02 maio 2012 . 13:47
EUA, 1976 Martin Scorcese Elenco: Robert De Niro, Cybill Shepherd, Peter Boyle, Jodie Foster, Harvey Keitel
FONTE: Carolina Maria Ruy
Quando se assume um trabalho, você se torna aquilo que o trabalho faz de você. Esta frase, dita no filme Taxi Driver, caracteriza o protagonista Travis Bickle (Robert De Niro). Ninguém está falando em traçar um perfil do ofício do taxista. Mas para Paul Schrader, roteirista do filme, esta profissão foi uma boa pista para uma história sobre a violência urbana e psicológica.
Taxi Driver gira em torno das angústias de Travis, um homem sozinho, de 26 anos, originário do meio-oeste dos Estados Unidos e veterano da Guerra do Vietnã. Atormentado pela falta de perspectivas, ele sofre com a insônia assumindo, assim, dois turnos como motorista de táxi de frota passando a trabalhar à noite, no violento bairro do Harlem. Em suas incursões noturnas, alimenta um sentimento de revolta pela miséria, vício e prostituição que observa do seu carro.
As luzes que brilham na noite de Nova Iorque refletem o crescimento das metrópoles do fim dos anos 1970. O retrato da cidade aparece muitas vezes distorcido pelo espelho retrovisor do táxi. O espelho gotejado pela constante chuva ácida mostra estas luzes distorcidas, conferindo uma graça especial ao filme. À esta cuidadosa fotografia se acrescentam os acordes do saxofone, e a trilha sonora de Bernard Herrmann, criando um clima de glamour decadente, dos amores perdidos e das paranóias individuas, num cenário tipicamente urbano.
Travis é um desajustado. Quando não está trabalhando ele costuma freqüentar um cinema pornográfico trash (gíria norte americana). Ao conseguir convencer sua cobiçada Betsy (Shepherd), que trabalha no comitê eleitoral do senador Palantine, a sair com ele, é para lá que ele a leva. Isso mostra sua inconsciência social, sua inadequação, sua formação confusa e diluída. Se de um lado ele não percebe o quanto está sendo inconveniente com Betsy por outro não poupa discriminações e discursos moralistas. Com a prostituta adolescente (Jodie Foster), que ele se empenha em salvar, fazendo justiça com as próprias mãos, mais uma vez revela sua dubiedade. Seu altruísmo é realizado de forma socialmente desengajada. Assumindo, neste caso, o papel de justiceiro, ele evoca o estilo western, também presente no filme. Sua inconsciência e incapacidade de se expressar marcam todo o filme. Ele quer acertar, quer construir algo e ser uma “pessoa” normal, mas parece não ter instrumentos para chegar a isso.
Há poucos momentos de empatia, quando, por exemplo, a bela Betsy aceita seu convite. Mas eles são seguidos de situações patéticas e diálogos esdrúxulos, que não estabelecem nenhuma comunicação positiva.
Travis é fruto da sociedade liberal e reflete os conflitos psicológicos desta sociedade. Seu trabalho como taxista simboliza as diversas possibilidades de destino, o estar jogado à própria sorte e o desenraizamento social. A liberdade e a transitoriedade estão longe de sugerir a leveza e a autonomia do ir e vir. Neste caso, levadas ao extremo, mostram um homem ensandecido e sem rumo certo.
Conforme afirmam muitas resenhas, não podemos deixar de dizer que trata-se uma obra datada. O filme mostra a violência que se sentia nas ruas na década de 1970, daí a força que teve em sua estréia. Trinte e três anos depois ele soa um tanto clichê. A estetização do submundo, que influenciou muitas outras obras, não produz mais o impacto que já produziu em outros tempos. Mas, como uma obra consagrada, e que fez escola, ainda desperta interesse e incita debates. Afinal, o submundo como arte pode ter sido superado, mas o submundo como realidade continua a correr solto.
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