03 maio 2012 . 11:39
2009, EUA Pete Docter, Bob Peterson (co-diretor).
Em O Mundo Perdido ficção de 1912, de Arthur Conan Doyle, os cientistas e concorrentes Professor Challenger e Arthur Summerlee, partem para uma viagem fantástica para verificar se existem dinossauros na América do Sul. Eles aterrizam em uma floresta exuberante e misteriosa, cheia de seres selvagens e mitológicos e não encontram o que procuravam. Para sair de lá, sobem em um balão, mas enfrentam uma forte tempestade. O balão cai, enfim, no planalto que esconde o “Mundo Perdido”, onde dinossauros e animais exóticos vivem livremente.
Mais de noventa anos depois a ideia de mundos perdidos ainda inspira nossa cultura. Numa análise apurada percebemos que a fresquíssima animação Up – Altas Aventuras, lançada em 2009, resgata elementos da ficção de Arthur Doyle. Nesta versão moderna do tema, o autor injetou a vida íntima de um idoso cidadão estadunidense.
A casa do simpático personagem Carl Fredricksen suspensa pelas milhares de bexigas coloridas, sobrevoando a selva de pedra, em meio aos raios e trovoadas, ou sendo arrastada no cume do Salto Angel, o mais alto do mundo, no sudeste da Venezuela, ilustra situações extremas: lar e aventura, nostalgia e impulsividade. A companhia inicialmente indesejada de Russell, de oito anos de idade, dá o ar familiar da história. Juntos eles devem encarar aventuras na selva, combater inimigos e salvar os injustiçados. É o que a
empresa de animação por computação gráfica da The Walt Disney Company, a Pixar, faz de melhor: criar identidades de modo a nos introduzir em qualquer história, por mais inusitada que ela seja.
E o elemento aqui usado, para nos aproximar da história é a trajetória de vida do senhor Fredricksen, antes e depois do momento em que ele, aos 78 anos, se abate profundamente por ter perdido sua amada companheira de tantos anos. Decompondo a aventura de Doyle, de 1912, a UP, Altas Aventuras, inova promovendo um retorno a uma relação básica e elementar.
Centrar foco neste senhor, com todos os seus rituais, suas rabugices e seus hábitos é o elemento surpresa da Disney. Um velhinho num grande produto da Pixar não é só um velhinho. Ele é alvo de atenções, de debates, ele inspira ideias e olhares.
O que nos interessa aqui é ressaltar que o velhinho que protagoniza uma história não é mais o idoso debilitado e problemático. De acordo com a tendência mundial de que as pessoas vivem mais, e podem viver muito bem estes anos a mais. Enfatizando a construção da vida do senhor Fredricksen, o filme reforça o quanto ele perde suas referências com o fim de sua vida de trabalho e a morte da mulher. As excentricidades deste senhor se acirram quando ele entra nesta nova e misteriosa fase da vida. Por isso ele tem a ideia de fazer de sua casa um transporte aéreo para a ilha das cachoeiras, na Venezuela.
Não é um filme que fala diretamente sobre o trabalho. Mas ele chama a atenção para o fato de que as pessoas estão vivendo mais tempo e com boa disposição e saúde. Ao perder o chão, coloca-se para Fredricksen a questão: o que fazer agora? É uma pergunta que cabe à sociedade, que deve se ajustar a estes novos tempos de longevidade: o que fazer com e para este novo e crescente contingente de pessoas, potencialmente ativas, com mais de sessenta e cinco anos?
Podemos ainda fazer uma analogia entre o mundo perdido e a etapa que se inicia para a trajetória de Fredricksen, na qual ele se vê tendo que se refazer e buscar realizações em sua vida, como a amizade com o pequeno Russell.
O fim da vida produtiva, imposto pelo mercado de trabalho, pode ser um bom recomeço. Essa é uma realidade cada vez mais comum. E é a melhor saída do mundo perdido.
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