03 maio 2012 . 12:02
2008, EUA Andrew Stanton.
Um dia o consumismo e a produção de lixo chegarão, enfim, ao limite do insuportável. Esta é a premissa da qual parte a história do romântico robozinho WALL-E, caprichosamente talhado pela Pixar, para nos falar, com jeito, com delicadeza e de forma simbólica, de um assunto sério: os rumos da raça humana.
Enquanto o filme 2001, Uma Odisséia no Espaço remonta aos primórdios do trabalho humano na transformação da natureza, WALL-E, à seu modo, alerta para as conseqüências da falta de ponderação sobre os limites desta transformação. E coloca isso de forma simples e didática.
Em sua fábula, o mundo, vítima da selvagem competição econômica, se encontra subordinado aos desmandos de uma única empresa, a BNL. Surge, já aí, uma sutil referência ao processo real de trustes, holdings e cartéis, que monopolizam alguns setores e, por vêzes acabam até por excluir nações inteiras da economica global. Sem alternativas, frente ao lixo que devasta o planeta Terra, a empresa manda a humanidade para o espaço a bordo da nave AXIOM, deixando máquinas identificadas como WALL·E (Waste Allocation Load Lifters – Earth-Class, em português, Levantadores de Carga para Alocação de Lixo – Classe ´Terra´) para limpar o planeta. A viagem deveria durar poucos anos. Logo que a limpeza fosse concluída e o mundo se tornasse habitável, todos voltariam. Mas a história começa após 700 anos da partida da nave para o espaço.
O protagonista da animação é o único dos robôs deixados que consegue se manter. Ele vaga pelo planeta nestes sete séculos, realizando a tarefa para a qual foi programado: compactar o lixo. Seus semelhantes sucumbiram às pútridas condições do meio. Sozinho na Terra o pequeno WALL·E desenvolveu grande interesse pela cultura de um povo que nunca encontrou e respeito pela vida, que conhece apenas na forma de um eventual broto ou de sua baratinha de estimação.
Assim como um operário, ele cumpre seu expediente, acorda cedo, e tem seus hobbies. Ele coleciona artefatos humanos que encontra durante o trabalho, como um pedaço de plástico bolha, um cubo mágico, um isqueiro, uma embalagem de um anel de diamantes (o qual ele imediatamente joga fora), um aparelho de VHS e uma fita de seu filme favorito, Alô, Dolly, de 1969. Até que um dia a imensa nave Axiom deixa na Terra um novo e sofisticado robô: EVA (Examinadora de Vegetação Alienígena EVE em ingles). Sua diretriz é procurar sinais mostrem que a vida se tornou novamente possível.
Enquanto a expressão de WALL-E contrasta com sua aparência de lataria, EVA tem um desenho arrojado, inspirado no estilo dos tocadores de MP3 iPod (a Pixar chegou a pedir assistência ao designer da Apple, Johnny Ive, para desenhá-la).
Quando se vê diante de EVA, WALL-E busca estabelecer um relacionamento que idealizou a partir de seu “modelo” de interação humana: a seqüência musical “Put On Your Sunday Clothes” de Alô, Dolly. Animado com a visita o robô mostra a ela seu pequeno mundo. EVA é atraída pela chama do isqueiro, mas o objeto que muda o rumo da história é o pequeno caule de uma plantinha em crescimento, descoberta e cultivada pelo sensível amontoador de lixo. De volta à estação espacial, a nova robô leva consigo a prova cabal de que há um sinal de vida no planeta devastado. Desiludido pela partida de sua amada, WALL-E agarra a nave que a transporta para seguí-la.
A história muda do cenário apocalíptico do fim do mundo, para o espaço moderno, artificialmente colorido e completamente tecnológico, da nave que carrega a humanidade. Um detalhe interessante é que, de acordo com uma tendência mundial ao aumento da obesidade, o filme retrata os humanos do futuro como criaturas, que não sabem mais andar, deformadas pela gordura e pelo sedentarismo.
Desdobra-se, então, o embate entre o comandante que deseja voltar ao planeta e o computador central, que tem o controle da nave, e não quer que as coisas mudem (uma referência à Hal-9000, citando 2001). No fim o amor entre WALL-E e EVA consegue contornar os percalços e a pequena planta viabiliza a recolonização da Terra pela humanidade.
A devastação apontada no filme, como conseqüência de um sistema de produção desregulado e voltado à sua própria reciclagem não às pessoas que o sustentam não é só a devastação física da natureza. É também a deformação do corpo, dos ímpetos construtivos e da capacidade humana de fazer a história avançar. A barbárie, neste caso, é a apatia e a inatividade a falta de sentido sobre a existência e sobre a vida.
Muitas teorias já levantaram argumentos acerca das possíveis superações do sistema político/econômico, com sua lógica de produção, consumo e acumulação. Incitar este debate é fazer pensar em nosso própria condição.
No filme os dois robôs criados para cumprirem cegamente suas diretrizes, descobrem a própria individualidade e a magia que surge quando encontramos, no outro, algo que nos completa de alguma maneira. Mesmo no cenário aterrador do fim dos tempos o romantismo sobrevive. E mesmo a menor forma de vida é capaz de dar força, esperança e reorientar o rumo da humanidade. Para mostrar a importância da vida o filme coloca-a em um cenário de artificialidade e destruição, delicada e incipiente, sob cuidados daquele que é capaz de pressentir seu valor.
Este não é um filme catastrófico. Ao contrário, ele mostra o fim para ressaltar o recomeço e a capacidade de recomposição.
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