09 set 2016 . 09:29
Por Carolina Maria Ruy
O Centro de Memória Sindical, instituição intersindical, sem fins lucrativos, independente, atua como um centro de pesquisa, na difusão e produção, na preservação da memória oral, com a realização de entrevistas e coleta de depoimentos de histórias de vida. Temos arquivado vários depoimentos de sindicalistas importantes, muitos que já morreram, como Gregorio Bezerra, Affonso Delelis, Joaquim dos Santos Andrade, entre outros. E agora, com essa retomada do Centro voltamos a coletar esses depoimentos, seja como parte dos projetos, com depoimentos mais focados na história dos Sindicatos, seja para nosso arquivo, como é o caso do depoimento que coletamos do Derly José de Carvalho, fundador do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Divulgamos também depoimentos daquele projeto dos 50 anos do Dieese (Memória Dieese), como os de Hugo Perez, Valter Barelli, Monica Veloso e Lenina Pomeranz.
E o Centro de Memória também presta serviços para entidades sindicais, realiza projetos de resgate histórico. Desde 2010, quando fizemos a mudança da sede do Sindicato dos Têxteis, para o Sindicato Nacional dos Aposentados (ganhamos um espaço do presidente João Inocentini) já realizamos: Duas exposições fotográficas sobre a história da Força Sindical, o
livro da Força Sindical, que saiu pela Editora Geração; duas exposições fotográficas e também um livro sobre os 70 anos do Sindicato dos Telefônicos do Estado de SP; e uma exposição fotográfica sobre a Imigração Italiana em SP, que também se tornou um livro com as fotos da exposição, que circulou nas principais estações de metro da cidade e também foi apresentada na Embaixada do Brasil em Roma, na Itália. Agora estamos trabalhando no projeto sobre os 50 anos do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.
Em resumo o Centro de Memória Sindical é um espaço de pesquisa e debates, que tem como causa primordial demonstrar que a história é feita, antes de tudo, pelos trabalhadores. A base das ações do CMS é a compreensão do mundo do trabalho em suas dimensões histórica, sociológica e simbólica.
Como o CMS foi criado
Sobre a história do Centro eu fiz uma entrevista com o Sergio Gomes da Oboré, que é um dos fundadores e ele disse o seguinte:
Quando ocorreram as greves pela reposição salarial em 1978, partindo de São Bernardo, para todo o ABC, e para SP, Osasco, Guarulhos etc ele, junto com um grupo de jornalistas fundou a Oboré, que é uma “cooperativa de jornalistas” que trabalhava para o movimento sindical e cobriu aquelas greves. A ideia, segundo o Serjão, era que a Oboré fosse uma imprensa ativa, participativa, que influenciasse nos debates dos sindicalistas e não apenas registrasse as notícias.
Então eles juntaram um grupo de jornalistas, pesquisadores e afins, e fizeram entrevistas com pessoas que participaram da greve. E com esses depoimentos eles fizeram um livrinho que chama “A Greve na Voz dos Trabalhadores”.
Depois do livro pronto, eles resolveram arquivar esse material todo, as fitas, as transcrições, tudo e continuar fazendo depoimentos com sindicalistas que topassem a dar depoimento. Lembrando que ainda era época da ditadura militar e, por causa da perseguição política nem todo mundo topava gravar entrevistas.
A partir disso se formou um grupo que criou um Movimento pela fundação do Centro de Memória Sindical, do qual fazia a parte a Carmen Evangelho, que colabora até hoje com o Centro. A ideia era que quando eles tivessem 10 sindicatos apoiando, e pelo menos 200 horas de depoimentos gravados, eles iam formalizar a fundação do Centro de Memória. Todo esse movimento durou de 1978 a 1980. E o Centro de Memória foi fundado no dia 14 de junho de 1980, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que era na Rua do Carmo, com apoio do presidente Joaquinzão.
O Hugo Perez, que era do Sindicato dos Eletricitários e presidente do Dieese, foi o primeiro presidente. Depois tiveram as gestões do Antonio Toschi, do Cláudio Magrão, que foram presidentes do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, e do Milton Cavalo, que é o presidente atual e é também tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.
A ideia era que o CMS funcionasse como uma instituição intersindical, que presta serviços para os Sindicatos, como o Dieese e o Diesat (criado no mesmo ano) e que, como o Dieese e o Diesat, fosse mantida pelos sindicatos.
O CMS fez algumas publicações nesta época, como o livro do 1º de maio de José Luiz Del Roio e a publicação da Crônica Subversiva do
Astrojildo Pereira (fundador do PCB em 1922). E isso se manteve até o inicio da década de 1990. Depois disso o CMS passou aí por um período de ostracismo até ter esse resgate a partir de 2010.
Importância do nosso trabalho
O CMS vive esse processo de resgate dentro de um contexto geral, nacional, de resgate da memória. Pode-se dizer que a sociedade passou muitos anos sem dar a devida atenção aos seus arquivos e à sua memória.
Quando nós fomos entrevistar o Derly José de Carvalho, por exemplo, ele disse que só em 2011 ele foi procurado pela primeira vez por um pessoal do departamento de recuperação da memória do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, para falar de sua história. Imagina, um cara que foi fundador do Sindicato quase dez anos antes do Lula aparecer, foi do Grupo dos 11 do Brizola, participou da campanha da legalidade pela posse do Jango em 1961, foi do PCdoB, da Ala Vermelha, fez treinamento na China e na Albania, foi trocado pelo embaixador suíço em 1970, enfim, com toda essa história ele nunca tinha tido seu depoimento registrado. Isso só aconteceu de 2011 para cá.
Resgatar a história dos trabalhadores é fundamental para ajudar a formar a identidade dos trabalhadores como um grupo organizado e atuante na sociedade, que é capaz, com a sua força, de mudar os rumos da história, como já aconteceu em 1968, em 1978, nas marchas com o salário mínimo, etc. Além disso, o acervo tem um valor informativo e documental único, que pode ser usado como provas e registros e pode contribuir para o desenvolvimento da Comissão da Verdade. E o Centro foi chamado a participar dos grupos de trabalho da comissão, que trata dos sindicatos.
Comissão da Verdade
É fundamental que os Sindicatos entrem nesse debate para reivindicar o acerto de contas dos seus quadros que foram cassados, perseguidos, torturados, mortos, enfim, injustiçados de toda maneira.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, que tem tradição e uma longa história, desde 1932, deve entrar nesse debate em nome, por exemplo, do Affonso Delellis, que foi presidente do Sindicato em 1963, mas foi cassado logo depois, passando para a ação clandestina. E também do Manoel Fiel Filho, morto pelo DOICODI em 1976, durante a Operação Bandeirantes (Oban), do Santos Dias, morto em 1979, do Olavo Hansen, que era da oposição sindical metalúrgica e morreu na tortura, todos eram metalúrgicos de São Paulo, da oposição e da situação.
Desafios
Enfim, temos muito trabalho aí por fazer e um dos nossos principais desafios é incentivar os sindicatos e os sindicalistas a organizarem seus arquivos e trabalharem no resgate de suas histórias.
A maioria dos sindicatos não tem a memória gravada ou seus documentos históricos organizados. Isso está, geralmente, disperso nas imprensas ou com dirigentes que gostam de guardar e acabam formando arquivos próprios.
O Brasil é ainda muito deficiente neste setor de arquivos. E o movimento sindical, com seu pragmatismo, incorpora e potencializa essa deficiência. Não é a toa que a Comissão da Verdade veio tarde. Quando se fala nisso boa parte da população, aqueles que nasceram a partir de 1980, nem sabe do que se está falando. Demoramos muito para fazer esse levantamento.
Mas a boa notícia é que começamos a prestar mais atenção nisso. A investir na preservação da história, na construção da identidade e no resgate da memória. E o movimento sindical também está nessa onda. Ele é parte essencial da história do Brasil.
E a imprensa sindical pode usar esse material em suas matérias para interpretar as ações sindicais à luz do que já aconteceu, das experiências passadas, para ser essa imprensa ativa idealizada pelo Sérgio Gomes no fim da década de 1970.
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Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical
Palestra realizada no 3º Encontro de Comunicação da CNTM Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos
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