03 maio 2012 . 11:07
EUA, 1972 Francis Ford Coppola Com Robert De Niro, Al Pacino, Diane Keaton.
FONTE: Carolina Maria Ruy
Entre os séculos XVII e meados da década de 1980 europeus migraram em massa para os Estados Unidos. Marcada por guerras, conflitos e pobreza a Europa foi deixada por uma enorme quantidade de pessoas que cruzaram o Atlântico para “fazer a América”. No final do século XIX, os anglosaxões foram superados pelos imigrantes do Sul da Europa, em sua maioria italianos. Entre 1870 e 1980 entraram 5,3 milhões de italianos nos Estados Unidos.
A idéia de fazer a América abrange um longo e complexo processo de apropriação de um mundo recém descoberto por outsiders europeus que dizimaram a cultura local reconstituindo, à sua moda, a cultura européia.
Deste imbróglio político e cultural, o “novo” povo americano emergiu como sujeito de uma sociedade fresca e jovial, com passado recente frente à anciã Europa. Esta jovialidade errante, rebelde e controversa da América foi embrião de novos impérios e de novas relações de poder.
No debate sobre o trabalho como fenômeno sociológico, cabe uma reflexão sobre a formação destas macro-estruturas. Neste sentido The God Father 2, dá sua contribuição demonstrando o jogo através do qual elas se formam.
Uma das mais bem sucedidas trilogias da história do cinema, The God Father conta a saga dos Corleone, desde a fuga do pequeno Vito da Sicília, sul da Itália, até a consagração do poder da família nos Estados Unidos da América. É uma verdadeira novela sobre a era de ouro da máfia, com muitos personagens, uma densa carga dramática e tramas que correm em paralelo ao enredo central.
Enquanto o primeiro filme apresenta a família, a personalidade de Don Vito Corleone (interpretado por Marlon Brando), seu rol de “negociações” e as idiossincrasias de cada filho, o intempestivo Sonny; o irresponsável Fredo; o fiel Tom Hagen, filho adotivo, advogado e conselheiro da família; a insegura Connie, única filha; e o cerebral Michael (Al Pacino), o segundo, o mais denso e violento da série, revela a formação e as entranhas daquele império, desde o insight do podre e tolo Vito, ao tomar o poder do mafioso local, até a tentativa de legalização, uma geração depois, dos negócios da família.
The God Father 2 intercala dois momentos: o presente, com Michael Corleone à frente dos negócios e o passado, quando o jovem Vito foge da Sicília e vai para a América, no início do século XX.
Esta digressão é a parte mais interessante de toda a trilogia. Vito chega na América praticamente como um indigente. Ao se tornar adulto (interpretado por Robert De Niro) consegue emprego em uma importadora de azeite e acaba se aproximando de um vizinho bandido. Ao contrário de sua aparência pacata, Vito está atento aos acontecimentos. Ele não se dispersa em distrações fáceis e fugazes. Com sagacidade age de forma objetiva e nota que para virar aquele jogo deve atacar o homem que se impõe, à força, como uma espécie de patrão não de padrinho da comunidade, Black Hand Fanucci (Gastone Moschin). A tomada de poder não tem nada de glamouroso ou sofisticado. É um gesto de artimanhas e de espertezas. A cena em que isso ocorre é muito simbólica, ela é o detalhe mais importante de toda a história, pois mostra como Vito pôde se tornar o Poderoso Chefão. Na cena em questão Don Fanucci acompanha pelas ruas daquele bairro italiano de Nova Iorque uma típica procissão católica. Enquanto isso Vito o persegue pelos telhados, sorrateiro como um gato. Ele o atrai e o mata friamente. Interessante notar que, diferente de Fanucci, ao tomar o poder, Vito dedica-se a proteger e não a ameaçar e extorquir as pessoas da comunidade. Ele estabelece uma relação na qual ele concede e os outros lhes devem “favores” e passa a ser visto como um “padrinho” naquele local. É a própria história da América.
No presente do filme o caçula, Michael Corleone, que demonstra muito mais soberba e agressividade que seu pai, planeja incursões em Las Vegas e Havana instalando negócios ilícitos ligados ao lazer, mas descobre que alguns de seus aliados estão tentando matá-lo. Escapando de uma acusação federal, Michael concentra sua atenção em acabar com os seus inimigos. Isso tudo ocorre na passagem entre os anos de 1958 e 1959. Como pano de fundo de sua passagem por Cuba, segundo o próprio Michael Corleone comenta, rebeldes agitam as ruas de Havana dispostos à derrubar o governo de Fulgencio Batista que, entre outras coisas, era permissivo com a entrada da Máfia. É a Revolução Cubana, pontuada no roteiro de Coppola, a partir dos olhos do conservador e mercenário Michael. Não por acaso. Conforme já foi sublinhado, a saga do Poderoso Chefão ilustra a história de uma América jovem, relutante e em constante transformação. Uma história que vai resultar nos filhos, tipicamente americanos, que buscam liberdade e caminhos alternativos, como se vê na terceira parte da trilogia, a mais reflexiva de todas.
A questão é o que está por trás desta história recente que movimentou rios de dinheiro e de recursos? Trata-se de uma reflexão sobre o poder e sobre a divisão social do trabalho. Pensando bem, a origem de impérios econômicos pode estar muito mais associada a algo semelhante ao gangsterismo do que a uma refinada mesa de reuniões, em um arranha-céu chic de alguma importante metrópole.
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