03 maio 2012 . 11:22
2006, EUA Jonathan Dayton e Valerie Faris Com Abigail Breslin, Alan Arkin, Greg Kinnear, Toni Collette, Paulo Dano, Steve Carell.
Mesmo com design moderno a lógica que prevalece nas relações profissionais é a velha lei da troca: de trabalho por dinheiro, de dinheiro por coisas usáveis, de uma quantidade de dinheiro por uma quantidade maior de dinheiro.Teorias pretensamente “motivacionais”, que se fantasiam de “humanistas” não são capazes de romper com esta lógica. Em voga na sociedade estadunidense, e disseminada pelo mundo, esta pseudo-psicologia é muito utilizada em empresas, trabalhos em equipe e como receita para salvar-se a si próprio em um mundo de barbarismos e selvageria, no melhor estilo cada um por si e deus contra todos. Como se pensar e falar “coisas positivas” todo o tempo, numa neurose obsessiva, se traduzisse naquilo que, segundo esta lógica, são objetos do sucesso: dinheiro, fama e bens materiais. Logo de cara este universo motivacional expõe suas falhas: ele mascara os conflitos fundamentais ao aprendizado e ao amadurecimento. Entretanto o personagem de Greg Kinnear em Miss Sunshine, Richard, acredita piamente nas palestras que faz sobre motivação, e espera que o seu programa de nove passos se torne um sucesso. São os tais conflitos que mostrarão a ele, da forma mais dura possível, que no mundo imperam regras, padrões e a lei do que é comercialmente viável. Na satírica jornada da família Hoover rumo ao consurso de beleza infantil Miss Sunshine, na Califórnia, a bordo de uma Kombi amarela, Dwayne o filho de Richard, um adolescente dark, que flerta com filósofos de boutique, como Nietzsche, tem suas próprias motivações e seus próprios passos para alcançá-las. Sob sua aura dark, reside o mesmo ímpeto sistemático do pai, com sua lógica incompatível com a complexidade e a causalidade da vida real. O oponente de Richard no filme é seu cunhado Frank (Carell). Professor acadêmico, especializado na obra do escritor Marcel Proust, Frank foi acolhido pela família após tentativa de suicídio. Além das várias alfinetadas que há entre os dois ao longo da história, uma cena deixa claro este contraponto: então com 15 anos de idade Dwayne diz a Frank que deseja chegar aos 18 o mais rápido possível. O adolescente quer sair logo de casa e se livrar da obrigação da escola. De fato a escola é uma obrigação difícil de atravessar. É uma construção demorada, muitas vezes castradora dos impulsos e da libido. Isso sem falar nas relações que se estabelecem no convívio escolar: inseguranças, necessidade de afirmação, busca de identidade, ou seja, um caldeirão de angústias, ansiedades e descargas emocionais de todo tipo. Assim como o convívio familiar, a escola é um treinamento para a vida adulta e enfatiza as regras desta sociedade. Com a autoridade de quem conhece a fundo a obra proustiana Em Busca do Tempo Perdido, Frank revela ao sobrinho, de forma carinhosamente irônica, que não há oportunidade de sofrimento maior do que nesta fase da vida. E que ele não pode querer deixar de passar por isso. As entrelinhas sugerem que esta crise fará dele um homem maduro, com uma subjetividade sólida. Sem crise, a pequena Olive (Breslin) deseja, com todo o furor de uma criança, ser a Mis Sunshine. O filme mostra que a menina já sofre (sem saber) a pressão da imagem midiática. Mas ela ainda não está na fase de reflexões existenciais. Sua ingênua motivação arrasta toda a família para a viagem mostrada no filme. Ela também é determinada. Passa os dias ouvindo a música e ensaiando para sua apresentação no concurso. Não que o método, a motivação e a disciplina não sejam qualidades para um caráter humano. São. Mas não somente um tipo de método, criado artificialmente. Penso que o grande segredo resida no fato de que estas qualidades não são pré determinadas. Penso ainda que elas devam ser buscadas e construídas de forma que faça sentido segundo a experiência de cada um. Aí sim pode-se falar na grandeza do indivíduo. Com sua história ele compõe um coletivo rico e diversificado. Além da competitividade que domina as relações e da importância de vencer individualmente em detrimento de uma solução coletiva, a história mostra que a disciplina que cada um adota, não corresponde às regras exigidas pelos objetivos buscados. Dentro deste argumento o filme condena a abusiva cultura dos resultados, a par da obscenidade dos concursos de beleza infantis. O mais legal é que todas essas questões são levantadas de forma confortável. O filme tem o grande mérito de combinar sensibilidade com escracho, profundidade com leveza. De quebra as imagens são belas e coloridas e a musica também é boa.
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