Vozes sindicais

21 jan 2013 . 12:58

vozes-1Por Pedro Carrano

As centrais sindicais avaliam os dez anos de governo do PT como e apontam bandeiras pendentes. Para falar sobre esse assunto conversamos com Wagner Gomes, presidente da Central de Trabalhadores do Brasil (CTB), Mauro Puerro, integrante da coordenação nacional da CSP-Conlutas, Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Edson Carneiro ‘Índio’, direção nacional da Intersindical, Júlio Turra, da direção-executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e João Carlos Gonçalves, o “Juruna”, Secretário Geral da Força Sindical.

Brasil de Fato – Qual o balanço dos dez anos sob o governo do PT do ponto de vista do movimento sindical? Houve avanços? Houve retrocessos?

Wagner Gomes – A vitória de Lula em 2002 não envolveu apenas o PT, mas um conjunto mais amplo de partidos de esquerda, incluindo PCdoB e PSB. Foi uma mudança política histórica, que conduziu novas forças sociais ao governo. A dimensão simbólica da ascensão de um torneiro mecânico à Presidência da República, pela força do voto popular, não deve ser ignorada. O ódio da classe dominante contra o operário que se transformou no maior líder político da nação é óbvio. Não restam dúvidas de que houve avanços relevantes nesses 10 anos. O primeiro foi o arquivamento do projeto de reforma trabalhista encaminhado pelo governo FHC ao Congresso Nacional, que tinha sido aprovado pela Câmara e aguardava a votação no Senado. A proposta estabelecia o primado do negociado sobre o legislado e constituía grave ameaça a direitos trabalhistas fundamentais como férias e 13º Salário. Tivemos a política de valorização do salário mínimo, o Bolsa Família, a legalização das centrais sindicais. Os governos Lula e Dilma provaram que a valorização do trabalho é fonte de desenvolvimento, ao contrário do que supõe o pensamento neoliberal, que advoga a depreciação da força de trabalho como remédio para todos os males do capitalismo. Vejam só o que ocorre na Europa, sob o desígnio do FMI e da chamada Troika. Nossa avaliação não pode se limitar à questão sindical strictu senso. Lula, com a colaboração de Celso Amorim, resgatou a soberania nacional e colocou em curso uma política vozes-2externa altiva, rejeitando a Alca e privilegiando a integração da América Latina.

Mauro Puerro – O ponto de partida é a eleição do Lula, há dez anos atrás, que criou grande expectativa no movimento sindical de que as coisas mudariam. Pela primeira vez, um governo oriundo dos movimentos sociais assumia o governo do Brasil. Havia uma expectativa, mas foi frustrada. Medidas foram semelhantes a de governos anteriores, governos oriundos da classe dominante. A primeira medida foi a Reforma da Previdência de 2003, algo que FHC iniciou e que Lula concluiu, atacando direitos dos funcionários. Ali ocorreu a primeira frustração. Há bastante similaridade (entre o período Lula e os governos anteriores), diferenças qualitativas não vemos, apenas quantitativas. No que está centrada hoje a política econômica? Em garantir lucros altos para o empresariado. Um tema no qual não se avançou é o da democracia sindical, não há democracia nas fábricas e nas empresas.

Ricardo Patah – Foi na gestão do presidente Lula que os trabalhadores obtiveram as maiores conquistas salariais e o aumento do salário mínimo fez com que a economia brasileira registrasse índices de crescimento superior a 7% ao ano. Além disso, a valorização do salário mínimo também foi responsável pela inclusão de milhares de trabalhadores no mercado de trabalho e pela ascensão de 30 milhões de brasileiros que saíram da linha da miséria. Além da criação dos conselhos, com a participação de trabalhadores, empresários e representantes dos movimentos sociais. No governo do presidente, as centrais sindicais obtiveram o reconhecimento e a representação dos trabalhadores passou a ser mais forte.

Índio – Apesar de um crescimento importante do número de greves nos últimos anos, o movimento sindical não está fortalecido. As greves são por reivindicação econômica apenas. O fato é que o movimento sindical está despolitizado, disperso e fragmentado. Os setores com mais peso não estabeleceram uma relação de autonomia do governo para lutar por mudanças estruturais. Outro setor, bem minoritário, também não tem autonomia do seu partido. Infelizmente, os governos do PT não apostaram em mudanças de fundo. O modelo econômico voltado a favorecer o rentismo ganhou fôlego e legitimidade. Basta ver o lucro dos bancos e o aumento do número de milionários. O agronegócio é outro grande beneficiário desse modelo. Não houve avanços no sentido de consolidar direitos sociais. Perdemos direitos, particularmente na previdência. A cidadania do consumo tem fôlego curto, não é para todos e não altera, estruturalmente, o quadro desigual e injusto que marca a formação social brasileira.

Júlio Turra – A primeira eleição de Lula foi considerada pelo conjunto dos movimentos sociais uma vitória, na medida que depois de quatro tentativas ele conseguiu. Ao longo dos dez anos, um primeiro choque com o Governo Lula foi a reforma da previdência. No Congresso da CUT de 2003, todos combatemos essa linha. Depois disso, por pressão do movimento sindical, o mérito do governo foi receber essa pressão de maneira positiva, o que gerou a política do salário mínimo, transformada em lei no governo Dilma. A valorização real do salário repercutiu positivamente no conjunto da grade salarial, o que dá parâmetro para a convenção coletiva, que no Brasil se baseia no salário mínimo. Esse foi o principal elemento e ganho de conquista, e não foi uma benesse, foi resultado de pressão das centrais pela valorização do salário. Houve também no governo Lula uma série de fóruns, mas os resultados não foram espetaculares. O governo Lula ampliou mais ainda a sua base de governo, que busca um equilíbrio entre forças contraditórias. Se não exercemos a pressão, obviamente o outro lado acaba levando. Outro grande elemento foi a paralisação total da reforma agrária, não avançou em nada, o que afeta um setor importante do sindicalismo.

vozes-3Juruna – Os primeiros oito anos do PT foram positivos para o movimento sindical. Éramos recebidos pelo presidente Lula, ele ouvia nossas reivindicações e dizia se poderia ou não nos atender. Foi o presidente Lula que legalizou as centrais sindicais em 2008. Apoiamos a eleição da atual presidente Dilma Rousseff que fez várias promessas ao movimento sindical. Porém, a relação com o Palácio do Planalto mudou. Não temos diálogo com a presidente e queremos negociar nossa pauta com o governo.

Brasil de Fato – Há diferenças na análise sobre o governo se pensamos os interesses dos trabalhadores do setor público e privado?

Wagner Gomes – Entendemos que o conjunto da classe trabalhadora foi beneficiado com a vitória de Lula e Dilma, mas a relação com os trabalhadores do setor público é mais contraditória, já que o governo é empregador e patrão. Além disto, a política fiscal de viés neoliberal, ancorada na realização de um custoso superávit primário, torna o governo mais conservador e insensível aos direitos do funcionalismo, como ficou evidente nas greves ocorridas ao longo de 2012. Por isto, mas não só, consideramos fundamental a luta pela mudança da política econômica e a redução substancial ou mesmo o fim do superávit primário. Temos plena consciência de que sem mobilização e luta não vamos avançar. A pressão é necessária e indispensável se quisermos avançar, a greve do funcionalismo também mostrou isto.

Mauro Puerro – No caso do setor público, uma das características do capitalismo, no Brasil e no mundo, é que o setor público é mais atacado. Uma das relações entre capital e trabalho hoje passa pelo repasse de dinheiro público para o setor privado. O setor público hoje sofre mais: foi necessário uma greve duríssima em 2012, em que o governo não queria negociar, mas a greve se estendeu com muita força na população. Então, abriu-se negociação e houve uma vitória do movimento, porque o governo queria dar zero de reajuste. Mas, parcelado em três anos, foi uma política dura para o setor público. Também o governo não é generoso para os trabalhadores do setor privado. As grandes empresas foram favorecidas pelo Estado com a redução do IPI. A GM pegou uma faixa considerável disso, e adota uma política de demissões. O valor de R$ 45 bilhões de redução é quase o que foi investido na Educação, em 2012. O governo não joga pesado contra o Capital, é o contrário. A maioria do movimento sindical tinha independência em relação ao governo, atuava de forma mais independente, e após o governo do PT houve uma subordinação maior. E os interesses não são os mesmos.

Ricardo Patah – Não existe dúvidas de que as conquistas dos trabalhadores do setor privado e público têm focos diferentes. Na gestão do presidente Lula, houve mais flexibilização e avanços no setor público, mas não conseguimos recuperar as perdas acumuladas ao longo dos anos. O mesmo vem se repetindo no governo Dilma. Isso é muito ruim, pois em algum momento os servidores, como ocorreu com os professores universitários e os policiais federais, por falta de diálogo com o governo, vão querer buscar essa diferença e a situação pode ficar difícil.

Índio – Para o funcionalismo federal, o governo é o patrão. E isso faz muita diferença no grau de experiência dos trabalhadores com o governo. O crescimento econômico possibilitado por conjuntura internacional favorável permitiu uma redução relativa do desemprego, que impactou a disposição de luta das categorias. Ainda que os empregos gerados sejam precários, com salários baixos. Esse cenário de menor desemprego permitiu aos trabalhadores, particularmente no setor privado, lutar por reajuste salarial acima da inflação. Por outro lado, Lula realizou uma reforma da previdência que prejudicou os trabalhadores do serviço público. Portanto, as experiências com o governo são diferentes entre os trabalhadores do setor público e privado.

Júlio Turra – O setor privado não depende do governo, mas da relação de força com os patrões e a indústria. O Dieese tem vários dados sobre isso. Em um período houve a valorização do salário mínimo e, depois, a partir de campanhas, greves, conseguiu-se manter o poder aquisitivo do salário. Poucos acordos apenas repuseram a inflação, ou até abaixo dela, como foi no passado. Em geral, evidente que há uma crítica mais acentuada no setor público do que no privado. No setor privado, há toda uma agenda dos trabalhadores que está travada no Congresso Nacional e parece não ser prioridade para o governo: o fim do Fator Previdenciário está parado. Nunca é demais lembrar: o Lula vetou o projeto de lei que derrubou o fator previdenciário, e agora entra em regime de urgência. Nem as alternativas tem sido aceitas como base de negociação, então eu diria que a pauta dos trabalhadores continua travada, incongruente para um governo que tem a base social que tem. Ao passo que os empresários tiveram isenção de impostos, política de desoneração da folha de pagamento da previdência pública, mais de quarenta setores da indústria e do comércio.

Juruna
– Respeito as análises pois cada um avalia conforme o tratamento que recebeu do governo petista. Sem dúvida os setores tiveram impactos diferentes. O funcionalismo público fez greves longas e, no final, fez acordo com o governo federal. Os trabalhadores da iniciativa privada conquistaram aumentos reais de salários em negociações diretas com os empresários e não com o governo A pauta trabalhista que terá de ser negociada com o governo permanece a mesma. Não mudou porque as necessidades continuam, mas porque o governo não atende as reivindicações.

Brasil de Fato  –  Comparando a gestão Lula e Dilma, há diferenças na relação com o sindicalismo?

Wagner Gomes – Existem diferenças. Estamos constatando que o diálogo com o governo Dilma é mais difícil. A atual administração dá preferência às negociações com o empresariado, à agenda do capital. Não gostamos disto e queremos mudar.

Mauro Puerro
– Em essência, particularmente não vejo. Há diferenças colaterais. A essência do governo Lula foi de cooptar o movimento sindical, tratar o sindicalismo como parceiro. Isso é uma característica do capitalismo hoje: os empresários precisam de sindicatos parceiros, para aumentar lucros em períodos de crise. E os sindicatos que não se enquadram nisso sofrem uma política de perseguição. Então, ele teve uma política forte, audaz, de transformar o movimento sindical para enquadrá-lo ao partido. Dilma não tem origem no movimento sindical e, portanto, tem menos jogo de cintura. Há vários descontentamentos com ela, em comparação com o anterior.

Ricardo Patah – Para o movimento sindical, os dez anos sob o governo do PT devem ser divididos em dois momentos. O primeiro, com os oito anos do presidente Lula e o segundo os dois anos da presidenta Dilma. Apesar de ser o mesmo partido, em relação ao movimento sindical a ação dos presidentes são completamente distintas. No Governo Lula, o movimento sindical foi ouvido e valorizado. Com isso houve muitos avanços. Em oito anos do governo Lula, as lideranças sindicais foram convidadas várias vezes para participar de reuniões com o presidente, onde éramos informados de ações do governo que envolviam diretamente o trabalhador e o movimento sindical. Nos dois anos da presidente Dilma, algumas medidas foram importantes para a classe trabalhadora, como a redução dos juros, o programa Minha Casa, Minha Vida. Porém, ao contrário, do presidente Lula, a presidente Dilma não recebe, não conversa, não ouve o movimento sindical, Em outras palavras, ‘não dá bola’ para o movimento sindical. Isso é muito ruim, pois não sabemos o que ela pensa e ela não sabe o que pensamos, o que pode acabar num embate que desnecessário e prejudicial para o país.

Índio – Há diferenças apenas de estilos entre eles. Claro que o presidente Lula recebia mais os sindicalistas. Mas, mesmo assim, não avançou na redução da jornada de trabalho, não pôs fim ao fator previdenciário, não brecou a terceirização, não garantiu direito de negociação aos servidores, não avançou no reconhecimento das Convenções da OIT. O próprio trabalho escravo ainda é uma realidade, apesar da recente aprovação da PEC sobre o tema. A diferença de estilo entre os dois talvez possa ter se refletido na forte greve dos servidores deste ano, que acabou aglutinando praticamente todos os setores do funcionalismo. Mas não dá para afirmar categoricamente.

Júlio Turra – Tínhamos muito mais diálogo com o governo – ainda que houvesse contradições – no período Lula do que no de Dilma, que não recebeu as centrais sindicais, apenas por meio do secretário geral da presidência. Ao mesmo tempo, no início de dezembro, com toda a pompa, Dilma visitou o Congresso Nacional da Indústria (CNI), onde recebeu das mãos dos empresários 101 propostas para modernizar as relações de trabalho, um pacote violentíssimo, que coloca em questão tudo o que está na CLT, que o negociado prevaleça sobre a Lei, em que contrato individual prevalece sobre o coletivo; transferir para os cofres públicos os direitos sociais que os trabalhadores eventualmente tenham são o núcleo da proposta. Uma política violenta de empurrar para o Estado encargos dos empresários e diminuir os direitos trabalhistas. O que mostra a diferença de comportamento. O governo prestigia as entidades empresariais, e até agora nem recebeu a CUT sozinha, nem o todo das centrais. Temos canais de diálogo com a presidência, mas não com Dilma.

Juruna – A resposta é a mesma da primeira pergunta. (PC)

Fonte: Brasil de Fato, 18/01/2013

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