30 ago 2013 . 11:48
Conflito das águas mescla o passado e o presente, documentando com lirismo uma dura realidade, recorrente em diversos níveis na América Latina. É a atitude colonizadora que se renova ao longo da história.
Por Carolina Maria Ruy
Conflito das águas (También La Lluvia)
Espanha, 2010
Iciar Bollain
Com Gael Garcia Bernal, Luis Tosar, Karra Elejalde, Carlos Santos, Raúl Arévalo, Juan Carlos Aduviri
Um ambicioso projeto une o cético e pragmático produtor de cinema Costa e o jovem idealista cineasta Sebastián: apresentar Cristóvão Colombo como um homem obcecado pelo ouro, caçador de escravos e repressor dos índios na colonização espanhola da América. Mas, devido ao baixo orçamento disponível a equipe espanhola decide se instalar em terras bolivianas, onde o custo para a filmagem é mais baixo, e a população indígena, com potencial para figuração e até mesmo atuação no filme, é abundante.
Coincidências à parte, Cochabamba, a terceira maior cidade da Bolívia, onde o filme é rodado, foi fundada pelos colonizadores espanhóis em 1571 com o nome de “Villa de Oropeza”.
Logo no início a fila da população local para uma colocação no filme impressiona e mostra que os dois países, Espanha e Bolívia, mesmo depois de quinhentos anos de história ainda carregam enormes contrastes sociais.
A grande fila de possíveis figurantes ilustra a carência da população local, que está ali em busca de algum trabalho.
O que move aqueles indígenas, ou descendentes de indígenas, não é um idealismo abstrato nascido das teorias da história ocidental, mas a urgência do suprimento de necessidades imediatas.
O conflito então, se estabelece entre a liturgia de criar uma obra cinematográfica de cunho critico e sociológico, e o movimento desesperado de uma população carente pelo simples acesso à agua.
Isso porque naquele momento Cochabamba está às voltas com o processo de privatização de todo o sistema hídrico a uma multinacional estadunidense. Trata-se de um episódio real, que ocorreu em Cochabamba (Bolívia) em abril de 2000. Os protestos de trabalhadores, as greves e manifestações deixaram a cidade de Cochabamba ilhada durante muitos dias, depois que a companhia norte-americana Bechtel tentou subir de maneira abusiva o preço da água. A dimensão do protesto foi tanta que a empresa abandonou o mercado boliviano, o contrato da água foi cancelado e foi instalada uma nova companhia sob o controle público.
Desta forma, o filme mescla diferentes tempos, o passado e o presente, documentando com lirismo a dura realidade das privatizações de setores estratégicos, que prejudica a população mais carente, recorrente na América Latina, sobretudo até o início dos anos 2000.
O choque cultural entre a equipe europeia de filmagem e o ambiente rústico e quente boliviano marca o filme. A atitude dos mais eloquentes jovens brancos e cheio de ideais diante da Guerra das Águas expõe a hipocrisia do discurso pretensamente engajado. Por outro lado há aqueles que surpreendem com uma atitude proativa, solidaria e humanitária quando expostos a tais desafios. Fica a questão: a obsessão pelas riquezas naturais, coerção de povos com outras culturas e o espirito colonizador são pilares de uma mentalidade de quinhentos anos atrás ou ainda presentes na Europa Ocidental?
Carolina Maria Ruy é jornalista, coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical
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