13 maio 2019 . 13:43
Segundo historiadores, cerca de 12 milhões de africanos foram trazidos de forma forçada da África para as Américas pelo tráfico negreiro nos séculos 16 ao 19, mais de 4,8 milhões deles para o Brasil.
Por Carolina Maria Ruy
Contrariando este fato, registrado e comprovado documentalmente, o então presidenciável Jair Bolsonaro disse, em uma entrevista ao programa Roda Vida (TV Cultura) durante a campanha eleitoral de 2018: “O português nem pisava na África. Foram os próprios negros que entregavam os escravos”.
Ainda durante a campanha, Bolsonaro surpreendeu a todos ao ressuscitar das trevas a tenebrosa Ku Klux Klan. Ele foi elogiado por David Duke, ex-líder da seita supremacista. No programa de rádio que comanda, Duke fez um raro comentário sobre a política brasileira: “Ele [Jair Bolsonaro] soa como nós. E também é um candidato muito forte. É um nacionalista”.
Em abril deste ano, uma campanha publicitária do Banco do Brasil foi retirada do ar por recomendação do presidente. A propaganda, dirigida para um público jovem e moderno, era estrelada por atores negros e brancos, numa representação da diversidade racial e sexual do País. A jornalistas, Bolsonaro falou: “A linha mudou, a massa quer respeito à família, ninguém quer perseguir minoria nenhuma. E nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira. Não é a minha linha”.
No mês seguinte, em entrevista à apresentadora Luciana Gimenez, da RedeTV, Bolsonaro disse: “No Brasil, é uma coisa rara o racismo. O tempo todo tentam jogar o negro contra o branco”.
Estas quatro situações expostas demonstram que Bolsonaro não sabe nada sobre o racismo, ou finge convenientemente não saber. Mostram que ele tem uma visão preconceituosa sobre o povo brasileiro, que é diversificado racial e sexualmente, e ignora os meandros pelos quais o racismo se manifesta.
Poderíamos aqui desconstruir os achismos do presidente, citando historiadores e sociólogos sérios, e, sobretudo, apontando casos de violência, opressão, exploração e discriminação que assolam os negros no Brasil diuturnamente.
Mas vamos demonstrar elegantemente, através da indicação de filmes que reconstituem, retratam e denunciam a história, que o pensamento de Bolsonaro sobre este assunto está errado.
Segue uma pequena lista de indicações de filmes americanos e brasileiros que propõe reflexões sobre a história e a situação dos negros.
Colors, as Cores da Violência (Colors)
EUA, 1988. Direção: Dennis Hopper.
O tema do trabalho de uma divisão especial, voltada ao controle de gangues, da polícia de Los Angeles, poderia facilmente resultar em um filme que se limita a opor bandidos e mocinhos, onde os bandidos são as gangues e os mocinhos a polícia – ou vice-versa. Contudo, Dennis Hopper foi esperto o suficiente para não fazer de Colors um filme moralista. Em um contexto em que a existência dessa divisão especial da polícia é necessária, não há a figura do bem e do mal. O que há é uma disseminação de gangues e do tráfico de drogas como possibilidade de ascensão em uma sociedade marcada pela recessão econômica e pelo aumento da desigualdade social. O filme foi gravado em South Los Angeles, e relata os conflitos entre os policiais e as gangues Bloods e Crips, que agiam em Los Angeles.
Mississippi em Chamas (Mississippi Burning)
EUA, 1988. Direção: Alan Parker.
Mississippi em Chamas conta, de maneira fictícia, a história verídica da investigação do FBI sobre o brutal assassinato de três ativistas dos direitos humanos (dois brancos e um negro), em 1964. No filme, dois agentes do FBI, Alan Ward e Rupert Anderson, são enviados ao Mississippi para realizar a investigação. Ward e Anderson se infiltraram na comunidade e conseguiram as informações para montar o quebra-cabeças que desvendou o crime. Mas a temporada no Mississippi mostra que o problema é mais fundo. O clima de violência e opressão contra os negros domina o local. Mais do que uma postura voluntariosa de uma elite atrasada e preconceituosa, esta violência, como o filme mostra, é organizada através da tenebrosa Ku Klux Klan. O filme foi precedido, em 1975, pelo documentário Ataque ao terror: o FBI versus a Ku Klux Klan, que narrou o mesmo episódio. (Carolina Maria Ruy)
Hurricane – O Furacão (The Hurricane)
EUA, 1999. Direção: Norman Jewison.
Rubin Hurricane foi um famoso pugilista negro, acusado e preso pelas autoridades por um crime que nunca cometeu. Por ser negro ele também deixou de receber o título que tinha conquistado: o cinturão de campeão peso-médio do boxe. Em 1967 foi condenado, injustamente, à prisão perpétua, em uma época em que o apartheid era uma triste realidade e o racismo corria sem restrições. O júri que o condenou era composto por brancos, durante período de rebeliões raciais em Newark. Ele teve que aguardar décadas para que todas estas injustiças fossem reparadas. Os movimentos sociais e as campanhas pelos direitos civis levantaram bandeiras pela revisão do processo e pela libertação de Hurricane. Mas a condenação só foi seriamente revista 38 anos depois, e, ainda sim, somente um, entre os quatro verdadeiros culpados pelo crime, foram presos. O filme retrata o racismo cruel e autoritário, muito forte em algumas regiões dos Estados Unidos. A trajetória de Hurricane é exemplo para todos aqueles que, ainda hoje, sofrem com a contaminação do sistema judiciário por preconceitos e dogmas sociais.
Mauá – O Imperador e o Rei
Brasil, 1999. Direção: Sérgio Rezende
Filme longo, entre o teatral e o professoral, e que traz muitas informações sobre a passagem do Império para a República no Brasil, Mauá – O Imperador e o Rei, conta a história de Irineu Evangelista de Sousa. Entre os casarões erguidos sob terra batida do cenário fluminense o jovem Irineu contemplou a movimentação na capital do Brasil já pressentindo que profundas mudanças abalariam aquela realidade. Ao lado de outros objetos, negros eram expostos à venda e comprados por senhores e barões. A escravidão chocou o garoto, impressionado com tamanha violência. Escravidão, absolutismo, colônia, velhos barões e seus privilégios anacrônicos caracterizavam uma ordem dominante, que já não prosperava e que não fazia mais sentido para o mundo, a despeito da resistência de quem dela se beneficiava.
Ray (Ray)
EUA, 2004. Direção: Taylor Hackford.
A vida do músico Ray Charles é bastante ilustrativa e inspiradora para esta discussão. Negro, pobre e cego, ele foi amplamente discriminado. O filme sobre sua vida mostra sua infância na Geórgia, sul dos EUA, na década de 1930, e os cuidados da mãe, uma figura forte e batalhadora.
Quase Dois Irmãos
Brasil, 2005. Direção Lúcia Murat.
O filme aborda as diferentes oportunidades que a vida apresenta para dois amigos de infância, que se reencontram na prisão na década de 1970. Um é branco e outro é negro. O branco foi preso por ser contra a ditadura, e o negro, por envolvimento com drogas. Pula para os anos 2000: um é senador e outro chefe de uma grande organização criminosa.
Cores e botas
Brasil, 2010. Direção Juliana Vicente.
O curta metragem ambientado nos anos 80, fala sobre o sonho da pequena Joana: ser paquita. Sua família é bem-sucedida e a apoia seu sonho. Mas Joana é negra, o que a coloca fora do padrão do programa da Xuxa.
Django Livre (Django Unchained)
EUA, 2012. Direção: Quentin Tarantino.
Quentin Tarantino acertou em usar o faroeste para mexer com o imaginário e com a consciência americana. E ele foi longe buscando atores clássicos do gênero, como Franco Nero, a preciosa contribuição musical de Ennio Morricone e colocando o mocinho de Hollywood no papel de um terrível vilão, como Sergio Leone fez em Era Uma Vez no Oeste (1968). Em Django Livre, que se passa no Mississippi, em 1858, dois anos antes da Guerra Civil nos EUA, ele esfrega na cara da sociedade estadunidense as aberrações que alcançaram a escravidão naquele país. Mas, mais do que uma denúncia, a intenção do filme é expor o ridículo, absurdo e a falta de cabimento do fato de algumas pessoas (de origem branca e europeia) disporem de outras (negras e de origem africana) como bem quiserem, como se fossem coisas (e não pessoas) e, ainda, como se apenas o trabalho forçado não fosse o suficiente, descontando nelas seus ódios e rancores mal resolvidos.
Inflitrado Na Klan (BlacKkKlansman)
EUA, 2018. Direção Spike Lee.
O então jovem David Duke, admirador de Bolsonaro, é retratado neste filme, que se passa no Colorado (EUA), em 1978. A produção mostra como Duke, líder nacional da Ku Klux Klan, foi enganado pelo policial Ron Stallworth, que fingiu ser branco com a ajuda de um colega judeu e conseguiu se tornar membro oficial da KKK. O verdadeiro Stallworth, que escreveu o livro que deu origem ao filme, conta que conversava com supremacista branco por telefone. “Um dia ele me disse que era capaz de reconhecer um negro pelo telefone, porque eles falavam diferente. E me disse que, por exemplo, sabia que eu era um homem branco. Dei muitas gargalhadas depois.”
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