Entrevista com Nair Goulart

02 set 2016 . 11:30

Nair Goulart

Metalúrgica, presidente da Força Sindical Bahia, vice-presidente da CSI – Confederação Sindical Internacional. Participou da fundação da Força Sindical e foi a 1ª secretária Nacional das Mulheres da central.

Leia aqui a entrevista em inglês

Entrevista realizada em 21 de março de 2011.

Mulheres sindicalistas na fundação da Força Sindical

Nós, mulheres trabalhadoras, que atuávamos naquela época (início da década de 1990), vimos que o movimento sindical brasileiro não levava em conta nossas pautas específicas, como a correção de salários diferenciados. As mulheres realizavam os mesmos trabalhos que os homens em vários setores, mas ganhando salários menores. É verdade que, mesmo estando cada vez mais presentes no mercado de trabalho, ainda temos essas reivindicações. Mas naquele momento a coisa era ainda mais grave. Contemplar as trabalhadoras era uma necessidade. E, além de nossas reivindicações não serem incorporadas à pauta do movimento sindical, nossa participação nas negociações coletivas era muito pequena.
Então, quando surgiu a ideia de se fundar a Força Sindical, fizemos um encontro que reuniu mais de trezentas mulheres de vários Sindicatos do Brasil, sobretudo nos setores de Vestuário, da Alimentação, do Comércio, de Asseio e Conservação, no ramo Químico, no Sindicato dos Brinquedos, além de muitas metalúrgicas, para discutir de que forma participaríamos desta nova instituição.
O encontro foi em fevereiro de 1991, um mês antes da fundação da Força Sindical, na sede do Sindicato dos Comerciários, em Cotia (SP).
Resolvemos ali que não só queríamos ter mulheres na direção da central, como também queríamos que aquele movimento, que estava começando, se comprometesse em lutar em defesa da nossa agenda. No Congresso de 8 de março de 1991 levamos nossa pauta para discuti-la com os dirigentes.
Desta forma, a Força Sindical resultou de um processo do qual participaram várias mulheres, que se empenharam em garantir o compromisso com nossa agenda.  Uma agenda que consistia, basicamente, na luta contra a violência, por maiores oportunidades no mercado de trabalho, pela igualdade salarial, contra o assédio sexual e o assédio moral no trabalho.

Secretaria Nacional da Mulher

No Congresso de fundação da Força Sindical, sentimos a necessidade de aprimorar a preparação da nossa Secretaria. Estávamos cansadas de organizações que não respondiam às demandas das mulheres. Por isto nos demos um tempo maior para construir a Secretaria da Mulher de forma mais apurada. E foi o que fizemos. Em setembro de 1991 realizamos, no Riocentro, RJ, um Congresso com mais de mil mulheres para criar a Secretaria Nacional da Mulher da Força Sindical, para a qual fui eleita 1ª secretária. Foi um Congresso bem maior do que o encontro que havíamos realizado em fevereiro. Constituímos a Secretaria em nível nacional, e fomentamos a instalação de Secretarias estaduais. Durante vários anos nos dedicamos à criação e à ampliação da Secretaria.
No primeiro e no segundo mandatos, fizemos parcerias com diversas centrais Sindicais do Mundo, e criamos um Programa de Formação Sindical para mulheres. Assim, fomos construindo uma política para as mulheres dentro da Força, em parceria com a CLC (Canadian Labour Congress), do Canadá, que financiou um programa de formação que preparava as mulheres para a negociação coletiva.

Cota de 30%

Para o 3º Congresso da Força Sindical, em 1997, no Palácio do Trabalhador (bairro da Liberdade, em São Paulo), preparamos um projeto de cotas de, no mínimo, 30% de mulheres nas direções Nacional e Estaduais da Força Sindical. Para isto fizemos uma campanha com um fôlder explicando o que era e o que significava a cota. Fizemos também uma fitinha roxa, que colocávamos nas pessoas que nos apoiavam. Quando nos demos conta, a grande maioria do Congresso estava com a fitinha roxa. A maioria nos apoiava, e a proposta foi aprovada. Mas foi uma briga. O (Luiz Antonio de) Medeiros ficou bravo e nos acusou de querer desestruturar o Congresso. Foi algo que teve forte repercussão. Tanto que os jornais do dia seguinte ao Congresso estamparam em suas manchetes: “Mulheres querem 30% e racham a Força Sindical”. Aí é que o Medeiros ficou bravo mesmo, e nos chamou para conversar. Mas nós defendemos que aquilo era a nossa pauta, e que íamos brigar por aquele direito.
Depois disso, o dono da Folha de S.Paulo (1) disse ao Medeiros que queria me conhecer, porque, segundo ele, eu era “uma estrategista”, por ter conseguido aprovar, no Congresso da Força Sindical, a cota de 30%, algo que nem a CUT havia feito. Foi uma coisa muito importante e decisiva na história da central.

Mudanças na central

Quando o Paulinho (Paulo Pereira da Silva) assumiu a Presidência da Força Sindical, em 1999, ele deu uma dimensão muito mais dinâmica e aberta à central, aumentando as perspectivas de inserção na sociedade. É importante lembrar que, quando fundamos a Força Sindical, sentimos grande resistência de outros setores do movimento sindical. Dizia-se que nós não representávamos os trabalhadores, e que éramos uma “central de Patrões”. Sabe aquela linguagem para desconstruir? Foi difícil enfrentar tanto os empresários quanto outros sindicalistas. Com a entrada do Paulinho essas críticas perderam o foco.

Lutas das Mulheres

Nos primeiros anos da Secretaria procuramos dar instrução às mulheres para que participassem das negociações coletivas. Nossa intenção era prepará-las para que assumissem postos nos Sindicatos, entrassem para as diretorias e fizessem com que os Sindicatos abraçassem suas reivindicações nas campanhas salariais.
Isto tornaria possível trabalhar por equidade, promoção de cargos e carreiras, qualificação profissional, oportunidades de melhorar o salário e aumentar o benefício para a creche. Trabalhamos estas pautas em várias categorias, que passaram a abrir mesa de negociação com as mulheres. Era algo que não existia até então. A pauta era sempre centrada nos grandes temas, como aumento salarial. Buscamos incorporar a essas campanhas gerais o que chamamos de “Pauta das Mulheres”, de forma que não fizéssemos uma luta segmentada, mas atrelada às bandeiras da central.
Assim, ações como as lutas pela valorização do salário mínimo, pela redução da jornada de trabalho, pelo combate ao desemprego e a luta pelo desenvolvimento com distribuição de renda, que a Força Sindical desenvolve, atende também às mulheres. Isto porque, segundo os indicadores do IBGE, são elas que sofrem mais com a pobreza e com o desemprego, e as que têm salários mais baixos. E que, em contrapartida, chefiam um terço das famílias brasileiras. Quando se consegue melhorar a distribuição de renda e o salário mínimo, um contingente imenso de mulheres é beneficiado.
Hoje temos muito mais mulheres à frente de instituições como Sindicatos e Federações. Não só temos mais Secretarias de Mulheres em vários Sindicatos e Federações da Força, como também há mais mulheres nas Diretorias Executivas dessas instituições. A presidente atual da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), por exemplo, é uma mulher, a Mônica (2).

Na direção da OIT

A OIT (Organização Internacional do Trabalho), sendo uma instituição das Nações Unidas, tem representação tripartite – do governo, dos empregadores e dos trabalhadores. Eu representei os trabalhadores do Brasil no mandato passado, mas agora terá uma nova eleição. A maior referência da OIT são as Convenções internacionais, às quais os países podem aderir. Das oito Convenções dos direitos fundamentais dos trabalhadores, o Brasil já ratificou sete. Não assinou apenas a Convenção 87, que trata justamente da liberdade sindical. Mas ratificou as Convenções que tratam da igualdade salarial, contra o trabalho infantil, contra o trabalho forçado, o trabalho escravo, a Convenção da negociação coletiva do servidor público. Em suma, o Brasil assinou as principais Convenções, o que faz com que sejamos uma importante referência internacional.
O fato de não ter ratificado a Convenção 87 deu-se pela falta de unidade entre os empregadores e entre os trabalhadores. E se o Brasil decidir adotar essa Convenção sobre liberdade sindical, será preciso mudar a Constituição Brasileira em seu artigo 5º.

A eleição de Dilma Rousseff

A luta pela participação política das mulheres começou há décadas, com a conquista do voto feminino, em 1932. Mas avançamos lentamente. Nas eleições de 2006 e 2010, por exemplo, elegemos o mesmo número de deputadas, apenas 45. Não representamos nem 10% do total de 513 parlamentares. No Senado é um pouco mais. Por isto precisamos de lei de cotas.
A eleição de Dilma Rousseff desmistifica o preconceito de quinhentos anos de que as mulheres não combinam com a política, mostrando que estamos preparadas para exercer o poder em seu mais alto grau. A Dilma já é a 11ª mulher a ser eleita presidente na América Latina. Só na Argentina, duas mulheres já alcançaram a Presidência: a Isabelita (3) e a Cristina (4). Desta forma, penso que a vitória da Dilma tem um grande simbolismo.
E, mais do que isto, a Dilma traz uma preocupação típica de quem entende as dificuldades das mulheres, como a responsabilidade com os filhos. A realidade é que os pais não querem saber se o filho é pequeno, de dois, três anos ou seis meses. Em geral isto não muda nada na vida dele. E para nós, mulheres, não ter aonde deixar o filho é um problema muito sério.
Há pouco a Dilma reafirmou este compromisso lançando um programa para mulheres gestantes, que foi promessa de campanha, o Rede Cegonha. O programa beneficia mulheres expostas a pré-natais malfeitos, à mortalidade materna, à falta de apoio, falta de creche. Por isso acredito que ela vai proporcionar um salto na qualidade de vida das mulheres.
A Dilma também pode avançar em outras de nossas bandeiras. Com a caneta na mão, ela tem condições de pressionar o Estado e garantir melhores condições para as mulheres. Nossa esperança é a de que ela possa fazer essa diferença, abrir esse espaço e mostrar que podemos participar da política.

Perspectivas de avanços

Temos boas perspectivas em termos de crescimento das mulheres em nosso País. E não só em participação no mercado de trabalho. O ideal seria chegar a 50% de mulheres no parlamento, nas câmaras de vereadores, nas prefeituras, e que tenhamos uma sociedade com mais igualdade e equidade.
Se nós tivermos isto, toda a sociedade estará bem, e o País estará mais avançado. Vejo o caso da Islândia, com um monte de mulheres no parlamento, uma mulher como primeira-ministra, as responsabilidades compartilhadas, os homens dividindo as tarefas familiares. É um povo mais feliz, um bom exemplo.

Notas da redação

(1) Otávio Frias de Oliveira (1912/2007) foi um jornalista e empresário brasileiro, proprietário do conglomerado Folha da Manhã, empresa que edita o diário Folha de S.Paulo, o jornal Agora, o portal de internet Universo Online (UOL), Instituto Datafolha, a editora Publifolha, a gráfica Plural e o diário econômico Valor, em conjunto com as Organizações Globo.
(2) Mônica Oliveira Lourenço Veloso, secretária-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, e membro da Direção Executiva da Força Sindical, assumiu a Presidência da CNTM em maio de 2011.
(3) María Estela Martínez, conhecida como Isabelita Perón, foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República Argentina, em 1974, após a morte de seu marido, Juan Domingo Perón (foi a 3ª esposa de Perón), eleito por uma chapa denominada Perón-Perón (Juan presidente, Isabelita vice). Em 24 de março de 1976 Isabelita foi deposta pela ditadura militar.
(4) Cristina Kirchner é a atual presidente da Argentina.

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