do seu lado. O Singer defendendo a reforma e o Delfim dizendo que a reforma era marxista. Aí eu me levantei e disse: “É marxista coisa nenhuma.” Aí, o Delfim me “esnucou”: “Mas, o que é marxismo?” E era muito para um jovem como eu dar uma aula ali. O Delfim consegue fazer isso muitas vezes. Isso marcou, porque eu não tinha elementos para retrucar de pronto. A ideia na reforma universitária é que você devia ter: um terço de alunos, um terço de professores e um terço de sociedade civil [nos órgãos colegiados]. A greve era por uma representação de um terço. Por isso chamava Greve de Um Terço. E foi uma greve longa. Não dava para continuar a greve indefinidamente. Foi um grande movimento de reflexão, sobre a universidade. Foi importante. A minha preocupação social começou quando entrei na JUC. Antes eu tinha o meu grupinho, mas não pensava socialmente. Porque era time de futebol, time disso, time daquilo. Não entrava a questão política. A questão política, inclusive, não era muito cultivada nem na minha família, porque a minha mãe era estrangeira e ela dizia: “Não dá para se meter nisso. Tome cuidado.” Meus primos, meus tios também iam na onda. E no Seminário também a questão política não era muito colocada. Não se discutia muito. Quando morreu o Getúlio Vargas, contaram o que aconteceu. Quem era aquele Carlos Lacerda. Essas coisas se falavam, mas não se fazia proselitismo. Mesmo na JUC, no princípio aquela coisa de ser apenas religiosa não me interessava muito. Mas quando entrou a coisa social, política, aí mexeu com coisas que eu gostava. O Congresso dos 10 anos mudou muito a igreja brasileira. Mexe com os outros movimentos: JOC [Juventude Operária Católica], JAC [Juventude Agrária Católica], JEC [Juventude Estudantil Católica], mas quem tinha começado tudo era a JUC. E, depois, a coisa vai avançando, chega na Teologia da Libertação, coisas mais recentes.

Depois com os bancários que inclusive, estão na origem do DIEESE, com Salvador Romano Losacco, que foi o primeiro presidente do DIEESE, teve uma grande greve em 1961 e eu apareço nas assembléias sindicais. Eu já era a pessoa que estava cuidando da parte sindical pelo movimento, dentro de uma equipe política da JUC. Por isso fui para o meu sindicato, que era o sindicato dos bancários. A greve de 1961 era de várias categorias industriais. A assembléia final foi no Estádio do antigo Hipódromo, na Móoca. Os estudantes que foram a essa assembléia, voltaram dizendo: “É um monte de pelegos, os trabalhadores queriam continuar a greve. E eles brecaram, encaminharam o movimento para a conciliação.” Foi o que se passou lá.

Na assembléia dos bancários, eu percebi também um movimento contra a continuidade da nossa greve. E nós ainda não tínhamos conseguido aquilo que queríamos. Foi feita uma votação em frente ao prédio Martinelli e ao prédio do Banco do Brasil, no começo da Av. São João. Lá tinha um andaime e o presidente do sindicato – a tendência dominante era o Partido Comunista – subiu e deu vitória para um lado. Eu estava do outro lado, com um grupo de pessoas que também eram bancárias e eram da JOC. Houve uma revolta, quiseram pegar o presidente pelego, Muitos queriam rasgar a carteirinha do sindicato. Alguns diziam: “Nunca mais!” Então nós começamos a nos organizar, dizendo: “não é assim, vamos para a Última Hora – que era o jornal que falava das causas populares – vamos lá e colocamos nossa posição.” Então fomos em grupo. Aquele grupo que tinha perdido a votação, muito embora nem todos tenham ido. A Última Hora ficava embaixo do Viaduto Santa Ifigênia, senão me engano é onde hoje fica o metrô. Aí, chamamos lá um redator para contar a versão verdadeira dos fatos.

A minha obrigação era continuar a fazer sindicalismo nos bancários. Então trabalhava na Agência Luz, onde tinha um tesoureiro, um cargo importante no banco na época, que era do Partido Comunista. Um “burguesão” simpático que disse que se eu aparecesse no sindicato com as minhas ideias ele me jogava do prédio Martinelli para baixo. Até que entrou um pessoal do deixa disso. Eu fui para o sindicato e não houve nada. Mas, a partir daí eu fiz a Comissão de Banco da Agência da Luz. E a Luz tinha uma coisa importante. Antes de cada assembléia, eu reunia o pessoal, definíamos qual a posição da Agência Luz na assembléia. E eu defendia essa posição. A nossa glória foi que quando o sindicato decretou greve, a Luz não precisou de piquete para parar, todo mundo parou. Aí, nós fomos parar o Banco de Crédito da Amazônia, que não tinha a mesma força que a gente. Nós tínhamos boas condições, muita amizade, a maioria era gente nova, era uma agência nova. Então, nós fizemos essa proeza, que aqui eu estou exaltando.

Eu continuei trabalhando na Luz. Eu ia para a SUPRA, mas depois do golpe, fiquei sem perspectiva. Pensei; “o que é que eu vou fazer? Vou ter de procurar um emprego, vou ver quando surge alguma coisa interessante.” Então eu continuei no Banco do Brasil. Nós organizamos um “Grupo dos 11”, que era a resistência do Leonel Brizola nessa agência. Tudo secreto, ouvindo a “Voz da Legalidade”, tentando ver o que acontecia com o Brizola e João Goulart, que estavam no Uruguai, para ver se voltava a democracia no Brasil. Então tinha essa militância..

Trajetória Profissional

Precisava ter uma fonte de renda quando sai do seminário. Então eu comecei a trabalhar como bancário em um banco chamado Banco de São Paulo. Que foi uma experiência boa. Na época se trabalhava seis horas, do meio-dia às seis. Então saía e ia para a faculdade. Lá pelo meio do ano, começou um buchicho de que: “Olha, vai ter concurso no Banco do Brasil, vamos prestar concurso.” Eu disse: “Banco do Brasil? Eu quero ser economista, bancário já sou.” “Não, mas Banco do Brasil paga muito bem.” Eu disse: “se paga mais pode ser uma boa coisa.” Então fiz o concurso e fui para o Banco do Brasil. Nem todos que me incentivaram a fazer o concurso passaram. Então comecei a trabalhar no Banco do Brasil. E um belo dia eu mudei o meu horário na faculdade da noite para o dia. Porque eu estava firme na política universitária, não dava para estudar à noite. No Banco do Brasil se entrava a uma, saía às sete horas, então dava para conciliar as coisas.

Trajetória no Dieese

Entrei no Banco do Brasil em 59 e fiquei até 65 quando eu fui para o DIEESE. Isso se deu da seguinte maneira. Levei um trabalho que fiz na pós-graduação para a Heloisa Martins [Heloisa Helena de Souza Martins], e disse: “o Octávio Ianni [professor] elogiou, vai publicar na revista. Eu peguei os dados no DIEESE e olha o que fiz.” Ela disse que estava fazendo uma seleção para economistas. Eu disse: “Então me bota nisso.” E aí entrei para o DIEESE, através desse convite que a Heloisa fez. Mas em seguida fui pagar uma conta em um banco chamado Nacional do Comércio. Funcionava ali na Rua Boa Vista, e no balcão estava o Salvador Tolezano, que foi presidente do Sindicato dos Bancários – ele morreu de uma maneira estranha. Ele foi jogado com uma pedra em uma represa em Sorocaba. Ele foi fazer uma palestra lá, em plena ditadura, e foi assassinado. O Conjunto dos Bancários lá no Mandaqui, Conjunto Salvador Tolezano, é uma homenagem a ele. – Mas o Tolezano disse: “Ô, Barelli, estamos fazendo uma chapa para concorrer no sindicato. Vamos tirar a junta interventora, vamos fazer uma chapa. Dá para a gente ganhar. Você não quer entrar?” Eu disse: “Puxa, você devia ter me falado na semana passada.” Porque eu tinha acabado de dar baixa na minha carteira. Então já não era mais bancário.

Eu comecei no DIEESE em dezembro de 65. Só que fui registrado em novembro de 66, a meu pedido. Teria uma redução salarial indo para o DIEESE. Saía de um emprego razoável, mas queria completar o salário através do ensino, o que depois eu consegui. Uma das coisas boas do Banco do Brasil era o plano de Previdência. Então eu fiz um pedido pra saber se poderia contribuir com a Previ mesmo estando licenciado do Banco e enquanto a resposta não vinha eu trabalhava apenas um dos trinta dias do mês, por que assim não era considerado abandono de emprego. Eu trabalhava um dia e faltava nos seguintes, esperando uma resposta do Banco do Brasil. Só que a resposta veio negativa. Quando veio negativa dei baixa no Banco e fui para o DIEESE. Acredito que foi dezembro de 65.

Lenina PomeranzA Lenina [Lenina Pomeranz], que foi diretora, foi uma das minhas professoras. Na época eu acho que ela não estava no DIEESE. Mas, como eu militava no Sindicato dos Bancários, sempre que tinha campanha salarial se falava do DIEESE. Já tinha a Revista de Estudos Sócio-Econômicos do DIEESE, cujos artigos eu acabei lendo. A gente valorizava o DIEESE. Não sabíamos direito o que era, mas era da área. Tanto assim que eu e o Aldino, que é aquele outro economista que foi do Banco do Brasil, que junto comigo guardou os preços da cooperativa para o DIEESE; não tínhamos a ideia de trabalhar no DIEESE mas sim, de resgatar a memória dos preços.

O DIEESE funcionava no Sindicato do Gás. Era uma entidade pequenininha, tinha além das pesquisadoras de preços, que acho que eram duas, a Heloísa [Heloisa Martins], a Mariana Batisch, o Rubens [Rubens Ramacciato], que era uma espécie de tesoureiro/ contador, e o Fernando que era o boy. Aí, eu entrei. Inicialmente me deram a tarefa de contar ofertas de emprego. Depois para fazer análise de balanço. A gente foi caminhando com a rotina do DIEESE. Aos poucos a gente foi encontrando novos trabalhos para o DIEESE. Escrevi um trabalho, explicando a política salarial que foi publicado no Estadão. Na época, nos cadernos de anúncios do jornal, eles publicavam artigos grandes. Então, eles publicaram esse meu trabalho com uma notinha: “Não concordamos com tudo o que está aí, mas não deixa de ser uma discussão, mostrando novos rumos que o sindicalismo está tomando.”

O DIEESE começou a trabalhar a questão da política salarial. Até então ele não fazia isso. Na época, o movimento sindical recebia um atestado dado pela Heloisa, sobre a alta do custo de vida. Era uma coisa bem burocrática: “Atesto que no período de x a y o custo de vida da classe trabalhadora na cidade de São Paulo subiu 10,11% (dez inteiros e onze centésimos).” A gente começou a mudar, dizendo: “O trabalhador perdeu tanto, então ele precisa de tanto.” E foi importante, pois isso dava rumo para todas as campanhas salariais. E foi a causa da unificação da forma de se fazer reivindicação salarial em todo o Brasil.

Crises

Das crises do DIEESE, houve algo muito ruim em 1968, em plena ditadura militar. O DIEESE não tinha como pagar o meu salário. Então, em acordo com a Diretoria, reduzi minhas horas para trabalhar meio período, que eram três horas. Para equilibrar minha situação fui trabalhar no Metrô. Quase morri. Eram onze horas de trabalho por dia, três no DIEESE e oito no Metrô, além das aulas. Mas, “antes de morrer”, eu disse: “Não.” Saí do metrô, voltei para o DIEESE e aí havia já possibilidade de me pagar por seis horas. Esse foi um momento ruim. Mas também, era um período em que o movimento sindical era vagaroso, exigia pouco. Então dava para você reduzir as atividades.

Cotidiano no Trabalho

A relação entre as pessoas no DIEESE era tranqüila, afinal éramos apenas três técnicos. Eu me lembro da Heloisa, ela trazia um pão recheado com não sei o quê, que era o almoço dela. Ela namorava com o José de Souza Martins, que era meu colega de pós-graduação. A Mariana trazia uns quibes gostosos que a mãe dela fazia – Lembro das coisas pela culinária. – O relacionamento era bom. Não tinha grandes discussões. A Heloisa falava muito do Aziz Simão e do Albertino [José Albertino Rodrigues]. Uma das coisas que começou a diferir é que eu tinha uma experiência de sindicato e sabia mais ou menos como o dirigente sindical agia, e como se posicionava. Isso facilitava meu diálogo com eles e, além disso era homem, em uma época muito mais machista. A Mariana fazia levantamento em todos os sindicatos e, apesar de ser uma grande socióloga, o trabalho dela não era muito valorizado. Mas quando precisava fazer um balanço era ela que tinha todos os dados. Era bom. Para mim, a impressão era boa. Mas ainda não era uma equipe em que as pessoas possuíam uma prática comum. Isso estava se formando. A Heloisa e a Mariana vinham juntas indicadas pelo Aziz Simão. Lembro que elas, principalmente Heloisa, queriam discutir economia comigo e eu tinha lá os meus palpites. Mas, a Heloisa ficou pouco tempo, por que ela foi convidada para ser professora na Ciências Sociais [da Universidade de São Paulo]. Logo em seguida a Mariana também saiu. Aí fomos contratando outros tipos de pessoas.

Lembro de algumas pessoas que foram contratadas. Quem trouxe a Annez Andraus [Annez Andraus Troyano] foi a Heloisa. Lembro que ela disse: “tem uma menina lá no Centro Acadêmico da Ciências Sociais que vamos trazer para o DIEESE, nós estamos precisando de alguém.” Aí veio a Annez. Em seguida veio a Cecília Comegno [Maria Cecília Comegno] que era amiga da Annez – que hoje está no SEADE [Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados]. No início, os amigos foram trazendo os amigos. E a Cecília assumiu uma parte do trabalho que eu fazia que era o acompanhamento de ofertas de emprego. Em seguida, foi contratado um outro estudante de Economia, que se chamava Antonio do Nascimento, porque os trabalhos estavam começando a crescer. Estávamos começando a pesquisa de 69 e 70; o Albertino, que tinha sido diretor do DIEESE entre 1956 e 1961 (data aproximada) tinha voltado da França e passou a dirigir essa pesquisa, já que tinha recusado a ser diretor técnico do DIEESE. A Annez trabalhava como assessora dele para se preparar para outras pesquisas que o DIEESE viria a fazer. O Antonio era uma espécie de factótum, “segurando a peteca” quando eu ou ela não estávamos.

Em seguida vieram dois economistas através do Sato [Ademar Sato]. O Sato começou a trabalhar no DIEESE dando curso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. E aí ele disse: “tenho dois alunos bons – ele era professor na Economia da USP – que a gente precisaria colocar no DIEESE.” Então, “nos apertamos um pouco” e entrou o Mauricio [José Maurício Soares] e o César Henrique Concone. Esses foram os que entraram nesse período de formação de uma nova equipe, vamos dizer assim. O Antonio saiu porque casou com uma professora em Bauru e mudou-se para lá. Os outros continuaram e foram praticamente a base do DIEESE até 1990.

Educação/Formação Sindical

Com relação ao movimento sindical eu pensava o seguinte. Para a gente fazer política e, principalmente, fazer nucleação, é preciso descobrir o que motiva as pessoas. Por exemplo, no movimento universitário, essa motivação normalmente estava ligada ao restaurante, se tinha comida estragada ou coisas desse tipo. Isso dava para você fazer uma bela greve. A mesma coisa acontecia no movimento sindical. Apesar de proibidos, os sindicatos conseguiam unir trabalhadores sempre que pensavam nos seus problemas concretos. Essa experiência vinha do meu trabalho de ação católica, que a gente sabia como ir no “ponto” e organizar a partir deste “ponto” uma atividade. Eu achava que era por aí que devia acontecer também no movimento sindical.

Houve uma pessoa que acompanhou muito o nosso trabalho, e que eu sempre chamei de ‘meu professor’ – aliás, o neto dele está no DIEESE hoje. Tratava-se do Miguel Huertas, que era um dirigente sindical diferenciado. Acreditava no DIEESE, e dava as dicas pra gente, indicando como deveríamos fazer as coisas. Ele mostrava esses “pontos”. Isso pra mim era mais fácil por causa das assembléias sindicais que eu havia participado. O Miguel mantinha cursos no Sindicato dos Metalúrgicos e eu era um dos professores, a Annez era outra e o Sato também.

Lá a gente percebia como deveria transmitir as coisas para os trabalhadores, em uma época em que não se podia abrir a boca, afinal era ditadura militar e havia a possibilidade de ser preso a qualquer momento. Então, como andar nessa corda bamba? A nossa discussão era por aí. Havia uma outra coisa. A Annez vinha de uma militância política na POLOP [Política Operária], um grupo forte na Filosofia da USP, então ela sabia distinguir as coisas. Eu tive a experiência no movimento sindical bancário. O César, além de ser estudante de Economia, era químico e já havia trabalhado muito dentro de empresa, por isso ele entendia os problemas de um ambiente de trabalho. Já o Mauricio trazia uma outra vantagem, que era ter participado de um movimento de alfabetização popular e sabia como se deveria falar com o trabalhador. Essas experiências juntas facilitaram. Além disso, o grupo sabia que precisávamos estar unidos porque estávamos no mesmo barco, se caísse um, iriam cair todos.

Tratava-se de verificar mesmo como fazer as coisas. Por exemplo, o Sato deu um curso e distribuiu uma apostila. Na apostila ele fazia uma pirâmide social, na qual desaparecia a classe média. Então, passava a ter somente: patrões e operários. Apesar de todos os cuidados, o material caiu na mão do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] que veio prender quem tinha feito aquilo. A sorte foi que o Joaquinzão [Joaquim dos Santos Andrade] disse: “quem deu o curso fui eu.” Ele discutia com o pessoal do DOPS, pois tinha “as costas mais quentes”. Com isso ele acabou salvando o Sato, mas indicando para nós uma das coisas que o Miguel Huertas dizia: “você pode falar tudo. Mas, você não pode escrever nada.” Então, por exemplo, você ia dar um curso de mais valia, você ensinava o que era mais valia, mas não escrevia. Porque isso poderia ser visto como doutrinação.

Outra coisa que eu trouxe da JUC era a questão das reuniões. Então a gente se reunia, trocava ideias, fazia as avaliações. O trabalho em equipe foi uma marca muito importante, porque aproximava todo mundo. E isso foi uma coisa que funcionou durante muito tempo no DIEESE. Ali, nenhum era maior que o outro, o que existia era o grupo, que se tornou a espinha dorsal do DIEESE . Havia uma ideia que era: “quem faz política é o dirigente sindical. Nós interpretávamos do ponto de vista “técnico”. Mas, nós sabíamos que estávamos fazendo política e, como em cada momento, usar o termo que deveria ser falado. Por exemplo, a esquerda tinha os seus chavões. A gente fugia dos chavões. Eu falei aqui: “mais valia”. Mas, só falava em “mais valia” se alguém levantasse no grupo. E se os militantes de organizações de esquerda falassem o que era “mais valia”, a gente dizia: “Isso que eu estou chamando de lucro é o que você está chamando de ‘mais valia”, lucro era light. Então a gente podia passar os conceitos importantes sem fazer de uma maneira que colocasse em risco o aluno e o departamento também. Foi assim que a coisa se deu.

1º de Maio de 1968

O DIEESE teve um pouco de influência para o surgimento do MIA [Movimento Intersindical Anti-arrocho] porque ele estava começando a mostrar as perdas que os trabalhadores tinham sofrido. E todas as categorias tinham perdas. O presidente do Sindicato dos Bancários foi quem começou, depois quem ficou responsável foi o Joaquinzão, mas o movimento foi congregando as pessoas, porque estava na hora de mudar aquela política salarial, ter um outro tipo de comportamento. Ao mesmo tempo, estavam surgindo reações dentro das fábricas, através de alguns movimentos, muita gente foi presa. Só através dos arquivos do DOPS vamos poder reconstituir essa história. Mas, por exemplo, estava surgindo o Zé Ibrahim [José Ibrahim], no sindicato [dos metalúrgicos] de Osasco e havia um grupo, da chamada Oposição Bancária que era contra a direção do sindicato, que era dirigido pelo Partidão [Partido Comunista Brasileiro].

Os sindicalistas organizam o 1º de Maio na Praça da Sé, em frente ao Fórum Mendes Junior. Nesse 1º de Maio ocorreram vários fatos políticos: o Sodré [Abreu Sodré] era governador e quis “aparecer”. O movimento sindical, naquela ideia de conciliação de classes, dizia: “É bom que ele vá, por que dá respaldo para o que a gente vai fazer.” Foi construído um palanque para comemorar o Primeiro de Maio. E “lá pelas tantas” começam a jogar pedras e paus no pessoal do palanque. Foi uma radicalização da oposição sindical, do grupo do Ibrahim e da Oposição Bancária, que foram os que mais apareceram.

Tinha surgido um dirigente sindical novo, que era um médico do SENALBA [Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação Profissional]. Esse médico estava no MIA, falando em reconstruir o movimento sindical. Mas, no 1º de Maio ele estava no palanque e os filhos dele estavam juntos com aqueles que estavam xingando e jogando pedras, nele, inclusive. Havia um grupo de dirigentes sindicais, achando que podia ser feita uma transição e outro grupo que dizia: “não, precisamos radicalizar.” O pessoal que estava no palanque, vai para o Sindicato dos Metalúrgicos e continua lá o Primeiro de Maio, com a falação de alguns. E o grupo do Ibrahim e o pessoal da Oposição Sindical Bancária, saem pela Rua Direita, vão até o Citibank, quebrando vidros das agências.

No 1º de Maio anterior repeti uma palestra em que mostrava as diferenças do Brasil como colônia de exploração versus uma colônia de povoamento, como os Estados Unidos. O velho esquema do Celso Furtado. E a partir dali dava para o pessoal entender o que estava acontecendo com as fábricas, como foi a vinda da indústria automobilística para o Brasil. Era uma história econômica, de preparação para a política. Eu já tinha feito isso em ambientes de Congresso de Metalúrgicos. Em um ano que não ia ter comemoração o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo me convidou para fazer essa palestra para o Primeiro de Maio. Não falei do Primeiro de Maio em si, mas da formação econômica do Brasil, da formação do proletariado, essas coisas. Sempre com muito cuidado. Nada disso foi motivo de intervenção em sindicato. Acho que o movimento sindical estava meio morto, e uma palestra de uma pessoa do DIEESE não chamou atenção do governo. A principal comemoração sempre era no Sindicato dos Metalúrgicos. E a principal foi essa em que eu fui o protagonista.

Manipulação de Índices

O DIEESE era bem visto pela esquerda. No ambiente universitário era tranqüilo também. Entre os trabalhadores o reconhecimento era crescente porque aprendemos a falar a linguagem que ia bem nas assembléias. Na imprensa sindical ele tinha espaço, sempre. Eu me refiro à imprensa sindical dos grandes jornais, também. A coluna sindical da Folha, [Folha de São Paulo], da Última Hora, do Estado, [O Estado de São Paulo], nesse, um pouco menos, mas o Estado sempre publicava o índice de custo de vida do DIEESE. O DIEESE tinha uma respeitabilidade, porque as empresas precisavam ter parâmetros, por isso, elas usavam o nosso índice e elas vinham comprar aqui, vendíamos numa folhinha de papel por algo equivalente a 10 reais.

Quando o Banco Mundial publicou algumas tabelas dizendo: “para 1973 não usamos os dados oficiais, mas, uma estimativa que é a mais correta [elaborada pelo DIEESE]. Foi a glória. O Herbert Levy, político paulista de direita, da UDN [União Democrática Nacional], depois da Arena [Aliança Renovadora Nacional] e Fundador da Gazeta Mercantil, fez um discurso na Câmara, dizendo o seguinte: “Então, aquele tal de DIEESE estava certo?”Anos depois, na década de 80, acabei encontrando com ele em algumas solenidades. Ele sempre me tratava muito bem porque, é “aquele tal do DIEESE” que tinha mostrado a verdade. E os militares é que estavam errados. Ele tinha uma “gana” com o Delfim Neto [Antonio Delfim Neto]. Porque quem manipulou os índices foi o Delfim Neto, ou a turma do Delfim. E aí começou aquela briga.

O movimento sindical, mais uma vez, dividido. Porque o primeiro que viu o negócio, falou: “Se o índice estava errado, nosso salário está errado.” Foi o presidente do Sindicato dos Bancários da época, e em seguida o Lula [Luiz Inácio Lula da Silva], não sei se foi no mesmo dia. Todos os sindicatos começaram a pedir trabalhos para o DIEESE. Nós fizemos uma linha de produção aqui. Porque, o cara do Amazonas queria saber: “Quanto eu perdi?” O cara do Rio Grande do Sul, também. Foi um trabalho grande. E o Governo Federal tentou calar o movimento sindical de uma forma mais nobre, buscando o diálogo. Então chamou uma reunião em um prédio da Av. Faria Lima, para a qual veio o João Paulo dos Reis Velloso e o Mário Henrique Simonsen. Então lá a gente discutiu “o que era, como era, como não era”. Mas acabou não dando em nada. Mas ficou aquilo presente e quando estouraram as greves tinha lá a perda dessa manipulação dos índices, que era uma das perdas, porque não foi a única.

Os trabalhadores foram perdendo continuamente, em termos de política salarial. Enquanto durou política salarial, praticamente, sempre houve perdas. Falei que o Barelli e Joaquinzão, 1977movimento estava dividido, porque o Joaquinzão abriu um processo na Justiça Federal, reivindicando as perdas. E o Lula, que estava surgindo como líder sindical autêntico, disse: “nós não vamos entrar com processo, nós vamos recuperar isso ao longo do tempo. Então nós vamos recuperar os 34,1%, que era a perda do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, nas nossas campanhas salariais”. Só que ele esqueceu. Ele é presidente, se ele quiser, eu lembro que ele falou que ia recuperar. O processo do Joaquim foi para a frente. Foi feita uma perícia, nós tivemos sorte ao descobrir as publicações onde o IBGE tinha manipulado os números, nos porões do Ministério do Trabalho, em Brasília. Foi um trabalho franciscano. Franciscano não, beneditino. Eu fui o auxiliar do perito, mas quem acabou fazendo a coisa toda fui eu e a Annez. A juíza deu vitória para o Sindicato dos Metalúrgicos. Mas, quando o Governo Federal perdia, apelava-se para o tribunal acima, via ofício. E aí eu perdi o contato com esse tipo de coisa, ninguém mais foi atrás. Mas foi um negócio importante. Primeiro, porque o governo havia confessado isso, para nossa vergonha, porque foi um documento internacional dizendo: “as estatísticas de vocês [brasileiras] não prestam.” Só aquele tal de DIEESE que está certo, segundo o Herbert Levy. Segundo, porque foi um período importante de crescimento do movimento sindical, das primeiras greves em 78, do novo movimento grevista. A expansão do DIEESE também se deu em cima disso. O pessoal precisava de dados de imediato, como tinha que ligar para São Paulo, era interurbano, não existia fax. Foram sendo multiplicados, então, os escritórios do DIEESE nos estados.

CONCLAT

Esse processo deu unidade ao movimento sindical, através das lutas comuns. Em função disso, houve a CONCLAT, que foi a 1ª Conferência das Classes Trabalhadoras, cuja figura maior foi o Hugo Perez, presidente do DIEESE, que desafiou o Geisel em uma entrevista: “se os empresários podem fazer congressos, por que é que nós não podemos?” E aí foi autorizado fazer. E foi um grande Congresso. Que terminou em conciliação, mas que depois levou às centrais que estão aí hoje. Depois, dentro de tudo isso também, surgiu o Partido dos Trabalhadores, que a origem está no Congresso de Lins, da Federação dos Metalúrgicos [do Estado de São Paulo].

Anteriormente, o Ministério do Trabalho investigou a relação do DIEESE com os sindicatos. O Barata [Julio Barata], que era Ministro do Trabalho, chamou todos os delegados regionais do ministério e disse: “se aparecer na prestação de contas do sindicato contribuição para o DIEESE, vocês intervêm no sindicato.” Então como que o DIEESE se safou? O Delegado Regional do Trabalho de São Paulo – não me recordo o nome – ignorou a determinação. Ele era um cara pró-governo, mas ele tinha aprendido a lidar com o movimento sindical de São Paulo e sabia que se ele fizesse alguma coisa nesse sentido, o Joaquim era capaz de derrubá-lo. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo era o maior sindicato do Estado. Antes desse delegado, o Joaquim tinha chamado um general, quando ele era Delegado Regional do Trabalho, de “general de pijama”. A ditadura “encaixava” essas tiradas do Joaquim.

Arnaldo Gonçalves, ao microfone, e Hugo Perez, atrás, na Conclat, 1981Mas, o delegado do Trabalho de Minas perseguiu os filiados ao Dieese. Nós tínhamos alguns sindicatos fortes em Minas Gerais. Como resolvemos o problema? O DIEESE tinha como sócio o Departamento Profissional dos Metalúrgicos, composto pelas federações e sindicatos dos metalúrgicos mais importantes do país – dos estados de: São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia. Esse departamento era uma estrutura criada no interior da CNTI [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria]. O responsável pelo Departamento Profissional era alguém do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Não me lembro o nome da pessoa, não sei se era o próprio Joaquim. Qual foi a saída? Os sindicatos mineiros pagavam para o Departamento Profissional, que passava o dinheiro para o DIEESE. Então deu para viver apesar das ameaças. Mas, sempre o DIEESE sobreviveu aos trancos e barrancos. Recebemos salário atrasado, por várias vezes. Era um problema sério. Nas assembleias, a primeira coisa que o sindicalista pensava em cortar era a verba para o DIEESE. O tesoureiro dizia: “Tenho que cortar. Não vou cortar o dentista, não vou cortar o médico, vou cortar o DIEESE.” Não sei se ainda é assim. Parece que melhorou um pouquinho, mas não muito.

A montagem de alguns dos congressos anteriores à CONCLAT [1981] contou com a colaboração da equipe técnica do DIEESE, junto com a assessoria jurídica dos sindicatos. Eu me lembro do Congresso dos Eletricitários, que foi dessa maneira, o Congresso dos Metalúrgicos de São Paulo, que também foi dessa maneira. O Congresso da Federação dos Metalúrgicos foi diferente, o jurídico tinha lá sua maneira de ser. Mas, eles aprenderam também com os Congressos dos Metalúrgicos do ABC. Os Congressos dos Metalúrgicos de São Bernardo desse período também contaram com nossa participação, nos três primeiros congressos. Estava a Annez [Annez Andraus Troyano], o Cesar [Cesar Concone] e eu.

Eu fui preso em 1979. O Figueiredo [João Batista de Oliveira Figueiredo], tinha ido à Florianópolis e resolveu passar numa praça “pra tomar café com o povão”. Só que as pessoas começaram a xingar e ele quis “sair no braço” com o pessoal, chegou a repressão para segurar, foi uma confusão. Em seguida ele veio a São Paulo. E no dia que ele chegaria aqui, foram “recolhidas” algumas pessoas. Era um dia de “calor do cão”. Eu estava andando de bicicleta sem camisa, na minha rua. Nisso, vem um fusquinha “fuleiro”. Eu olho, faço um sinal, achei que era um dos pedreiros de alguma reforma de um vizinho. O carro para na porta da minha casa, desce um cara, e diz: “O senhor tem que acompanhar a gente. Nós somos do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social]. O senhor está sendo convocado.” Eu disse: “Olha, eu conheço o Romeu Tuma, diz para ele que eu vou até lá. Vocês não precisam me levar. Eu tenho que levar meus filhos à escola, depois eu me apresento. Não tem problema.” Fiquei argumentando com eles. Aí, um deles falou: “Ou o senhor vem por bem ou vem por mal.” Então eu disse: “Mas, eu vou assim, sem camisa?” E ele diz: “Não, o senhor pode tomar um banho, se vestir.” Na verdade, eles queriam que a minha prisão fosse anunciada. Na época, todos os que tinham atividades perigosas – e trabalhar no DIEESE era perigoso – tinham os seus códigos. A Lurdinha [Lourdes Barelli] tinha ido à padaria. Na volta ela nem liga muito para os caras que estavam na porta. Quando ela me vê, eu digo: “eu estou indo com eles.” Ela disse: “o que é isso?” E eu repito:“estou indo com eles.” Demorou para “cair a ficha” que eu estava sendo preso. Aí, eu disse: “avisa o pessoal.” Ela sabia que se acontecesse qualquer coisa comigo, quais dirigentes e deputados ela tinha que avisar. O deputado Almir Pazzianotto era um, o deputado Suplicy [Eduardo Matarazzo Suplicy] era outro.

Me levaram para o “porão do DOPS “, e lá estava um antigo dirigente, que foi presidente ou vice-presidente do sindicato dos metalúrgicos, o Afonso Delelis. Eu sento ao lado dele e ele diz: “Barelli, te prenderam? Eu já fui preso 14 vezes, mas desta vez o negócio é sério. Se te prenderam, é sinal que a coisa está muito séria.” Aí começam chegar uns estudantes trotskistas. Ele olha e diz: “Prenderam aqueles? Retiro o que eu disse, nós vamos sair daqui hoje.”

“Dito e feito”. O que acontece? Me chamaram para o gabinete do diretor do DOPS, o Romeu Tuma, que não estava, pois tinha ido dar proteção ao Figueiredo. Eu entro e um cara, um delegado famoso, que eu esqueci o nome, diz: “Professor, aconteceu um lamentável engano! Não sei o que aconteceu, mas isso é um lamentável engano. Não se considere preso, o senhor fique à vontade” Eu disse: “Mas se eu não estou preso, eu quero ir embora para a minha casa.” Ele disse: “Não se considere preso, nós só estamos aguardando a liberação, do nosso delegado. Estamos entrando em contato. O senhor pode sentar, pode telefonar para quem o senhor quiser, pode ler jornal.” Ligo para a minha mulher e digo: “Eles disseram que foi um lamentável engano, que eu estou detido e que eles estão ligando para o Tuma para ver se me soltam.”

Aí começa a chegar gente. Chega o Almir Pazzianoto, dali a pouco, vem o Suplicy. Aí, o Suplicy diz: “vamos ao aeroporto esperar o Figueiredo e falar para ele [sobre] essa coisa.” Os dois vão para o aeroporto. O Figueiredo desce [do avião], e o Suplicy do jeito dele, diz: “presidente, penderam o Walter Barelli!” Quem é o Walter Barelli para o Figueiredo? Um segurança dá uma “gravata” nele, o Figueiredo sai andando e acaba. O Suplicy volta depois e conta essa história pra mim. Aí, começam a chegar os dirigentes sindicais. Chegam os três sindicalistas do ABC: o Lula [Luiz Inácio Lula da Silva], o Marcílio [Benedito Marcílio] e o Lins [João Lins]. Depois, chega o Gilmar Carneiro e um outro diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo e ficam fazendo “chacrinha”, contando coisas. Ao mesmo tempo, o Hugo Perez, que tinha ido ao Rio de Janeiro, chega no Rio, põe o pé no solo, quando dizem: “O Barelli está preso.” Ele pega o mesmo avião e volta para São Paulo. Os dirigentes sindicais que não foram ao DOPS, foram para o DIEESE, que na época era no Sindicato dos Marceneiros, aguardar em “vigília cívica”. Por volta de duas e meia da tarde chega o Tuma e diz: “foi um lamentável engano.” Mandam-me descer para a porta do DOPS e me liberam.

Minha prisão foi a primeira do período da chamada redemocratização. Durou pouco. Não teve tortura, a não ser a moral. Teve uma solidariedade muito grande do pessoal. Agora, a análise é a seguinte: foi uma operação de Estado Maior [das Forças Armadas]. Foi uma operação do DOI-CODI [Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna], responsável por uma série de mortes. Ele tinha sido mais ou menos desmobilizado, mas, foi reativado para fazer uma “operação protege o presidente.” Porque a ideia deles era: prendendo o Delelis, eles prendiam a oposição sindical inteira, porque o Delelis tinha todas as ligações com a oposição sindical. Prendendo o Barelli, prendia o movimento sindical. Prendendo os trotskistas, prenderia também os estudantes. Ou seja, todo mundo ficaria mobilizado para tirar o Delelis, para tirar o Barelli, para tirar os estudantes da prisão. Todos saíram naquele dia, não sei se os estudantes saíram na noite ou na manhã seguinte. O Delelis saiu mais ou menos seis horas mais tarde.

Avaliação/Dieese

O DIEESE era chamado de central sindical dos trabalhadores. Porque o DIEESE, apesar de inexistente na estrutura sindical, reunia as lideranças de todas as categorias independentemente de confederação. Então, ele estava fora da estrutura sindical. E era efetivamente central sindical, porque os movimentos nasceram aqui e o DIEESE é fruto de um movimento intersindical.

A fundamentação de todas as coisas dos movimentos, até aparecerem as centrais, acontecia aqui. Porque na Diretoria do DIEESE estavam os líderes do movimento sindical. Se não me engano, na eleição do DIEESE de 78 teve três chapas. Porque todo mundo queria ser da direção do DIEESE. Não tenho certeza sobre os integrantes de cada chapa. Sei que eram três chapas. Numa chapa, que eu acho que ganhou, estava o Hugo Perez, mas nessa chapa estavam também uma série de outras pessoas que iam fundar a CUT, acho que o Jacó Bittar integrava a chapa. Na Chapa 2, se não me engano, estava o Lula, não como presidente. A Chapa 3 era presidida pelo Olívio Dutra. Então, os dirigentes que fundaram o PT e a CUT, estavam distribuídos nas três chapas, as tendências não eram bem definidas como hoje. Existiam outros dirigentes importantes. O João Carlos, dos Petroleiros, tinha o Arnaldo [Arnaldo Gonçalves, do metalúrgico de Santos, o Benedito Marcílio. No Rio Grande do Sul não tinha só Olívio, tinha os dirigentes do sindicato da alimentação. Em Minas Gerais, não tinha só o João Paulo [João Paulo Pires, de João Monlevade], havia o pessoal do sindicato dos Jornalistas. No Rio de Janeiro, eu me lembro bem do João Carlos, o “Negão” da Petrobrás, dos eletricitários, da Federação dos Metalúrgicos, dos Aeronautas etc.. Me lembro também que havia sindicalistas da Bahia, de Brasília. Eles se dividiam na constituição das chapas, mas não por facção política. Pelo menos não dava para perceber desse jeito. Montavam e apresentavam as chapas, uma delas ganharia, mas todos continuaram tranquilamente no DIEESE, e gozando uns dos outros: “eu não deixei você ser diretor do DIEESE, porque eu votei na outra.” Brincadeira de dirigente sindical que, de vez em quando, é criança também. Então, o DIEESE era a central sindical. O que acontece, quando se formam as centrais sindicais?

Antes, a Diretoria do DIEESE dava as coordenadas ao movimento sindical, não como diretor do DIEESE, mas como sindicato importante. Quando surgem as centrais, os dirigentes principais ficam na Central e nem sempre mandam o primeiro time para a direção do Dieese. Então, com isso, de vez em quando, o DIEESE sofreu. Quando eu estava saindo do Dieese, aconteceu um desses casos. Era a primeira vez que a diretoria tinha dirigentes sindicais liberados (eram funcionários de empresas publicas) e o sindicato deles conseguiu que eles ficassem à disposição do Dieese. Só que eles não sentavam na mesa de decisão tanto dos sindicatos deles e muito menos nas Centrais. No Dieese, eles passaram a querer interferir no andamento dos trabalhos técnicos. Eu já tinha decidido a sair em dezembro de 1989. Como esses diretores começaram a desconfiar dos técnicos eu escrevi uma carta que seria enviada aos sócios em que defendia a integridade técnica e ética dos funcionários que tinham dado a vida para o Departamento. Houve uma assembleia onde eu apresentei uma carta e o Gilmar Carneiro tentou por “panos quentes” na situação: “nós vamos fazer uma reforma geral, fazer um novo Estatuto…Mas seria importante você ficar mais uns três meses para dar tempo de fazer a transição” Aí eu aceitei, senão era uma crise instalada muito séria.

Foi um período que levou a um novo estatuto do Departamento e a uma transição mais tranquila. Saíram comigo, a Annez e o César, os mais antigos técnicos do Dieese, ambos com uma história que deveria receber as homenagens sinceras dos trabalhadores.

A razão da minha saída do Dieese foi a seguinte: na eleição de 89, no segundo turno, o Lula criou equipes de programa de governo. E me colocou em uma das equipes. Se ele me perguntasse eu não aceitaria. Mas ele fez como fato consumado e, eu não aceitar significaria, talvez, alguma coisa contra a candidatura dele.

Durante todo esse período, fui muito amigo do Lula. Ele sabia que eu não ia entrar no PT e a gente se encontrava razoavelmente, e quando eu estava no DIEESE, quase sempre. Mesmo quando ele saiu do sindicato. Mas era contra o compromisso que a gente tinha como DIEESE, ou seja, não participar de política partidária para não fechar o espaço de trabalho do DIEESE, que era plural. Eu disse: “eu tenho de sair do DIEESE, porque estou sendo forçado a agir politicamente, partidariamente.” Na condição e membro da equipe da Frente Popular eu tive encontro com os ministros, em Brasília, umas duas ou três vezes. Buscar dados, organizar e dar declarações. O Sarney tinha liberado os ministros para, no segundo turno, atenderem as solicitações da equipe do Collor e da equipe do Lula. E foi assim que eu saí do DIEESE. O Lula criou o Governo Paralelo. Eu fui responsável pela pasta de Economia. Fiquei o tempo todo até ir para o Ministério, trabalhando no chamado Governo Paralelo. Que não era unipartidário. Era a tal Frente Popular. Tinha o pessoal do PSB, alguns que se diziam do PDT. Mas aí a história não tem mais nada a ver com o DIEESE.

Avaliação/Trajetória de Vida

Eu acredito em uma frase do Celso Furtado: “Você tem duas maneiras para fazer política, uma, entrando em um partido político, e aí cumprindo as tarefas. Subindo na hierarquia ou não. Sendo um militante decente do teu partido. E a outra, é sendo um bom profissional.” Eu vim para o DIEESE quando saí de uma organização, que era um partido político que era a Ação Popular, (eu fui afastado, em um processo meio neurótico; na época, o pessoal que vivia na clandestinidade não tinha porque serem os mais equilibrados do mundo). Mas, saí, saí de um partido, que nós queríamos que fosse um partido. E fui para um lugar onde eu tinha de exercer minha atividade profissional. E, foi onde eu me realizei. Então levo isso para frente, ao longo da vida.

Eu recebi, um antigo ministro do Trabalho nos Estados Unidos, que veio visitar o DIEESE em uma missão. Ele não era mais do governo americano. Ele tinha sido responsável pela recuperação do Japão, um economista, E ele disse: “as pessoas que estão mais em condições de exercer cargos de governo, são os que passam pelo mundo do trabalho.” E é verdade. Porque em uma situação como o DIEESE você é obrigado a pensar de uma forma mais ou menos holística, são vários interesses. Você tem de fazer opções. Você tem de negociar. Você tem de negociar para ter os apoios. E tudo isso é o que se usa quando você é governo. Então a experiência no DIEESE foi importante para a atividade de Ministro do Trabalho, de Secretário de Emprego e Trabalho e do Estado de São Paulo também. Para deputado não, a minha experiência trazida do DIEESE foi muito pequena para isso.

O fato de você ter trabalhado no DIEESE, com um leque de categorias, de opções, de problemas, praticamente quando se fala de álcool, eu sei do que se trata e as influências do álcool. Controle de natalidade eu sei o que é e como é. Se é importante, se não é. Siderurgia, gargalos de desenvolvimento. E vai por aí afora. Porque tudo isso a gente teve de enfrentar em ponto pequeno ou em ponto grande, como diretor do DIEESE.

Fonte: Depoimento gravado no ano de 2006 pelo Museu da Pessoa e hospedado no site http://memoria.dieese.org.br/museu

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