03 maio 2012 . 11:17
Jean Charles
Brasil, Inglaterra, 2009
Henrique Goldman
Com Selton Mello e Vanessa Giácomo
O filme Jean Charles tem um jeito diferente do cinema tradicional. Não propriamente novo, pois o realismo da década de 1940 já desmitificava o glamour desta indústria do entretenimento, com um tom documental. O realismo contemporâneo de Jean Charles conserva um ar de contra-corrente, de contestação e denúncia. Se hoje vivemos na era da velocidade da informação e da comunicação não é de se estranhar que um caso dramático, que a dez anos estampava páginas e telas de noticiários, já tenha virado arte. É um dos únicos legados da dor: sua habilidade em transformar-se em arte.
Jean Charles soa como uma reportagem sobre pessoas de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que migram para países do centro nervoso do capitalismo. Entretanto o diretor preferiu não fazer um documentário. Segundo ele a ficção engrandeceu a história, e ressaltou o impacto emocional.
De fato ele soube captar o lado B do velho mundo, através do olhar da “mão de obra” estrangeira.
Logo no início Jean (Selton Mello) comenta que os imigrantes não sabem aproveitar a bela cidade de Londres. Eles só trabalham e juntam dinheiro para enviar à família. Em seus 90 minutos o filme esbarra mais algumas vezes neste impasse. Seus colegas de trabalho só pensam em regularizar o visto e trazer a família; sua prima Vivian (Vanessa Giácomo), parece se recusar a se divertir enquanto ela está lá para trabalhar e ajudar sua mãe doente no Brasil. Todo o tempo Jean parece lutar contra a angústia de sua condição de imigrante, e tenta, apesar de toda a dificuldade, desfrutar das maravilhas da Europa. Ao fim fica a dúvida se isso é possível. Mesmo abrigando as mais diversas raças, os mais diferentes tipos, línguas e culturas, o coração do império parece fechado e hostil àqueles que não são seus filhos natos.
Como já se sabe, Jean Charles de Menezes (1978 – 2005) foi mais uma vítima da ofensiva contra o terrorismo iniciada depois dos atentados de 11 de Setembro, que ensandeceu Estados Unidos, Inglaterra e Espanha e fomentou a discriminação contra os árabes. O mineiro da cidade de Gonzaga-MG, que vivia em Londres, foi confundido com um terrorista palestino e acabou assassinado no metrô por agentes da Scotland Yard britânica. Nenhuma das pessoas envolvidas na morte foi indiciada até hoje.
Mais do que registrar esta tragédia o filme busca mostrar quem são os brasileiros que estão em Londres. Muitos deles estudando, tentando ganhar um pouco de fluência no inglês. A maioria trabalha muito em troca de algumas libras esterlinas extras que depois serão enviadas para o Brasil.
A relação com o mundo do trabalho é direta. A ilusão de que se você cair no mundo vai, de uma forma ou de outra, fazer a vida, ganhar dinheiro e aprender algumas coisas, parte de uma lógica do mundo do trabalho e do dinheiro. Da lógica do valor da mão de obra em diferentes economias. Simplesmente isso. Esta lógica sobrepõe a valorização profissional, trabalhista e financeira, ao que podemos chamar, genericamente, de qualidade de vida, incluindo aí paz e dignidade.
Ao fim, o colorido das poucas imagens filmadas no Brasil contrastam propositalmente com a fria e cinzenta Europa. A paisagem viva e verdejante simboliza a integridade e o retorno ao que é essencial.
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