03 maio 2012 . 10:22
Brasil, 2007 José Padilha Com Wagner Moura, Fernanda Machado.
Por ironia do destino antes mesmo de seu lançamento o filme Tropa de Elite vazou para o mercado pirata, ramificação de uma das maiores organizações criminosas do país. O Ibope estimou que mais de 11 milhões chegaram a assistiram a cópia pirata do filme antes de sua estréia no cinema. Fato que não abafou o sucesso nas bilheterias. O filme obteve uma das maiores médias por sala no ano, com mais de 1000 espectadores por sala na primeira semana. Meses após a ebulição da estréia, o que permaneceu da obra? Com a distância do tempo Tropa de Elite merece um olhar mais crítico e realista.
De fato é preciso coragem para mostrar no cinema as entranhas do trabalho da polícia que, para o bem ou para o mal é um tabu da sociedade moderna. O policial é, antes de tudo, um conservador. No sentido literal da palavra. Sua função é manter a ordem e a coexistência entre o crime e justiça dentro da própria organização abalam valores sociais.
Como contraponto, o filme Cidade de Deus (2002, direção de Fernando Meirelles) parte da visão dos executores do tráfico de drogas. Fica claro em Cidade de Deus que foi na década de 1980 que o crime organizado se consolidou e o tráfico tomou conta da favela. Na mesma época a ditadura militar, que durante vinte anos perseguiu e reprimiu com violência seus opositores, chegava ao fim. Não é coincidência, mas sim uma passagem nebulosa da história. Com o desmonte do aparelho repressivo do DOI CODI seus agentes, os torturadores, passaram a atuar em setores privados e em negócios ilícitos. Desta maneira o know-how da repressão, como a extorsão e a tortura, se dissiparam do Executivo para outros em como o crime organizado e a polícia.
Em Tropa de Elite o foco está no Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Policia Militar do Rio de Janeiro, que combate este tráfico. Trata-se de um violento embate entre o tráfico de drogas e o BOPE, que parece ser a única polícia brasileira apta a enfrentá-los.
São dois extremos de uma lança com um modus operandis similar. Cidade de Deus mostra de forma quase didática o rigoroso sistema de produção e venda das drogas, onde cada um exerce uma função e há uma espécie de “plano de carreira”. Em Tropa de Elite, o capitão Nascimento precisa treinar seu substituto para caçar os executores do tráfico. O rigor e a disciplina, sem os quais a punição é implacável, dão a tônica do treinamento. Ambos se apóiam em uma concepção extremamente autoritária, arbitrária e violenta de sociedade.
Em Tropa de Elite a corrupção dentro da PM é onipresente e que acordos com traficantes, subornos e chantagens entre os policiais são práticas recorrentes. O filme mostra que os policiais são mal-treinados e mal pagos Neste esquema podre quem não se corrompe dança.
A tropa de elite do BOPE aparece como a única instituição idônea, que une treinamento intensivo de guerra e zelo total em combater os traficantes. Os policiais do BOPE usam da tortura e do assassinado para combater o tráfico. Não se questiona a legitimidades destas ações. O BOPE pode julgar quando é “necessário” torturar, ou quando se deve matar uma pessoa? O filme mostra que sim. São meios arraigados em uma cultura autoritária e violenta.
A prática da polícia é de atuar na repressão, e não na prevenção. Mesmo o preparado BOPE atua naquilo que é visível, sem uma atuação planejada, enquanto quem comanda a lavagem de dinheiro, enfim, toda a direção do crime organizado não é visível. Melhor não seria uma polícia bem paga, qualificada, bem informada e que seja preparada para combater o crime de cima para baixo: do grande para o médio, do médio para o pequeno e não só olhar para os efeitos visíveis do crime? Para o Secretário de Segurança da cidade de Osasco (SP), Benedito Mariano, durante muito tempo a eficiência da polícia se media pelo número de pessoas que ela matava. Mas a polícia matou muito, continua matando e o crime só aumenta. O que leva a evidência inequívoca de que essa visão é errada. Segundo Mariano a eficiência da polícia contemplar inteligência para combater o crime organizado e prevenir os crimes comuns. O enfrentamento quase heróico mostrado em Tropa de Elite esconde a desvalorização do trabalho dos policiais que, mal preparados são mantidos alheios dos planejamentos sociais, servindo como meros soldados do batalhão de choque das cidades.
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