02 maio 2012 . 11:01
Doctor Zhivago é baseado no romance homônimo de Boris Pasternak. O autor evita criticar diretamente o socialismo soviético, puxando sua obra para o teor romântico, com o contexto político social como pano de fundo. Mesmo assim sua obra foi censurada.
FONTE: Carolina Maria Ruy
Doctor Zhivago
EUA / Itália, 1965
David Lean
Com Omar Sharif, Geraldine Chaplin, Julie Christie, Tom Courtenay, Alec Guiness, Siobhan McKenna, Ralph Richardson, Rod Steiger, Rita Tushingham
A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917 servem de cenário para a história de amor entre o jovem médico aristocrata, Yuri Jivago (Omar Sharif), e Lara Antipova (Julie Christie), uma enfermeira plebéia. Um amor embalado pelo inesquecível “Tema de Lara”, mega-hit na época do compositor francês Maurice Jarre.
Eles se conhecem ainda no período do império czarista e se reencontram por acaso no atendimento às vítimas da Guerra. Mas, ao voltar para suas famílias Jivago também não a reencontra, e vê que sua vida não e mais a mesma. encontra. O regime, comandado por Vladimir Lênin, pôs fim à propriedade privada e socializou a bela casa que o médico dividia com a esposa Tonya (Geraldine Chaplin) e o sogro.
O filme parte do ponto de vista do drama da elite russa que, de uma hora para outra, se vê em decadência na recém criada União Soviética. A cena que mostra pessoas do povo apropriando-se dos bens da alta sociedade é uma caricatura do pesadelo que assombra a burguesia na sociedade capitalista. Nesta cena uma senhora afirma à Jivago, de forma acusatória, que aquela era uma casa grande o suficiente para 13 famílias.
O narrador, que conta a história em “flash-back”, pondera logo no início: os homens que querem ir para a batalha, seja a Guerra, seja a Revolução, são os homens infelizes. Os felizes, realizados no amor, na família e no trabalho, esperam que não sejam lembrados na hora da convocação, e ficam contentes se, algum motivo os impedem de ir à campo.
Tal comentário traz a ideia de indivíduo, com seu universo particular. Uma ideia cara ao embate ideológico entre capitalismo e socialismo. O que estava em questão, para a burguesia russa, eram seus hábitos e suas idiossincrasias. E a justiça social não estava neste horizonte.
Por outro lado, é legítima a crítica subliminar de Pasternak, uma vez que, no regime soviético, a arte se converteu em propaganda comunista, e expressões subjetivas, fossem artísticas, culturais ou pessoais, que fugissem disso eram traduzidas como vícios burgueses e, automaticamente, censuradas. Tanto que mesmo tendo recebido o Prêmio Nobel pelo livro “Doutor Zhivago”, em 1958, Boris Pasternak foi impedido pelas autoridades Soviéticas de receber o prêmio.
Trata-se de um filme “anticomunista”? Em muitos aspectos sim. Mas, é importante ressaltar que ele é abordado a partir da visão de alguém que sofreu na pele as transformações radicais e o endurecimento necessário para a instauração do regime. Não se trata de uma visão ampla, distanciada, que pondera o efervescente movimento internacional de então, ou que pondera a precariedade da vida popular na Rússia sob o poder dos Czar.
Seja como for, Doutor Zhivago traz uma riqueza de informações históricas que vão além de seu posicionamento político. A situação dos soldados que guardavam a fronteira russa durante a Primeira Guerra, por exemplo, foi muitas vezes mais dura pelas condições naturais locais do que pela própria guerra. E isso a arte, o cinema, a literatura revela de maneira sutil, muito mais compreensível do que em qualquer livro teórico ou didático.
Segundo o escritor peruano Mario Vargas Llosa, em seu ensaio “A Verdade das Mentiras”, Doutor Jivago fala da fragilidade do indivíduo no redemoinho de um grande acontecimento.
Neste sentido pode-se dizer que Doutor Zhivago trata do sacrifício de alguns por uma grande transformação. Um grande acontecimento, que se estendeu por mais de 70 anos, e que trouxe uma nova perspectiva social para o mundo.
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Síntese maravilhosa, descrevendo uma época com um realismo assombroso. Muito obrigado.