12 jun 2012 . 12:39
João Goulart, uma Biografia, de Jorge Ferreira
“O governo Goulart foi o auge do projeto trabalhista“.
O historiador Jorge Ferreira, professor da Universidade Federal Fluminense, autor, entre outras obras, de O Imaginário Trabalhista (Civilização Brasileira, 2005) lançou em 2011 mais um livro sobre o Trabalhismo, desta vez João Goulart, uma Biografia. Nele Ferreira resgata a trajetória do presidente deposto pelos militares em 1964. O livro desqualifica os que rotulavam Jango de populista. Populista é sempre o outro, aquele de quem você não gosta, argumenta.
Reproduzimos entrevista Jorge Ferreira deu à Folha de São Paulo” sobre sua nova obra:
Folha – Por que o sr. resolveu fazer esse livro?
Jorge Ferreira – Estudei Getulio Vargas e o trabalhismo, daí a curiosidade sobre João Goulart. Foram dez anos de trabalho. Creio que chegou o momento de retirar Jango do limbo da memória do país.
Ele foi um personagem importante, mas as análises sobre ele não se distanciam das paixões políticas. Ora é definido como demagogo e incompetente, ora como vítima de um grande conluio de empresários brasileiros com o governo norte-americano. Quis conhecer o personagem para compreendê-lo, e não julgá-lo.
O que encontrou de novo?
O livro é um relato biográfico, enfocando sua vida política e privada. Evitei enfoques sensacionalistas. Talvez a maior novidade seja lembrar à sociedade brasileira que um dia Jango foi líder político de expressão. Como diz o historiador inglês Eric Hobsbawm, o papel do historiador é lembrar à sociedade o que aconteceu no passado. Foi o que eu fiz.
Quais foram as influências sobre Goulart?
Goulart, assim como Brizola, era jovem quando Vargas instituiu a ditadura. Ele entrou para a política no período democrático. Em 1945 e 1946, a democracia liberal tinha grande prestígio. As esquerdas e o trabalhismo associaram os ideais democráticos com o nacionalismo, o desenvolvimentismo, as leis sociais e o estatismo.
Nos anos 1950, o Estado interventor na economia e nas relações entre patrões e empregados era um sucesso na Europa. Os trabalhistas observavam a experiência inglesa com o programa de estatizações e também o sucesso da industrialização soviética, com o Estado interventor e planejador da economia. Também culpavam os Estados Unidos pela pobreza da América Latina.
Por que há pouco dados sobre o empresariado em relação a Goulart e aos militares?
O golpe de 1964 não foi dado por empresários que usaram os militares. O golpe foi dado por militares com apoio empresarial. A Fiesp, em inícios de 1963, apoiou Goulart na efetivação do Plano Trienal. Ele teve apoio de setores conservadores, desde que estabilizasse a economia, controlasse a inflação e se distanciasse das esquerdas, sobretudo dos comunistas e dos grupos que apoiavam Brizola na Frente de Mobilização Popular.
Os grandes empresários, os políticos conservadores e a imprensa se afastaram de Goulart e passaram a denunciar o “perigo comunista” no segundo semestre de 1963, quando a economia entrou em descontrole e Jango se aproximou das esquerdas.
Com o comício de 13 de março de 1964, os golpistas crescem e se unificam. A revolta dos marinheiros foi a fagulha que faltava, desencadeando gravíssima crise militar. A crise do governo Goulart tem uma história. É preciso reconstituí-la, com documentos e provas, superando repetidos jargões.
No livro o sr. discute a questão do populismo. Por que populismo continua sendo um termo pejorativo?
Sou crítico em relação ao conceito de populismo. Populistas podem ser considerados Vargas e Lacerda, Juscelino e Hugo Chávez, Goulart e Collor, FHC e Lula. Personagens tão diferentes, com projetos díspares, com partidos políticos distintos são rotulados sob o mesmo conceito. Qualquer personagem político pode ser chamado de populista, basta não gostar dele. Populista é sempre o outro, o adversário, aquele de quem você não gosta. Não se trata de um conceito teórico, mas de uma desqualificação política. Eu prefiro nomear os personagens assim como eram chamados na época: Jango era trabalhista, Lacerda, udenista, e Prestes, comunista.
Qual é o maior legado de João Goulart?
O governo Goulart foi o auge do projeto trabalhista, que começou com as políticas públicas dos anos 1930, em época de autoritarismo. Mas que se democratizou, se modernizou e se esquerdizou a partir da segunda metade dos anos 1950.
Seus elementos fundamentais foram o nacionalismo, o estatismo, o desenvolvimentismo, a intervenção do Estado na economia e nas relações entre patrões e assalariados, a manutenção e a ampliação dos benefícios sociais aos trabalhadores, a reforma agrária e a liderança política partidária de grande expressão. Creio que muitas dessas tradições inventadas pelos trabalhistas ainda estão presentes entre as esquerdas brasileiras.
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