02 maio 2012 . 11:19
O Banheiro do Papa retrata o impacto da notícia sobre a visita do Papa João Paulo II em Melo, cidade uruguaina próxima à fronteira com o Brasil, onde muitos habitantes vivem de pequenos serviços, como contrabandear produtos de Aceguá, Rio Grande do Sul.
FONTE: Carolina Maria Ruy
O Banheiro do Papa (El baño del Papa)
2007, Brasil, Uruguai, França
César Charlone e Enrique Fernández
Com César Troncoso, Virginia Méndez, Virginia Ruiz, Mario Silva
O ano é 1988. O lugar é Melo, na zona rural, Uruguai. A força e as cores da natureza sul-americana são lindamente captadas no filme O Banheiro do Papa.
Vacas, porcos e galinhas cruzam a tela. E a poeira avermelhada levanta da terra com o andar da população católica e muito pobre. Levanta com o pedalar das bicicletas que viajam duas, três vezes ao dia, ao largo da fiscalização, carregadas com mantimentos, trazidos do Brasil para serem comercializados nas vendas locais. Frágeis negociações onde impera a informalidade.
Neste ambiente apartado da institucionalidade sócio-econômica, as pessoas criam suas próprias regras, como em um faroeste tardio no que sobrou de uma América já feita.
Mas eis que Melo vira notícia. A cidade está inserida no roteiro da viagem do Papa à América. E eles, já acostumados ao esquecimento, vêem-se diante de ter de lidar com alguma atenção.
O alarde da imprensa, que anuncia a vinda do Pontífice, vende a idéia de que milhares de turistas estarão no evento. Cerca de 20 mil brasileiros é a promessa. Otimista, a população acha que este número pode subir para 40 ou 60 mil.
E, no intuito de agarrar a oportunidade, o povo prepara-se para o mega evento, projetando para a cidade uma grande feira de bugigangas e pratos regionais.
A visita do Papa mexe com as aspirações do excluído povo de Melo. E este povo, do alto de sua ingenuidade, de seu alheamento e de sua boa fé, joga toda sua esperança naquele evento.
Mas, como a teoria na pratica é outra, o Papa, porta voz dos ideais cristãos, cumpre, em Melo, apenas mais um dos inúmeros compromissos que seu cargo exige. Uma breve passagem que deixa para trás sonhos despedaçados, frustração, desperdício e falências.
O sonho de ser, por um dia, Aparecida do Norte, não se realizou para Melo. Os brasileiros não vieram e, dos que foram ver o Papa, menos da metade do noticiado, quase todos eram nativos da cidade. A visita ficou para a história como a maior calamidade econômica do vilarejo.
Obra feita com parcos recursos, o filme O Banheiro do Papa, em sua simplicidade, retrata a exclusão social como um problema crônico. Situação que é acentuada por tratar-se de uma região e não de uma pessoa ou uma família.
Retrata também o descompromisso da grande imprensa, que nunca mede as conseqüências de seus excessos ou de suas omissões.
Mas o melhor do filme é a alegria de quem, a despeito do Papa, traz na pele a marca de possuir a estranha mania de ter fé na vida.
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