Minas do ouro, Frei Betto

11 nov 2012 . 13:01

minas-1Resenha de ‘Minas do ouro’, romance de Frei Betto

Frei Betto. Editora Rocco, 270 pgs.

Por Elias Fajardo

Muito já se escreveu sobre o ciclo do ouro em Minas Gerais, tornando-se difícil acrescentar algo a um tema tão explorado. Mas em “Minas do ouro” Frei Betto consegue fazê-lo graças a uma pesquisa ampla e a uma escrita apurada. Usando uma linguagem calcada nos estilos em que se escrevia nos períodos em que se passa a ação, ele escapa dos perigos que rondam o romance histórico, entre os quais podemos destacar a não diluição de fatos e datas dentro de um esquema ficcional. E produz uma narrativa fluente para tratar dos aspectos visionários e humanos de uma busca pela riqueza que fez com que Portugal arrecadasse, em 200 anos, cerca de 800 toneladas de ouro brasileiro.

Chama a atenção também o mergulho naquilo que se convencionou chamar de mineiridade. O caldo cultural gerado por disputas de todo os matizes engendrou um tipo humano para o qual “o é soava como talvez, o era ficava melhor como podia ser e o com certeza dava lugar ao quem sabe”, como descreve o romance. O mineiro construído por Frei Betto — escritor também nascido em Minas — é alguém em cujo imaginário estão presentes a conversa solta destravada a goles de cachaça, o cheiro de vela e incenso e a emoção condensada em interjeições simplórias. As autoridades portuguesas queixavam-se dos naturais do lugar atribuindo à geografia irregular das terras montanhosas um espírito pouco dado às virtudes. “O vício campeia como os ventos que sopram entre picos e escarpas”, diz um dos personagens citados no romance, Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, Conde de Assumar e governador da província, acostumado a abraçar pela frente para esfaquear pelas costas. “O clima, tão imprevisto, forja o caráter do mineiro, ora solar, ora lunar; aqui generoso, ali manhoso; à frente gentil, às costas pérfido”, continua ele.

Com o declínio das riquezas, não restaram alternativas a não ser a busca de terras. Então, os mineiros descem das montanhas e ganham a extensão dos minas-2campos para apascentar o gado. E os escravos, acostumados a esconder ouro nas cabeleiras para burlar o fisco, tentam negociar sua cidadania nos novos tempos em que ser cidadão era privilégio dos brancos. Assim, em poucas palavras, é descrita toda a formação histórica de uma região.

O fio condutor é a saga da família Arienim (mineira, lida de trás para frente), representada ora por homens bravos e cruéis, ora por grandes conciliadores e por mulheres apaixonadas e seguidoras de seus maridos, todos em busca de um tesouro prometido por um mapa que passa de pai para filho e cria vínculos entre as diferentes gerações.

Os personagens mais marcantes do ciclo do ouro estão presentes, mas a convivência deles com os Arienim cria-lhes novos contornos. A Guerra dos Emboabas, que opõe, de um lado, os estrangeiros que chegavam em número cada vez maior, e do outro os pioneiros que queriam garantir-se a primazia do acesso às riquezas, ganha tratamento de romance de aventuras e, assim, temos interessantes facetas de Borba Gato. Quanto mais conhecido o personagem, mas desafiante é dar-lhe novas dimensões. Os mineiros procuravam ouro e Frei Betto busca estratagemas para dimensioná-los ficcionalmente. O Aleijadinho, por exemplo, torna-se tema de um historiador que contrata uma mulata letrada para dar forma às suas pesquisas e, enquanto os dois se apaixonam, vai surgindo o perfil do escultor com suas misérias e grandezas.

Cai por terra também a visão glamourosa de lugares como Ouro Preto, que nos acostumamos a ver como cenário de cartão postal. No romance, é uma vila de becos escuros com profusão de torres, cruzes e um ambiente em que a cobiça e a intriga falam mais alto. Acontece em Ouro Preto um dos momentos em que a narrativa ganha picos mais altos: a festa de inauguração da igreja de Nossa Senhora do Pilar. Uma semana de festejos “num mundo de medos e obscuridades, de traços esteticamente disformes da plasticidade barroca, de almas pendentes entre o negrume das condenadas ao inferno e a alvura dos corações agraciados com o Paraíso”, nas palavras de Frei Betto. E quem se interessa por estilo vai encontrar o barroco descrito como “a arte do coração dilacerado por remorsos e saudades, sonhos e volúpias, como se a exuberância das formas e cores redimisse a luxúria dos homens por sublimá-la na estética das figuras sacras”.

A história, vista como um baú onde jóias e bijuterias estão misturadas, presta-se ainda a cortes que realçam episódios menos conhecidos, como a venda das minas remanescentes a uma companhia inglesa ou até, contemporaneamente, o rico diamante com que o ator Richard Burton presenteou sua mulher Elizabeth Taylor.

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ELIAS FAJARDO é jornalista e escritor, autor do romance “Ser tão menino” (7Letras)

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