Entrevista com José Dirceu: O movimento estudantil foi uma válvula de escape de todo o sentimento contrário a ditadura

27 maio 2019 . 15:39

Por Carolina Maria Ruy

Brasil, São Paulo, SP. José Dirceu, presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes), discursa na Rua Maria Antônia, segurando a camisa ensanguentada do estudante José Guimarães, morto durante confronto com policiais. Dirceu Convida a todos para o velório, no episódio conhecido como A Batalha da Rua Maria Antônia. P25 -2. – Crédito:ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Codigo imagem:1899

Se por um lado a sociedade possui hoje mais instrumentos e instituições melhor consolidadas do que em 1968, por outro vivemos uma situação muito pior. A democracia está em processo de falência por causa da atuação dos órgãos de repressão que hoje se expressam aparelho judicial, que “está virando uma polícia política a pretexto de combater a corrupção”. Quem diz isto é o ex-deputado federal e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. Sua ampla experiência política lhe dá cacife para esta análise dura e taxativa. Dirceu foi um destacado líder do movimento estudantil, organizou o famoso Congresso da UNE em Ibiúna, foi preso pelo golpe militar em 1968 e foi um dos trocados pelo embaixador americano em 1969. Exilado, fez treinamento militar em Cuba e voltou clandestino ao Brasil, empenhando-se em conhecer todos os cantos do País. Da redemocratização em diante sua história de luta é uma das mais admiráveis do País. Tanto que ele ainda é um dos principais alvos da repressão de uma elite que hoje, como ele diz, “deixou de ser agente política”, “não tem projeto político”, “está controlada pelo capital bancário, pelo rentismo”. José Dirceu recebeu em sua residência em Brasília, no dia 15 de maio de 2018, o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Juruna, o jornalista e empresário, dono da editora Geração, Luís Fernando Emediato, e eu, Carolina, para conversar sobre o que ele viveu em 1968, sobre sua visão atual daquele ano e de hoje. Daquela conversa resultou a seguinte entrevista:

Estudantes do Mackenzie descendo a Maria Antônia

Carol – Para começar, queria falar um pouco sobre o que despertou seu interesse pela política.

José Dirceu – Tenho uma formação política e cultural muito ampla porque estudei em colégio de padres franceses na minha cidade, Passa Quatro, o que foi um privilégio. Além disto, o meu pai sempre participou da política. Na minha casa tinha biblioteca, se lia muito. Quando cheguei a São Paulo, em 1961, fui estudar, trabalhar. Trabalhava o dia todo e estudava a noite no Colégio Paulistano, fui office boy, arquivista, trabalhei em almoxarifado, fui relações públicas, contador informal em escritório.

Quando houve o golpe de 1964 a cena que me marcou, e acho que me levou a fazer a opção por participar, foram os estudantes do Mackenzie descendo a Rua Maria Antônia, passando pela Praça Roosevelt, entrando na Avenida Ipiranga e indo para a Praça da República. Eu era contra aquilo, porque era só elite de São Paulo, filhinhos de papai…

Carol – Era manifestação de apoio ao golpe?

José Dirceu – Apoiando o golpe. Depois fui estudar Direito, em 1965. Quando entrei na faculdade tive uma grande decepção porque, como era ditadura, o Centro Acadêmico estava fechado, a Associação Atlética fechada, eram proibidas atividades culturais, cinema, cineclube, teatro, feira de livro e o ensino era muito retrógrado e autoritário. Embora um professor ou outro, como Franco Montoro, fossem progressistas, contra a ditadura, o próprio reitor, Osvaldo Bandeira de Mello, pai do Bandeira de Mello…

Carol – o Montoro foi seu professor?…

José Dirceu – Foi meu professor de Introdução à Ciência do Direito. Logo que eu cheguei comecei a me envolver na luta contra o autoritarismo e contra o método autoritário de dar aula. Eu estava acostumado com uma educação muito liberal em casa. Tive um choque. Comecei a me dar conta de que, sem o Centro Acadêmico, como iríamos mudar aquilo? Naquela época estava proibido. Então, eu entrei na luta em defesa da União Nacional dos Estudantes (UNE). Comecei na sala de aula, muito atraído pelo Luís Travassos, que tinha sido presidente do Centro Acadêmico, era presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) e depois foi presidente da UNE, e pelo Antônio Funari Filho, que tinha sido presidente do Centro Acadêmico 22 de agosto (da PUC) e da UEE, antes do Travassos. Comecei a militar no movimento estudantil assim, contra as mensalidades muito altas, salas de aula muito cheias, e contra a contradição absurda: estávamos estudando Direito, Constituição e o País em uma ditadura, com censura, tortura, repressão, extinção dos partidos políticos, fim da eleição direta. O movimento estudantil já tinha uma herança política, cultural. Foi muito atuante contra o golpe militar, a favor das reformas de base do Jango, pela reforma universitária na década de 1950. Teve a campanha “O Petróleo é Nosso”, a própria criação da UNE se deu na luta contra o nazi-fascismo. Fui me entrosando, mas me entrosei mais com o Partido Comunista, o PCB, e não com a Ação Popular (AP), que era a corrente do Travassos.

Outra fase na faculdade

Participei da luta para eleger o Diretório Acadêmico. E o que é aconteceu? Eles obrigaram a fazer eleição em todas as faculdades de Diretório Acadêmico, para tentar fechar os Centros Acadêmicos. Aí você poderia adotar vários caminhos. Você poderia boicotar, simplesmente. Você poderia participar, ganhar e transformar em DA livre ou você podia participar, ganhar, fechar e abrir o Centro Acadêmico. Nós optamos por participar do DA. Depois fizemos eleição na rua com a polícia militar reprimindo mesmo, com bomba, com sabre, porque naquela época não era cassetete, era sabre.

Fui eleito presidente do Centro Acadêmico e começou outra fase da minha vida na faculdade. O movimento estudantil nesse momento já tinha ganhado corpo como movimento contra a ditadura, não só movimento que lutava pelos excedentes (excedente era o estudante que passava no vestibular, mas não tinha vaga), mas também pela reforma universitária, para baixar as anuidades, aumentar os recursos, solidariedade ao povo vietnamita…

Carol – Começou a entrar numa área mais política mesmo.

José Dirceu – Eu acabei me projetando porque comecei a fazer uma articulação de vários centros acadêmicos para fazer oposição à gestão da UEE do Travassos. Depois acabei até o sucedendo, ganhei uma eleição direta que fizemos em todo o estado. Minha participação política no movimento estudantil acho que foi como a da maioria dos estudantes, uma mistura de indignação contra a ditadura, mas muitas vezes mais movidos contra o autoritarismo mesmo, contra o conservadorismo das estruturas da universidade.

Válvula de escape do sentimento contra a ditadura

Mas vamos lembrar que eram poucos os estudantes no Brasil daquela época. O Brasil devia ter menos de 65 milhões de habitantes. São Paulo tinha três milhões de habitantes quando eu cheguei. E os estudantes universitários não chegavam a duzentos mil. Então, era uma elite. Isso era uma das lutas. “Zero um por cento dos brasileiros estudam na universidade”, era uma das nossas lutas. A ampliação do ensino e pela pesquisa científica técnica também.

Então, com a repressão dos sindicatos, que foi muito grande, à repressão às Ligas Camponesas, a extinção dos partidos políticos, as cassações, a censura, o movimento estudantil foi uma válvula de escape de todo o sentimento contrário à ditadura. E começou a receber apoio popular, de jornalistas, escritores, artistas, intelectuais, funcionários públicos, pequenos e microempresários.

Na verdade, não houve um golpe militar em 1964. Houve mais do que isso, houve uma contrarrevolução conservadora e uma modernização do capitalismo brasileiro. Eles não fizeram uma quartelada e depois convocaram a eleição para ver quem iria governar. Eles tomaram o poder e falaram: “Nós vamos mudar isto aqui”. Então começa a reforma tributária, o fim da estabilidade e a criação do FGTS, do BNH, o acordo de investimento Brasil/Estados Unidos, o Plano de Investimentos na Infraestrutura do País, a opção rodoviária em prejuízo à opção ferroviária, do mix “hidroviário, cabotagem, ferroviário e rodoviário”. Começa uma fase de crescimento econômico e, por outro lado, um ajuste violento. Esse ajuste gerou desemprego, queda de salário, arrocho. Houve também uma reação contra isso. E o movimento estudantil acabou sendo, para esses setores sociais, como uma direção.

Carol – Uma vanguarda, não é?

José Dirceu – Acabou sendo uma vanguarda, coisa que ele não era porque não tinha peso para ser uma direção. Era como se fosse possível derrotar a ditadura nas ruas. Muda o caráter do movimento. Vamos lembrar que naquela época a repressão era muito forte, com prisões, repressões contra manifestações… havia grupos paramilitares, Comando de Caça aos Comunistas organizado pelo Dops, financiado por empresários para reprimir o movimento estudantil.

Carol – Desde o início?

José Dirceu – Logo depois do golpe militar se começou a impedir passeatas, destruir urnas quando tinha votação, dissolver palestras, impedir palestrantes. Porque os grupos paramilitares aqui em São Paulo eram muito fortes. Comando de Caça aos Comunistas, apoiado pelo DOPS e, hoje nós sabemos, pelos órgãos de inteligência. Houve um choque muito grande, porque nós também começamos a nos armar e a responder a eles. Começou a haver influência das facções políticas internas, que começaram a optar pela luta armada. O ano de 1968 foi o auge disso. Por que? Primeiro porque a ditadura perdeu a eleição de 1966. Perdeu em São Paulo e no Rio. Depois, as greves de Contagem e Osasco mudaram tudo. Os militares, quando viram que os operários ocuparam as fábricas e que isso poderia repercutir no Brasil, eles ocuparam as fábricas com o Exército, com tanques.

Ocupação das universidades

Carol – Mas antes disso, a morte do Edson Luís repercutiu aqui?

José Dirceu – Os fatos que aconteceram foram: a morte do Edson Luís, a ocupação das universidades em São Paulo, as greves de Contagem e Osasco e o Congresso de Ibiúna. A morte do Edson Luís foi mais uma violência praticada pela ditadura.

E a ocupação das universidades mudou o caráter da luta. Qual o peso de uma greve de estudantes? Agora, ocupar uma universidade, transformar em um centro político-cultural de debates, de agitação, irradiando para o resto da sociedade, fazer cursos paralelos, começar a propor uma reforma universitária, formar quadros, trazer o movimento secundarista, que era muito radicalizado, para participar junto, é outra história.

Carol – Sei, mas você participou dessa ocupação?

José Dirceu – Nós todos ocupamos. Eu fui um dos principais líderes.

Carol – Qual, por exemplo?

José Dirceu – A USP. Nós fomos em todos. Onze de Agosto, a USP, Sociologia e Política, o Crusp, a PUC. Nós ocupamos as principais universidades em São Paulo naquele momento.

Carol – E como era? Durava quanto tempo?

José Dirceu – Ficávamos dois meses, três. Não era ocupar e não fazer nada. Você transformava aquilo em um centro de atividade cultural, política, acadêmica. Nós fazíamos cursos, seminários e shows. Gilberto Gil, Caetano, Chico Buarque. Os artistas iam. Era muito ligado à classe artística, à classe teatral, ao cinema novo, porque o movimento estudantil era o principal público da música popular brasileira e dos festivais de música da Record. Muitos músicos, cantores, compositores, estudantes, pessoal do cinema novo, do Teatro de Vanguarda, eram estudantes. Inclusive nós dávamos segurança para os artistas. Há uma foto em que eu estou sentado numa mesa do Teatro Escobar dirigindo uma assembleia, porque nós estávamos organizando a segurança dos espetáculos do teatro.

Invasão da Faculdade de Filosofia na Rua Maria Antônia

Esses fatos culminaram com a invasão da Faculdade de Filosofia na Rua Maria Antônia e a destruição incendiária para tirar o principal centro político. Aquilo foi uma provocação. Primeiro, é mentira que houve uma guerra entre os estudantes do Mackenzie e os da USP, pela simples razão de que, dos cinco Diretórios Acadêmicos do Mackenzie, quatro se reconheciam da UEE ou da UNE. A maioria dos estudantes apoiava o UEE e a UNE. Foi uma provocação montada pelo CCC exigindo que nós tirássemos a barreira. Tínhamos que fazer uma barricada para arrecadar fundos, como se fosse uma cancela, os carros passavam e quem queria fazia sua doação para o movimento estudantil, como a calourada faz nos sinais de São Paulo. Começaram a criar uma crise dizendo que estávamos impedindo a entrada dos carros. Então eu recuei e achei que estava resolvido, mas o pessoal não queria recuar. Eu quase tive que dar uma ordem militar para fazê-los recuar. Passou uma hora, começou tudo de novo. Falei: “Isso aí vai acabar mal. É uma provocação, eles vão entrar em conflito conosco, vamos nos preparar”. Começamos a nos preparar e eles entraram em conflito conosco. Só que eles tinham armas. Era desigual a luta. Depois, o objetivo deles era tomar a Maria Antônia. O nosso não era tomar o Mackenzie. Não tinha um porquê tomar o Mackenzie. O nosso objetivo era defender a Maria Antônia. Quando começou a aumentar muito a agressão e mataram o José Guimarães, que era um estudante secundarista que veio do Piauí para trabalhar e estudar em São Paulo, eu decidi pela retirada e por fazer passeatas na cidade. Tem uma foto minha com o José Eli da Veiga, na parede de uma das casas da Visconde de Cairu, onde tem a faculdade, em que estou fazendo um discurso com a camisa do José Guimarães ensanguentada. Eles destruíram o símbolo do movimento estudantil, porque vamos nos lembrar que o Mackenzie, a Faculdade de Economia, a Sociologia e Política e a FAU formavam uma massa de estudantes impressionante.

Congresso de Ibiúna

Logo que fui eleito presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto, fiz uma aliança primeiro com o Aloysio Nunes Ferreira, depois com Marco Aurélio Ribeiro. Porque eu e o Aloysio éramos membros do Comitê Universitário do Partido Comunista Brasileiro. Nos conhecíamos. Depois, eu saí para a dissidência. A dissidência, depois, vai para a luta armada, a parte principal vai para a ALN e alguns vão para a VPR, como o Rui Falcão, VAR-Palmares. O movimento estudantil foi muito influenciado pela questão militar, pelo menos nas suas direções, seus militantes, mais de vanguarda, acabaram optando pela luta armada.

E aí, nós entramos em outra fase que foi a do Congresso de Ibiúna. A queda do Congresso, a nossa prisão e, depois, a tentativa de fazer um novo Congresso, um “Congressinho”, para eleger uma direção, que a repressão inviabilizou. Porque era um terror já, não é? O Ato Institucional Nº 5 quebrou todo esse ascenso de luta popular, estudantil popular, o ascenso dessa revolução cultural e também da radicalização do movimento estudantil. E o movimento estudantil só retomou a luta em 1976, com a reconstrução da UNE.

Carol – O governador Abreu Sodré tinha oferecido de fazer o Congresso no Crusp?

José Dirceu – Não. Isso é uma lenda. Eu que dirigia, dialogava com as forças políticas do estado. Inclusive recebi várias visitas do Covas, de vários deputados do PCB que estavam no MDB, para nos convencer de sair da luta armada, apoiar o MDB, a frente ampla, que foi fechada com o decreto pelos militares que era uma aliança entre o Juscelino, o Jânio e o Jango. Nós fizemos o Congresso da UEE no Crusp à força e eles só não invadiram porque tinha mais de cinco mil estudantes.

O correto teria sido fazer o Congresso de Ibiúna no Crusp, um congresso aberto, mas poderia ter sido reprimido também. Podiam prender todo mundo na hora que saíssem, entendeu? Eles não iam identificar quem era delegado, quem não era.

Nós já tínhamos feito dois congressos clandestinos. Pouca gente sabe disto. Em 1965 o Congresso da UNE foi feito com um mandato de segurança, na Poli porque o Serra era o presidente (da UNE). Em 1966 o Guedes (José Luís Moreira Guedes) foi eleito por Belo Horizonte em um convento, em um congresso clandestino, com mais de 180, duzentos delegados, e depois, em Valinhos, foi feito o congresso em que o Travassos foi eleito.

Em Ibiúna, para você ver a capacidade de organização do movimento estudantil, levamos oitocentos estudantes clandestinamente, marcando pontos em São Paulo para eles chegarem dos 27 estados do Brasil. Tinha casas para eles ficarem, senhas e todos entraram sem nenhum problema. Se tivéssemos chegado com o regimento acertado, com a pauta acertada, os candidatos definidos e feito em coisa de um dia, teríamos saído.

Carol – Por que vocês optaram por fazer um congresso maior?

José Dirceu – O movimento estudantil tinha crescido muito. Nem tem comparação o movimento estudantil de 1966, 1967 com o de 1968. Era massivo como hoje (o Congresso da UNE, hoje, se reúne milhares de delegados).

Carol – Por que vocês fizeram lá?

José Dirceu – Por razões de segurança, porque era possível fazer lá sem ser descoberto. Na cidade seria descoberto se reunisse oitocentas pessoas em qualquer lugar. Eu não tinha conhecimento do local porque, se era para fazer clandestino, então não poderia ser de conhecimento dos delegados. Se fosse do conhecimento a polícia já estaria lá esperando. Quando eu cheguei que me dei conta. Para mim foi um choque. Nós tentamos fazer o congresso o mais rápido possível. Ficamos sabendo antes que a tropa estava indo para cercar e optamos por não sair, porque os dirigentes poderiam ter saído, os principais líderes. Nós optamos por ficar, “já que vamos ser presos, vamos ser presos todos juntos”. E fomos presos. Depois, 98% dos estudantes foram soltos. O problema é que foi todo mundo fichado.

Carol – Como que foi esse momento da prisão? Eles chegaram lá e, enfim, usaram de violência?

José Dirceu – Não. Não teve violência. Pode ter tido um ou outro caso isolado, mas violência generalizada não. Primeiro, fizeram um cerco. Depois mandaram que uma ou outra tropa se aproximasse. Muita gente tentou fugir, mas era muito difícil. O Vladimir fugiu do ônibus na Avenida Tiradentes, porque o ônibus tinha porta atrás, mas logo depois o capturaram. É lógico que foi uma derrota política grande a queda do Congresso de Ibiúna, mas nós já tínhamos uma intuição sobre o Ato Institucional Nº 5, porque o grau de repressão estava aumentando, a própria destruição do prédio da Maria Antônia, não é?

A repressão ao Congresso de Ibiúna mostrava isso. Inclusive, tomamos providências em alguns centros acadêmicos de tirar mimeógrafos, tirar veículos, guardar dinheiro, esconder pessoas. Nós começamos a tomar algumas providências pensando já em atuar semiclandestinos. Mas o Congresso de Ibiúna, por outro lado, marca a força que tinha o movimento estudantil.

Fiquei preso e depois fui trocado pelo embaixador americano

Carol – E depois você foi preso?

José Dirceu – Eu fui preso. Nós fomos presos, fomos para o Dops, onde sofremos uma pancadaria generalizada, passando por um corredor polonês dos oficiais da PM, que tinham levado bolinhas de gude, foguete, tinham caído do cavalo por causa de bolinhas de gude, tinham caído dos veículos com os pneus estourados e tinham acabado se ferindo nas manifestações e ficamos lá alguns dias e depois fomos transferidos para o Forte de Itaipu, comandado pelo Erasmo Dias. O Forte de Itaipu é uma artilharia de costa motorizada antiaérea. E lá nós ficamos um período, depois fomos para a delegacia, depois na Vila Mariana, na Rua Onze de Julho. E depois fomos para o 4º RI, de onde o Lamarca tinha saído. Lá no quarto 4º RI a minha cela era menor do que isso aqui (aponta para a mesa de jantar), eu nunca saí dela, quatro meses e meio. Na frente tinha um corredor que era metade e depois era grade. Nesse período eu não saí dessa grade. A comida era uma lavagem, o tratamento era pancadaria a toda hora, nos jogavam água gelada no inverno às seis horas da tarde para ficar doente mesmo. Fiquei eu, o Travassos e o Ribas. Em 7 de setembro eu sai trocado pelo embaixador americano.

Carol – Até o sequestro você ficou preso?

José Dirceu – Eu fiquei preso de 12 de outubro de 1968 até 7 de setembro de 1969, e depois fui trocado pelo embaixador americano. Quando fui para o exterior me dediquei a estudar o País, a economia, a política, a história, e quando voltei para o Brasil, clandestino, comecei a viajar. Todo mês eu viajava para uma região para conhecer o País. Nos cinco, seis anos que passei na clandestinidade, toda semana viajava para uma região. Conheci o Vale do Itajaí, o Vale do Aço, a região do cacau na Bahia, Pantanal, Tocantins, naquela época norte de Goiás. A colonização europeia no sul do País, as grandes cidades brasileiras que eu não conhecia.

A repressão ao movimento estudantil foi generalizada depois do Ato Institucional Nº 5. Milhares de estudantes foram expulsos, centenas foram presos, muitos foram para o exílio por falta de condições, até por risco de vida, mas o movimento continuou. Mesmo que fosse uma brasa, não é? Quando chegou 1976 ele reacendeu, até a refundação da UNE em 1979.

Começam as passeatas em São Paulo. Tem a morte do Alexandre Vannucchi.

Carol – O Herzog morre em 1975. O Vannucchi, eu acho foi que antes. O Vannucchi foi em 1973!

José Dirceu – É, mas ele faz começar a retomada do movimento estudantil. Já era a retomada. Ele foi preso porque estava atuando no movimento estudantil, não tinha nada a ver com luta armada.

Treinamento militar em Cuba

Carol – E você fez treinamento por quanto tempo?

José Dirceu – Fiz treinamento militar em Cuba. A primeira etapa foi como se fosse um treinamento base militar, treinamento de guerra e de guerrilha. E na segunda fase fiz o treinamento mais para a clandestinidade, para disfarce, para assumir outra identidade, aprender várias profissões para poder trabalhar, como viajar pelo mundo. O treinamento militar é um treinamento básico que garante a quem o faz condições mínimas de combate. Não é nenhum fuzileiro naval, nenhum marine, mas também não é o serviço militar obrigatório. É o intermediário disso. Porque você mexe com explosivos, mexe com comunicação, aprende a atirar com todas as armas, aprende táticas de emboscada, faz estudos de guerras, táticas militares. Alguns se especializam numa área, outros noutra, alguns fazem por paixão, outros não, mas todo mundo tem o treinamento básico para se defender, faz defesa pessoal. Todo mundo tem, como se fizesse um serviço militar mais prolongado e mais completo.

Alguns fizeram com paixão e tem queda para a vida militar, para fazer a guerra. Outros fizeram mais por dever de ofício, porque precisavam ter os conhecimentos básicos para se defender.

Carol – E você está mais para paixão ou dever de ofício?

José Dirceu –Eu estou mais na parte do dever de ofício. Minha paixão era outra: a política!

Primeiro de Maio na Praça da Sé

Carol – E o Primeiro de Maio? Você chegou a participar, na Praça da Sé?

José Dirceu – Eu participei, estava lá e nós organizamos a segurança. Nos depoimentos que foram publicados tem esse relato de que os estudantes eram responsáveis pela segurança, porque nós já tínhamos grupos semi-armados ou armados.

Juruna – Sobre o Primeiro de Maio, tem uma turma que defende fazer o Primeiro de Maio bonitinho, com o Abreu Sodré junto e tal, e tem uma ala que não…

José Dirceu – A ala estudantil e a ala da luta armada.

Juruna – O que fomentou, assim…

José Dirceu – Porque, na verdade, era uma farsa, não é? A repressão ao movimento sindical era muito grande.

Juruna – Por que uma ala do movimento sindical defendeu isso?

José Dirceu – Porque havia a crença de disputar dentro da ditadura. Foi a divisão que polarizou o movimento sindical a vida toda, não é? No fundo, o movimento sindical, como os partidos, tem a sua direita, centro-esquerda, o PT mesmo é assim. Hoje, quando eu revejo isso nas minhas memórias, eu atenuo um pouco a crítica ao Partidão. Porque o MIA, a unidade sindical, também fazia a luta. Como os deputados foram candidatos em 1966, 1970, uma parcela importante deles importante lutou contra a ditadura, com os seus instrumentos, com a sua forma de luta. O problema é que havia a necessidade de o movimento sindical assumir uma postura. Aí vem a nossa divergência. Ou seja, “nós só fizemos greve porque nós fizemos greve”, se não nunca ia ter greve, porque também era proibida no movimento estudantil. Nós só tivemos Centro Acadêmico, porque nós fizemos o Centro Acadêmico à força, porque estava proibido.

Então, era possível fazer isso no movimento sindical, mas também porque mudou a composição da classe operária industrial. A classe operária industrial de 1970 não é a classe operária pós 1964, que era ferroviária, portuária, alimentação, têxtil, calçados. A classe operária da década de 1970, 1980, era da indústria pesada de bens intermediários, da indústria petroquímica. Os serviços já tinham crescido muito, bancários, professores. Muda o caráter da classe operária. Mudam as condições de luta também, porque a ditadura já não podia reprimir como reprimiu até 1974, 1975. Ela não tinha mais condições porque não tinha mais sustentação nem dentro do empresariado. Já haviam facções burguesas que estavam trabalhando com uma transição por cima, conservadora, porque era possível derrotar a ditadura nas ruas. Inclusive, se nós tivéssemos combinado a campanha das diretas com greve geral… foi feita a proposta, foi discutida. Praticamente foi decidida uma greve geral, depois se abortou na campanha das diretas. Era possível, mas a direção do movimento (não com apoio do PT) optou por apoiar Tancredo e repetir os comícios de Tancredo. E, na verdade, se Tancredo fosse presidente, talvez nós tivéssemos saudades do Sarney, porque Tancredo era bem conservador.

Então, sobre o Primeiro de Maio, na verdade nós fomos lá para quebrar. Os estudantes foram para lá com a ala do movimento operário que já estava com o Zequinha, o José Ibrahim, que já estavam na luta armada. Foram para botar fogo, tiraram ele a pedrada. Saiu pelos fundos correndo e o pessoal subindo, botando fogo e fazendo a festa.

As greves de Contagem e de Osasco tremeram os alicerces. Depois a repressão foi dura, eles mandaram tanques. Aí começou a tortura, os assassinatos políticos. Agora está mais do que comprovado.

Luta armada

Carol – Então, deixa eu te perguntar, nessa linha. Tem muita gente, hoje, que faz uma revisão da luta armada como se tivesse sido um erro, uma imprudência O que você acha? Você faz uma revisão assim ou você acha que foi uma necessidade?

José Dirceu – É um tema muito complexo. Te dou exemplos. Como é que se resolveram as questões políticas no Brasil de 1889 a 1964? Desde a proclamação da República até 1964. Pelas armas. Ou não foi?

Como começou a cair a República Velha? Os tenentes se levantaram em insurreições e rebeliões. A Revolução de 30 não teve uma guerra civil, mas foi uma revolução armada. Facções militares, os tenentes representam isso. Teve a Coluna Prestes. São Paulo foi bombardeada pela Força Aérea do Exército e canhões Krupp de lá de cima, de Santana, bombardearam os bairros operários de São Paulo em 1924. Em 1932 houve uma guerra civil no Brasil, uma contrarrevolução conservadora a partir de São Paulo. Sob o manto da Constituição tentaram derrubar o governo revolucionário, que depois se constitucionalizou em 1934. Em 1935, os comunistas tentaram uma insurreição igual aos tenentes faziam. Eram os mesmos assaltos, os mesmos ataques aos quartéis. Quer dizer, morria gente dormindo, como acusaram, mataram os companheiros dormindo, para criar esse mito anticomunista. Em 1938 os integralistas não tentaram assaltar o Palácio da Guanabara? O Getúlio não deu um golpe militar em 1937? Ele não foi derrubado por um golpe militar em 1945? E o que foi 1955? Se o Lott não dá um contragolpe, o Juscelino ia tomar a posse. Ia voltar a UDN para o poder, que ia derrubar o Getúlio. Aliás, os militares pediram que o Getúlio saísse. Então, até aí só armas, não é? O que é que é 1961? Por que de novo que não triunfou o golpe? Porque o Brizola armou o povo e dividiu o Terceiro Exército. Então, você vê: das duas vezes que não teve golpe, foi pelas armas que se impediu. E nós devíamos ter aprendido isso.

Então, em 1964, eles chegaram ao poder como? Deram um golpe militar. O que era para ser feito em 1964? O mesmo que em 1961 e 1955. Sete mil oficiais que foram expulsos das Forças Armadas depois de 64. Porque eram progressistas, democratas, nacionalistas ou comunistas. A minoria. A maioria era democrática e nacionalista, desenvolvimentista, diriam hoje. Então, ali era a hora de resistir, armar o povo, resistir, rachar o Exército e impedir o golpe de 64. Escutem de novo o discurso do Jango na Central do Brasil, é um discurso de ruptura. Ele propõe uma série de medidas que eram para mudar o caráter da economia brasileira. Escutem: é que essa coisa da CLT, que nós pedimos a revogação nas Conclats, uma das pautas que unificava era a revogação da CLT, chamada de fascista ou corporativista, não é não? E hoje, nós estamos em um governo que está nos custando as mudanças da CLT.

E tem outra coisa que me intriga muito. Quem eram os principais dirigentes que optaram pela luta armada? Todos eles com larga experiência, alguns militares e outros de revoluções, de luta. O Apolônio de Carvalho tinha participado aqui, na Guerra Civil Espanhola e no Maquis francês. O Gregório Bezerra era linha B das Forças Armadas, era suboficial.

Os dirigentes do Partido Comunista Brasileiro e do PCdoB tinham participado de 1935, 1937, 1938, 1961. A grande maioria optou pela luta armada. Não põe a culpa nos jovens, entendeu? Os jovens optaram, também, pela luta armada. Influenciados pela Revolução Cubana, pelo Foquismo, por Régis Debray e porque, simplesmente, não havia nenhum espaço para qualquer luta legal no Brasil. O direito à rebelião, inclusive, é sagrado.

E qual foi o problema? Nós fizemos um diagnóstico correto do golpe militar, que não era uma quartelada, era uma contrarrevolução que, inclusive, ia mudar as estruturas do capitalismo brasileiro (e deixou aquela herança: pobreza, miséria, favela, arrocho). Embora a economia tenha crescido como nunca, quase dobrou o PIB várias vezes, não houve distribuição de renda. Podia ter sido a resistência armada combinada com a luta política, com a luta institucional, eleitoral, mas optamos pela luta armada em um momento que não havia a correlação de forças, mobilização e a consciência que havia em 1964, 1965. Em 1969, 1970, 1971, o País já estava vivendo outra fase.

Como, agora, nós vamos resolver o problema do Brasil em 2018? Acho remoto. Isto é uma coisa de quatro, seis, oito anos. Infelizmente, entendeu? Podemos até ganhar a eleição, mas vamos encontrar os mesmos problemas. O Judiciário, o aparato do judicial, policial, o Congresso dominado, conservador, por senador, a mídia, o poder econômico dos bancos, a economia financeirizada, o Trump nos Estados Unidos, a situação da América do Sul. Então, a gente tem de analisar assim o cenário político. Então, eu acho que é muito complexo condenar a luta armada. Eu não condenaria. Agora, reconheceria os erros que nós cometemos, a forma como nós fizemos, muito militarista. Na verdade, nunca houve guerrilha no Brasil, luta armada no Brasil, se você fizer uma análise. Houve ações armadas, houve propaganda armada, tentativas de campos de treinamento, tentativas de colunas ou de focos guerrilheiros que foram fracassadas, como o caso de Caparaó, o caso do Vale da Ribeira, o caso do Araguaia, o caso de Goiás, que foi um pouco coisa do Marighella, e ações urbanas de expropriação de recursos, de roubos de documentos, de roubo de fortunas privadas ilegais e de propaganda nas fábricas. Propaganda! Luta armada é outra coisa. Acho que daí poderia evoluir. Mas não havia condições naquele nível de luta, de mobilização popular. Houve um descompasso entre nossa ação e o sentimento do povo, que protestou nas urnas. Talvez aconteça de novo agora.

Carol – Protestou nas urnas…

José Dirceu – Em 1974 derrotou a ditadura. Derrotou a ditadura! Depois, em 1978, o MDB faria maioria no Colégio Eleitoral, se não fosse o pacote de abril iria eleger o presidente legalmente. Como elegeu depois, legalmente, o Tancredo no Colégio Eleitoral. Elegeria em 1978, mas de passeio, não é eleger com dificuldade, não. Iria formar uma maioria sólida. Eles mudaram todas as regras e ainda puseram o João Figueiredo. Poderiam ter posto um melhorzinho, não é? João Figueiredo foi dose, viu. Seis anos governando o Brasil. Um atraso para o País.

O País precisava de uma repactuação

Carol – Eu queria que você fizesse, para finalizar, uma comparação entre 1968 e hoje. Houve todo um desenvolvimento de 68 para cá, redemocratização, os governos do PT, mas agora…

José Dirceu – Por um lado, nós temos condições muito superiores. Nós temos partidos políticos, governos, bancadas parlamentares, movimentos sociais, movimento sindical, popular, rural, a Contag, a Força Sindical, a CUT, instituições que têm força política, social, que participam da vida do País. Não tem nem comparação, por um lado. Por outro lado, nós vivemos uma situação muito pior porque o País está dominado. A burguesia brasileira industrial deixou de ser agente política. Não tem projeto político. Quem pode ter projeto político no Brasil hoje são as classes populares, porque as elites estão controladas pelo capital bancário, pelo rentismo. E a democracia, evidentemente, está em processo de falência por causa da atuação dos órgãos de repressão. Quais são órgãos de repressão hoje, de perseguição criminal? O aparelho policial judicial, que não tem controle nenhum, está virando uma polícia política a pretexto de combater a corrupção. As mudanças que estão sendo feitas na Constituição, que não são atribuições do Supremo Tribunal Federal, e sim da Câmara e do Senado da República. Basta ver que os procuradores mesmo mandaram o projeto transformando crime de colarinho branco em hediondo para a Câmara, não mandaram? O ministro Peluso, que era presidente do Supremo, enviou uma PEC ao Congresso para execução da pena em segunda instância e o Supremo, por seis a cinco, transformou em letra da Constituição. Uma coisa completamente inconstitucional. Então nós passamos por um momento de enfraquecimento dos partidos políticos, do Congresso Nacional, do Executivo, porque o governo do Temer é um governo ilegítimo e é um governo paralisado. Fez as contrarreformas que queria fazer e hoje está paralisado. O Congresso Nacional é um Congresso completamente sem força. O Lula seria presidente da República se não fosse inabilitado de forma ilegal, se não fosse impedido de recorrer. Está preso, inclusive. Uma violência maior ainda. Não há opção, porque eles não têm um candidato que tenha maioria na sociedade. Nós temos!

Então, a instabilidade política e institucional social no País é evidente. O País precisava de uma repactuação porque eles rasgaram a Constituição e o pacto social. E isso não se faz em vão. A precarização e a flexibilização, a terceirização, vão produzir um fenômeno de queda da participação do trabalho na renda nacional, de aumento da pobreza, muito grande, fora que não há solução para o desemprego no curto prazo e os cortes na área social já estão surtindo efeitos, já estão surgindo.

O País está vendo, porque se eles vão fazer o ajuste pelo lado fiscal só, isso significa arrocho salarial e arrocho social, desemprego, aumento da pobreza, da miséria e luta social. Pode ter certeza de que vai ter um ciclo de luta social, como teve. Por que surgiram as lutas na década de 1970? Porque não tinha esgoto, porque não tinha creche, porque não tinha transporte e o País enriquecendo, cada vez mais rico. O povo vai mal e a economia vai bem, o próprio Médici acabou dizendo isso. Hoje o capital financeiro está se apropriando de quase toda a renda que poderia ir para o consumo e para o investimento. Então, o País precisa de reformas estruturais. Essa similaridade que eu falei entre 1968 e agora é mais do risco do fechamento político, do risco do regime civil autoritário, respaldado pelo Exército. Porque, se não se faz uma Constituinte, se não se convoca eleições gerais com novas regras, o País vai ficar rodando em falso. Esse sistema político eleitoral dá nesse Congresso. Em parte, estamos vivendo os riscos que a democracia corre, mas penso que a correlação de força é muito mais favorável agora. Apesar de que houve uma derrota política estratégica, um golpe.

 

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